“Tudo que vive precisa ser cuidado para continuar a existir.
Uma planta, uma criança, um idoso,…o planeta terra…
Assim, o CUIDAR é a essência da vida humana.
Vive do amor, da ternura, da carícia e da convivência”.
Boff
|
MARIA CERQUEIRA |
Todo o ser humano tem direito a ter uma vida longa, digna, ativa, livre e participativa. Contudo, não é isso que verificamos no nosso dia-a-dia. Os comportamentos e as práticas de discriminação, são uma constante na nossa sociedade, é uma prática injusta e desleal.
Quer queiramos ou não, as últimas décadas assistiram a alterações sociais aceleradas, com reflexos muito concretos no modelo de família. Novos valores e novas atitudes perante a sociedade emergiram, muitas das vezes em contradição com os valores e as atitudes daqueles que agora são idosos.
Agora reformados e com as limitações próprias da idade, espera-os um mundo diferente. Um mundo construído por famílias cujo circulo se estreita, sobrando pouco espaço para os idosos, que de um momento para o outro se vêm dependentes.
Quando o estado de saúde e monetário o permite, muitos são os idosos que preferem manter a sua própria casa, mas, quando a saúde os atraiçoa, quando a morte leva a companhia de uma vida, a solidão é uma constante, o abandono e muitas vezes maus tratos… a situação agrava-se, a separação da sua casa, do seu espaço, é dolorosa, é ali que guardam o espólio de toda uma vida, é por ali que pairam as suas memórias. Até porque deixar a sua casa é uma espécie de confissão: já não são capazes de cuidar de si próprios sozinhos.
O idoso exige dois ingredientes cada vez mais raros no mundo atual: recursos e carinho. Como profissionais dos cuidados de saúde primários, todos os dias encontramos pelo nosso caminho idosos tristes, infelizes, com sentimentos de desamparo que os leva a viver de uma maneira melancólica, não se preocupa com a morte, podendo esta até ser um alívio…um doce alívio.
Na nossa área de abrangência profissional, encontramos diferentes situações. Por um lado a família que assume o cuidado ao idoso, pois acha que cuidar de alguém que se ama não é uma tarefa, mas sim algo natural, muitas vezes sente-o como uma obrigação, é o devolver o carinho e o cuidado que sempre receberam. O conforto e a felicidade do idoso é um bem precioso que querem manter, em casa, no aconchego do lar. Este é o modelo de família que todos desejariam ter.
Por outro lado temos famílias completamente ausentes, sem tempo devido aos seus afazeres profissionais. Nas zonas mais desertificadas os jovens emigram, estabilizando as suas vidas noutro país e os idosos ficam por aqui…sozinhos, doentes, sem esperança…Vêm no enfermeiro que os vai visitar um conforto, uma réstia de esperança, uma ajuda…é esta visita, por mais curta que seja que o mantém ligado à vida…
Cuidar significa zelar pelo bem-estar, saúde, alimentação, higiene pessoal, atenção, precaução, dedicação, carinho e responsabilidade. Cuidar é servir, é oferecer ao outro os seus serviços, é perceber a outra pessoa como ela é e como se mostra, os seus gestos e o seu diálogo, a sua dor e as suas limitações. Esse cuidado deve ir além dos cuidados com o corpo físico, pois além do sofrimento físico decorrente de uma doença ou das limitações próprias da idade, há que se levar em conta as questões emocionais, a história de vida, os sentimentos e emoções da pessoa a ser cuidada.
Na relação de ajuda a prestar ao idoso, pela família, pelas associações, centros de saúde, apoios sociais, centros de dia e de convívio, deve ter em conta duas atitudes fundamentais:
Saber ser, que engloba a capacidade de análise das suas emoções, tomada de consciência dos seus valores, aptidões para agir, altruísmo, sentido de responsabilidades e ética.
Saber fazer, esta atitude requer várias qualidades, tais como, a capacidade de prestar cuidados, a escuta, a empatia, o respeito, a congruência e a clareza. Ainda podemos sublinhar algumas qualidades suplementares, como sensibilidade, atitude positiva, transmitir força e ânimo, confiança em si próprio, criatividade, facilidade de adaptação, intuição e humor.
A esta duas atitudes eu acrescentaria uma terceira que é fundamental e que se tem vindo a perder de uma forma assustadora nas atuais sociedades que é o Saber respeitar. A família, a comunidade e a sociedade precisam dignificar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo a sua liberdade, autonomia, bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
A comunicação é o elemento fundamental numa relação com a pessoa idosa. O idoso tem necessidade de conversar; isto para ter a certeza que não está sozinho, que alguém o ouve, que lhe dá atenção, que mostra disponibilidade para ele…este momento, por mais curto que seja, é único, é de plena satisfação, é de partilha e de prazer. É necessário manter sempre uma atitude carinhosa e tranquilizadora, é no processo de comunicação que devemos demonstrar as nossas expressões de afeto.
Esta etapa da vida é preenchida por muitas lacunas criadas pela desconfiança, desespero e perda de esperança. O importante é ouvir as pessoas com atenção, mostrar interesse e paciência, muitas vezes, este momento reduz o nível de desespero que a pessoa idosa está a vivenciar, transmitindo com segurança que as coisas podem mudar para melhor, despertar no idoso a vontade de viver, aumentar a autoestima e o sentimento de segurança e, deste modo, levá-lo a desenvolver atitudes positivas face às suas capacidades. Devemos proporcionar ao idoso ocasiões para crescer no plano pessoal e encontrar um sentido para a sua vida. O aumento da esperança de vida implica o aumento da qualidade da mesma.
Mais do que sozinho em casa é enfrentar a agonia da solidão…