quinta-feira, 29 de junho de 2017

BIRD MAGAZINE LANÇA LIVRO, AMANHÃ, EM AMARANTE

É já AMANHÃ, dia 30, que esperamos por si na Biblioteca Municipal Albano Sardoeira, em Amarante, pelas 21 horas.

A entrada é livre e pode contar com muitas surpresas.

Destaque para a atuação do Grupo Coral Juvenil de Gondar e Carlos Pinheiro (The Voice). Ainda a degustação de vinhos com a presença da empresa Carrelo & Covas - Consultores Lda. 

Sem esquecer, claro, a ceia partilhada com iguarias de diferentes pontos do país.

NINGUÉM VAI QUERER FALTAR!


TRAGÉDIA SEM NOME

ANABELA BORGES
Ainda o Verão não tinha marcado presença no calendário, já os dias em Portugal eram fortemente abalados por uma tragédia no mínimo chocante e invulgar.

De proporções inimagináveis, os primeiros grandes incêndios deste ano tiveram consequências que apenas seriam aceitáveis nos nossos piores pesadelos.

E quando o luto e a consternação – o silêncio para dar espaço à dor – eram o estado que se esperava de um país em estado de choque, apareceram especialistas por todo o lado a arranjar culpados à força e a tentar justificar o injustificável, a falar muito e demasiado cedo, a incendiar impiedosamente os ânimos, seus e dos outros. 

Não sou especialista em nada, não tenho respostas para o que aconteceu, não sei dizer cabalmente o que não foi feito, quem falhou.

Por isso, o que aqui deixo são perguntas, a pedir responsabilidades a quem tem de as assumir. Porque há responsabilidades a assumir sobre o elevado número de vítimas atingidas pelos incêndios que tiveram início a 17 de Junho passado. Mesmo que a origem tenha sido natural, não há justificação para as proporções atingidas pela tragédia, uma vez que fenómenos do mesmo género já tinham ocorrido em Portugal, felizmente sem estas consequências, e “trovoadas secas”, pelo menos até à data, ainda não são criminalmente imputáveis.

Falem, então, os responsáveis por:

- limpeza e manutenção das bermas das estradas,

- planeamento, conservação e ordenamento do território florestal,

- IPMA: comunicação correcta e atempada de previsões e alertas,

- actuação da Protecção Civil: coordenação entre os meios no terreno, comunicações, alertas, avisos à população,

- comunicações entre meios operacionais, com destaque para o SIRESP,

- eficácia (rapidez) e coordenação entre meios operacionais terrestres e aéreos,

- combate, busca e salvamento,

- tomadas de decisão políticas: centrais e regionais.

São estes, entre outros, os que terão de ser chamados à responsabilidade. Estes falharam.

Sim, enquanto cidadã, exijo que sejam apuradas e assumidas responsabilidades, que os responsáveis sejam julgados e responsabilizados pelo que (não) fizeram.

É tempo de enterrar os mortos e cuidar dos vivos. É tempo de os acarinhar, de lhes dar apoio, de lhes dar respostas sobre esta tragédia sem nome. É o mínimo que o país pode fazer por eles.

Aqueles que estão no centro da tragédia, e só eles, sabem a(s) dor(es) que carregam.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

NOVAMENTE OS PROGRAMAS DE TALENTOS…

PAULO SANTOS SILVA
Numa semana de particular relevância e em que, se calhar, o tema deveria ser o lançamento da 1ª Edição da Revista Bird em Papel, decidi abordar novamente os programas de talentos que constantemente nos entram “pela porta adentro”. Neste caso o Just Duet.

O conceito é simples. Vários candidatos à procura de serem escolhidos por terem chegado a uma final e terem realizado o “dueto perfeito”. Tudo isto com o apoio de um painel de quatro jurados/mentores, com quem terão de realizar o supracitado desígnio.

A primeira questão se coloca é – existe um “dueto perfeito”? Obviamente que não. Não, porque a perfeição não existe e não, porque a avaliação da “perfeição” de um dueto depende de muitos fatores, sendo que uma boa parte deles serão altamente subjetivos.

Outra questão pertinente, é os critérios que levaram à escolha deste painel de jurados/mentores. Na minha modesta opinião, altamente desequilibrado. Se por um lado não questiono cada um deles como músico (gostos à parte) e até percebo que se queira um leque alargado de influências musicais, acho que alguns deixaram manifestamente bastante a desejar naquilo que demonstraram enquanto mentores dos candidatos. 

Destaco, pela positiva, o caso do Héber Marques. Sóbrio nas análises dos concorrentes (seus e dos outros) e sábio nas opções propostas, bem como nas ajudas dadas aos “seus” concorrentes. 

Quanto aos outros, perdoem-me a sinceridade mas, do que vi, fracos. Tome-se como exemplo o programa desta semana. Paulo de Carvalho, muito refém de um estilo musical que é o seu, mas que não resulta de todo com outros (a versão de Mãe Negra apresentada não trouxe rigorosamente nada de novo) ou então, completamente colado ao tema original, como foi o caso do tema Ele e Ela em que, novamente, nada surpreendeu. 

Agir, tal como o pai Paulo de Carvalho (será que foi uma opção acertada da produção em juntar os dois?...), tenta “enfiar dentro da sua camisa” os temas que propõe aos seus candidatos. A versão do tema do Diogo Piçarra que fez no programa passado com a sua concorrente, é um bom exemplo disso. Despropositada, no mínimo.

Gisela João, é o exemplo contrário. Tenta nadar fora da sua zona de conforto e acaba por, com isso, ficar ainda mais nervosa do que os próprios concorrentes. Dois excelentes exemplos no domingo passado, em que falhou redondamente. Más escolhas musicais, nas quais se sentia de todo desconfortável e insegura, sendo que acabou por arrastar os concorrentes para esse mesmo desconforto e insegurança. 

Valha-nos ao menos o Héber Marques para salvar a “honra do convento”. Versátil, assertivo nos comentários sem se tornar desagradável ou deselegante, mas acima de tudo muito inteligente na condução dos seus concorrentes, no que diz respeito aos duetos apresentados. 

Veremos, pois, como tudo isto acaba.



Por falar em acabar, termino mais uma vez prestando a minha pública homenagem e agradecimento ao mentor da BIRD MAGAZINE – Ricardo Pinto – pela coragem, ousadia e persistência que levou a que, orgulhosamente, vá ser lançado na próxima sexta-feira a obra “BIRD Magazine, Volume 1”. É com muita honra que integro este projeto desde 2014 e estar presente nesta obra com uma crónica da minha autoria, é um motivo de grande felicidade! Obrigado!!!

A EDUCAÇÃO CIDADÃ

RUI SANTOS
O ensino obrigatório para toda a população foi promovido no século XIX com vários intuitos, não só como via para a conquista de uma sociedade mais igualitária, mas também – para quem detinha o poder –, como objectivo de assegurar o controlo e o beneplácito da cidadania. Ao longo da curta história das instituições escolares, pode constatar-se que no sistema educativo tornou-se mais importante disciplinar as mentes e os corpos, com a perspectiva de manter os modelos tradicionais da sociedade classista, sexista, racista, heterossexual e crente, do que formar uma cidadania informada, crítica, solidária e democrática. É no século XX que se atribui à educação maior importância, principalmente quando passa a ser considerada um direito básico de todas as pessoas, tal como é referido no Artigo 26º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (Assembleia Geral das Nações Unidas, 10 de Dezembro de 1948)[1].

Um dos inúmeros problemas que afetam o sistema educacional, prende-se com o facto dos professores não se encontrarem preparados ao nível do conhecimento referente aos Direitos Humanos. Existe um déficit de formação enorme nesta área. Apenas uma minoria conhece documentos como a Declaração sobre a Raça e os Preconceitos Raciais, a Declaração de Montreal, a Declaração e Programa de Ação de Viena, o Convénio Europeu para a Salvaguarda dos Direitos e Liberdades Fundamentais, etc.

Se a própria classe docente apresenta déficits formativos pode-se concluir que o nosso sistema educativo não colabora decididamente na educação de uma cidadania que precisa de saber respeitar os direitos humanos e as liberdades; uma cidadania que, dado que está em contacto com as pessoas oriundas de outras culturas, comunidades nacionais, religiões, idiomas e etnias, precisa desenvolver valores de compreensão, justiça, solidariedade, respeito, comunicação e colaboração.

Este desvio das funções dos sistemas educativos está fortemente relacionado com uma fortíssima reorientação das instituições escolares para ideais neoliberais. Uma prova contundente disso é o vocabulário mercantilista que inunda os discursos políticos sobre a educação, com palavras como: “mercado”, “qualidade”, “ranking”, “eficiência”, “excelência”, “privatização”, etc. Assim, entre os slogans aos quais se recorre para explicar as funções dos actuais sistemas educativos, a temática dominante insiste na necessidade de formar pessoas preparadas para a competitividade, para lutar pelo êxito e sobrevivência dos mercados globais.

Ensinar é criar condições que permitam aos alunos apropriar-se do saber, construir o seu sentido, transformar os seus conhecimentos iniciais, elaborar novos conceitos, entender teorias, adquirir e desenvolver novas competências e procedimentos. Para levar por diante esta tarefa, diversas teorias psicológicas muito em moda defendem que isso exige colocar aos alunos no centro do sistema educativo, argumentando que cada estudante tem o seu próprio ritmo de aprendizagem, os seus próprios conhecimentos prévios, interesses, inteligências, capacidades e expectativas. No entanto, tais teorias correm o perigo de reforçar filosofias individualistas e egoístas que nos últimos anos vêm tendo o apoio das ideologias conservadoras e neoliberais. Os contextos sociais nos quais essa pessoa se desenvolve ficam completamente obscurecidos e, implicitamente, apoia-se a ideologia dos dons. Cada pessoa seria exclusivamente o fruto das atitudes inatas com as quais nasceu. Deste modo, o seu código genético parece determinar a sua trajetória social.

Numa sociedade fortemente classicista, racista, sexista e individualista este tipo de modelo explicativo acaba por ser o melhor aval para naturalizar a segregação e a exclusão social.

Uma sociedade verdadeiramente democrática e informada precisa ter clara resposta ao dilema dominante com o qual as escolas se têm enfrentado, isto é, servir as causas de uma sociedade estratificada e competitiva, ao mesmo tempo que devem contribuir para uma melhor integração da sociedade, ensinando as novas gerações a conviver democraticamente e com um sólido compromisso com a justiça social e a conquista de uma verdadeira igualdade de oportunidades.
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[1] Art. 26º: “1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos no que concerne à escolaridade obrigatória. A educação básica será obrigatória. A educação técnica e profissional deverá ser generalizada; o acesso ao ensino superior será igual para todos, em função dos respectivos méritos;

2. A educação terá como objectivo o pleno desenvolvimento da personalidade humana e o fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais; favorecerá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos étnicos ou religiosos e promoverá o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a manutenção da paz;

3. Os pais terão direito preferencial para escolher o tipo de educação que pretendam dar aos seus filhos”.

H2O DA VIDA

VERA PINTO
Todos os dias escutamos incrédulos na rádio, lemos indignados numa revista ou assistimos revoltados na televisão a mais um acidente causado pela condução sob a influência de drogas ou álcool, porque o seu consumo reduz os reflexos ao volante e a capacidade de concentração. Sabiam que conduzir com baixos níveis de hidratação tem os mesmos efeitos? Não quero ser demasiado sensacionalista, mas acredito que abordando o assunto desta forma o nível de consciencialização das pessoas aumenta.

A água constitui o principal componente do organismo, representando cerca de 60% do peso corporal de um adulto. A água é fundamental para o transporte de nutrientes, necessários à produção de energia que é indispensável ao funcionamento do organismo, além disso ajuda a eliminar os resíduos resultantes dos processos metabólicos. Uma hidratação adequada é básica para o funcionamento do cérebro, bem como para a tonificação dos músculos e das articulações, que juntamente com os ossos, são necessários ao movimento. Ajuda igualmente a regular a pressão arterial e a controlar a temperatura corporal.

Existem inúmeros problemas de saúde que podem ser prevenidos e mesmo tratados através do consumo adequado de água. Acreditam? Desde diabetes descompensada, obesidade, passando por infecções urinárias frequentes, pele seca que a predispõe a outras infecções, estes são alguns dos exemplos. Mais, a desidratação, caracterizando-se pela baixa disponibilidade de água no organismo pode levar a morte se não for tratada de forma adequada. “Beba água” deve ser a medida não farmacológica que mais aplico e tendo em conta todas as suas vantagens não deixa de ser desapropriado.

Mas afinal, de quanta água precisamos? Tendo em conta a influência do grau de hidratação sobre a saúde e o bem-estar, é importante que possamos consumi-la em quantidades adequadas. Em circunstâncias normais, uma pessoa perde entre dois e dois litros e meio de água por dia. Isto acontece sobretudo pela urina, mas também pela respiração, pelo suor e pelas fezes. Por esta razão, deve haver sempre um equilíbrio muito dinâmico e estreito entre o que entra e o que sai. As necessidades de líquidos variam de pessoa para pessoa, em função da actividade física ou do exercício que realizam, das condições ambientais, do padrão alimentar, de hábitos tóxicos, como o consumo de álcool, e dos problemas de saúde de que se padeça, entre outros factores. Em termos gerais, os homens devem ingerir dois litros e meio e mulheres dois litros, mas existem excepções, como as grávidas. Uma medida que se aplica a todos, é beber a quantidade de água necessária de modo a que a urina surja incolor e inodora. Ter ideia da quantidade de água que necessitamos é importante, porque tal como a falta de água é um problema, ingerir água em excesso também implica riscos. Ultrapassar em cinco ou seis litros por dia a quantidade de água recomendada representa um problema de saúde porque acarreta sobrecarga renal. O conhecimento de si próprio e, no seguimento deste artigo da quantidade de água que precisa, mas também em relação a tudo o resto, o autoconhecimento é a melhor forma de se estar saudável.

terça-feira, 27 de junho de 2017

NOITE E NEVOEIRO, DE ALAIN RESNAIS (1955) – A BIPOLARIDADE DOS ESPAÇOS

ANABELA BRANCO DE OLIVEIRA
Noite e Nevoeiro (Nuit et Brouillard) foi encomendado a Alain Resnais pelo Comité de História da Segunda Guerra Mundial para assinalar o décimo aniversário da libertação dos campos de concentração (Auschwitz foi libertado a 27 de janeiro de 1945). É uma curta-metragem documental, um projeto de equipa entre Alain Resnais, Jean Cayrol, escritor sobrevivente dos campos de concentração, que escreveu o texto, declamado no filme por Michel Bouquet, e Hanns Eisler, que compôs a banda sonora. Noite e Nevoeiro - Nacht und Nebel em alemão – é o nome do decreto nazi de 7 de dezembro de 1941 que ordenava a deportação dos “inimigos do Reich”. Para os nazis, os deportados que enchiam os vagões de mercadorias com destino aos campos de concentração eram os NN (Nacht und Nebel).

Noite e Nevoeiro é um documentário de imagens, espaços e objetos. As imagens são provenientes de múltiplas fontes: fotografias e documentos comprovativos existentes nos arquivos nazis, pequenos filmes a preto e branco realizados por oficiais das tropas aliadas aquando da libertação dos campos de concentração polacos e holandeses e imagens a cores filmadas por Alain Resnais nos campos de concentração de Auschwitz e Maïdanek.

O choque entre as imagens coloridas, que mostram a paisagem verdejante à volta do campo de concentração deserto, e as imagens de violência e horror, ora facultadas pela montagem ora pelo próprio texto de Jean Cayrol, está presente desde o primeiro momento e paira sobre todo o filme alertando para os perigos do esquecimento e para a banalidade do mal.

A câmara só se mexe, em lentos travellings, nos espaços vazios, reais e vivos. Espaços vazios do homem, do ser humano. Nesses lentos travellings, tudo é vazio, imóvel e silencioso porque retrata o vazio, a condenação, a imobilidade e a ausência de todos os que por ali passaram.

O percurso pelos campos do presente é um travelling subjetivo dos ausentes, dos que, no sofrimento da separação e da dor, não olharam para a quietude dos campos, dos ausentes porque não sobreviveram! É o travelling de algo que parece, hoje, inimaginável!

Noite e Nevoeiro é um documentário que grita com um imenso diálogo entre imagem e som: as imagens de arquivo são datadas e localizadas mas a música de Hanns Eisler dá-lhes uma extensão intemporal e universal. Entre a imagem e a música, um choque de proporções: quanto mais violenta é a imagem mais leve é a música. A imagem cria um choque visual mas a música dá-lhe uma dimensão espiritual porque a imagem é documento e a música é poesia. A música projeta a necessária reflexão que sobrevive ao horror.

A montagem de Noite e Nevoeiro é a orquestração do horror: fria, sóbria, sem cólera, com um sarcasmo urgente. Com um sarcasmo que denuncia a banalidade do mal – os estilos arquitetónicos dos campos, os objetos e os contrastes da futilidade, a vida mundana dos comandantes e a total ausência de remorso e de responsabilidade.

As imagens das montanhas de óculos, pentes e cabelos (o monte interminável de cabelos é das imagens mais impressionantes no filme), são apenas vestígios que denunciam a monstruosidade mas que são incapazes de exprimi-la totalmente. O plano ilimitado dos cabelos, um mar ilimitado, um plano que se prolonga no domínio de uma quantidade infinita e que se esmaga no detalhe dos pelos que saem dos blocos de tecido, define o grito da não- aceitação, o grito do não esquecimento.

Noite e Nevoeiro não é a denúncia da morte. É o grito de alerta para o futuro. O esqueleto dos fornos crematórios, o silêncio dos campos vazios, a inutilidade dos carris cheios de ervas denunciam uma eterna imobilidade. Mas nada está parado: o contraste entre a cor e o preto e branco, entre o espaço e as imagens de arquivo são um intenso alerta contra todas as noites e todos os nevoeiros que podem sempre cair sobre um terreno nascido para receber o sol e a paz.

Noite e Nevoeiro é um filme necessário e urgente. É a imagem da intolerância, da desumanidade, da banalidade do mal e da organização da barbárie.

António Crespi, docente universitário, declarou, a propósito da plantação, no Jardim Botânico da UTAD, em março de 2014, de uma das “filhas” do carvalho que ainda hoje existe à entrada do campo de Auschwitz- Birkenau:

“É uma forma de, neste paralelo, vincarmos a diferença entre um lugar que fica para sempre associado ao ódio e à morte, e este outro, que é um espaço de tolerância, de conhecimento. De vida, no fundo”

As palavras de Jean Cayrol, nas sequências finais do documentário, são um enorme grito de alerta – “O crematório está fora de uso. Os artifícios nazis estão ultrapassados. Nove milhões de mortos assombram esta paisagem. Quem vela este estranho observatório para nos prevenir da chegada de novos carrascos? Terão eles uma cara diferente da nossa? Algures, entre nós, ainda há kapos afortunados, chefes convertidos, denunciantes desconhecidos. Há todos os que não acreditaram, ou só de vez em quando. Estamos cá nós, que olhamos estas ruínas como se o velho monstro concentracionário estivesse morto sobre os escombros, que fingimos retomar a esperança perante esta imagem que se afasta, como se nos curássemos da peste concentracionária, nós que fingimos acreditar que tudo isto pertence a um só tempo e a um só país e que não pensamos em olhar à nossa volta e que não entendemos que se grita infinitamente.”

Não esqueçam nunca esta mensagem final porque, da aparente imobilidade dos espaços e dos instrumentos, da aparente calma das ervas nos carris desativados, da aparente banalidade de pequenos abusos, desrespeitos, racismos, estereótipos, inflexibilidades, ódios e intolerâncias pode nascer a estrutura organizada do mal. E não queremos que haja um outro carvalho, à entrada de um outro campo, a testemunhar os limites da desumanidade.

A LÍNGUA PORTUGUESA E OS ESTRANGEIRISMOS

REGINA SARDOEIRA
Estive a percorrer a lista dos estrangeirismos usados no contexto da conversação portuguesa, oral e escrita, e compreendi que são algumas centenas. Compreendi ainda que muitos foram já assimilados, fonetica e graficamente , à língua, enquanto outros surgem, isolados e na grafia e pronúncia originais, deslocados no conjunto do texto, mas impregnados de intenção. 

Sei bem que a língua é dinâmica e permeável a influências diversas, decorrentes do tempo e do espaço; e ainda que vivemos uma época globalizante, onde a velocidade comunicativa é circunstância inapelável. 

Duas questões me parecem pertinentes. Devemos, nós, que cultivamos a língua e atribuímos importância ao rigor e à estética, na formulação de textos, pugnar pela predominância das palavras legitimamente portuguesas, evitando a avalanche de termos importados ou, pelo contrário, em nome desta dinâmica globalizante, decerto irreversível, devemos consentir na mescla confusa em que a língua se vai tornando? 

Por mim, sempre lutei pelo uso dos nossos genuínos vocábulos, mesmo quando percebo quão fácil é, realmente, enfileirar na mistura. 

Dificilmente me ouvirão dizer "selfie" para designar "auto-retrato" ou "post" para aludir a "publicação"; não uso "briefing" , em vez de "comunicado" ou "brunch", para referir pequeno-almoço alargado (de notar que a palavra, em inglês, já reúne fragmentos de duas outras, breakfast e lunch, respectivamente, pequeno-almoço e almoço); best-seller, ou o mais vendido, significa menos para mim do que a corruptela "besta célere" que designa, segundo Alexandre O'Neil, um produto medíocre ou francamente mau, normalmente um livro, feito segundo uma fórmula simplista que garante o topo nas vendas. 

Por outro lado, reparo que digo atelier e não oficina, passepartout e não moldura, abajour e não quebra-luz...e tantas outras palavras que, há décadas, se insinuaram na língua portuguesa. Sendo assim, valerá a pena o purismo de evitar cuidadosamente, os termos ingleses - principalmente ingleses - que ameaçam pontilhar o nosso modo de falar e de escrever, a ponto de desfigurarem o idioma original? 

Sem querer retirar atributos às línguas dos outros povos que serão, para eles, as mais bonitas, e reconhecendo em algumas delas, inequívoca beleza e concisão, continuo a preferir expressar-me em português. No genuíno. Sem acordos ortográficos pouco consistentes ou estrangeirismos desnecessários. 

Em nome da estética e da especificidade linguísticas continuarei na demanda de sinónimos, sempre que um termo me soar menos belo ou adequado. 

É o caso da palavra "implementar" que comecei a ouvir há uma ou duas dezenas de anos e me soou muito mal, não me parecendo português legítimo. Fui pesquisar, usando o meu dicionário de dez volumes, e não encontrei semelhante verbo. 

Percebi então, após algumas pesquisas, que se trata de um neologismo, importado do inglês (to implement) ainda que o substantivo "implemento" (acessório, apetrecho) conste do referido dicionário. Compreendi ainda que o termo tem origem na linguagem industrial, sendo vulgarizado e adaptado a outras áreas, dado o seu significado que une a implantação de seja o que for à sua efectiva instrumentalização. Mas, efectivação, realização, execução são sinónimos absolutamente fidedignos, pelo que me dispensei sempre de utilizar esse verbo, que me pareceu feio e bizarro desde que o ouvi pela primeira vez (e foi tão profundo o choque desse instante que sei, exactamente, quem o pronunciou, onde o fez e qual o contexto!). 

To implement não me choca absolutamente nada, pois insiro o verbo no contexto da língua inglesa de onde deriva; implementar foi e é uma palavra que me incomoda. Do mesmo modo, "post", termo utilizado para designar uma publicação feita na internet (e eis aqui outro estrangeirismo!), "postar" ou "postagem ", dela derivadas me parecem erros, assim mesmo, erros de português! 

" Post" , do latim, significa "depois" e usa-se, legitimamente, em expressões como "post-scriptum" , "post-mortem" e ainda aglutinado, enquanto prefixo, a vocábulos como "posterior" , "póstumo" , etc. Ora, esta importação de "post" do inglês e as suas derivações, mais ou menos empíricas, postar e postagem, chocam com a necessidade que reside em mim de preservar a autonomia linguística. 
Ao mesmo tempo que reflicto acerca destas peculiaridades do instrumento privilegiado de comunicação que é a língua e vou dando conta de algumas das minhas restrições, quanto ao uso de certos estrangeirismos e afins, percebo a inutilidade de demonstrar a quem quer que seja, que o uso e abuso de certas palavras, importadas do inglês, descaracteriza a língua portuguesa, não lhe acrescentando nada de válido. 

Vivemos um tempo de descaracterização absoluta e os que resistem e preservam valores são considerados antiquados ou ridículos por se deterem em semelhantes minúcias. 

Um acordo ortográfico, mal gizado e deficientemente explicado aos escreventes, transformou a grafia de certas palavras, desfigurando-as, inutilmente. A supremacia da língua inglesa invadiu o léxico português e parece uma perda de tempo procurar significados, e talvez sinónimos, para evitarmos o estrangeirismo adaptado, sem aspas ou itálico, com que manteriam o seu carácter estrangeiro. O modo como os brasileiros falam português, abolindo, por exemplo, os advérbios - "Faz isso rápido" , em vez de, "Faz isso rapidamente" - entrou, de mansinho, e institucionalizou-se. 

Poderia multiplicar exemplos, decerto todos podem fazer esse trabalho, visto que expressamo-nos pelas palavras e delas retiramos e com elas transmitimos pensamentos e emoções. Porém, creio que a batalha está a priori perdida e cada vez mais terei que lidar com as intromissões desnecessárias de estrangeirismos, não conseguirei, decerto, escapar ao acordo ortográfico e serei compelida a chamar "escritor" a quem, mediocremente, junta palavras e frases num livro.

segunda-feira, 26 de junho de 2017

OS DOMADORES DE MADEIRA

JOANA BENZINHO
As mascaras, a estatuária e alguns instrumentos musicais são na Guiné Bissau uma parte importante da cultura, da vida social e religiosa de certas etnias e, essencialmente, de certas crenças animistas.

Para o animismo, religião maioritária entre os guineenses, mesmo se por vezes professem outros credos, os espíritos encarnam na natureza, nas árvores, em objectos de madeira que são esculpidos depois de uma autorização divina e só por algumas mãos especialmente dotadas para o efeito.

É igualmente comum encontrar animais esculpidos em madeira, sobretudo na arte Bijagó, como cabeças de vaca ou tubarão e que são usados em cerimoniais muito específicos, sendo um espectáculo digno de registo ver os homens a dançar ao som dos batuques mascarados com estas cabeças de animais. 

A arte Bijagó é uma das mais procuradas pelos colecionadores de arte africana e uma das mais raras de encontrar. Como poucos estão predestinados esculpi-la, não abundam os exemplares.

Também os instrumentos musicais como o bombolom, a Kora e o balafon são esculpidos em madeira e entram em diversas cerimónias do quotidiano guineense. O bombolom foi, desde sempre, o meio de transmitir informações para aldeias distantes através de uma espécie de código morse entendido e praticado pela população em geral. Quando morria ou nascia alguém o bombolom era tocado e lá longe a noticia era recebida de imediato. Diz-se até que no tempo da guerra colonial os portugueses foram vitimas de algumas emboscadas por desconhecerem a utilidade do bombolom que ressoava quando eram avistados. Julgavam tratar-se de boas vindas quando na realidade metia em guarda a população vizinha alertando-os da presença dos militares. Hoje em dia tem um papel muito importante nos funerais e no "toca choro", cerimónia de evocação do morto e que se traduz numa festa que dura vários dias e se oferecem animais para serem sacrificados. Deixou no entanto de ser um veículo de transmissão de informação, substituído pelo poder das rádios comunitárias existentes um pouco por todo o país. Já o balafon ( espécie de xilofone) e a Kora permitem aos griots (uma espécie de jograis) habitantes da aldeia de Tabatô, manter a tradição ao transmitirem a sua história, desde os seus ancestrais no Mali que viajaram para a Guiné até aos dias de hoje, através de vários actos musicados e sempre sob o ouvido atento de quem chama a atenção ao narrador, caso este se afaste da verdade.

Por todo o país ou na cidade de Bissau é ainda possível encontrar alguns homens que diariamente domam a madeira, com artefactos bem rudimentares e seguindo à risca as tradições, como é o caso de pedir autorização aos espíritos para fazer uma determinada estátua. Eles estão no mercado artesanal dos Coqueiros, onde também encontramos joalheiros a trabalhar a prata de uma forma arcaica mas impressionante, e ainda no Centro Artesanal Juvenil que agrega artesãos de vários pontos do país e de distintas etnias.

Este artesanato guineense é detentor de uma pesada carga simbólica e histórica pelo que deve ser preservado de massificações que ambicionam dar resposta à procura por parte de colecionadores e turistas. Já merecia um museu nacional. Quem sabe um dia.

domingo, 25 de junho de 2017

PONTÃO

MIGUEL GOMES
Aguardo a chegada das estrelas sentado desapropriadamente nesta espécie de caminho de madeira que termina sobranceiro ao areal, esperando que a noite me venha cobrir com o frio latejar que só ela sabe. Só ela.

Atrás de mim as dunas parecem bailar com o vento que faz roçar os cardos, abanando com fervor remanescências plásticas de sacos cheios de nada, apenas incúria de uns poucos seres andantes, autointitulados inteligentes, ainda presos nos espinhos e na vegetação rasteira.

Não fosse a maresia, diria estar no sopé de uma colina, pernas bamboleantes como um puto qualquer a olhar para o fundo no vale, esperando com um olhar de genuína traquinice que uma das sapatilhas se deixe desatar e vá cair ribombando em silêncio, colina abaixo.

O marulhar das ondas, o escorrer lânguido da água pela areia ainda morna depois de um dia ensopado em calor, a praia a sorver o resto de tarde que teima ainda, pelo alaranjado céu, manter-se desperta sem contudo tentar roubar qualquer protagonismo à velha actriz que aguarda atrás, no pinhal onde as árvores se agrilhoam ao solo como garras de bicho quase enterradas na pele dura de um animal. Mas o tempo sucede-se como um palco onde o cenário se confunde com as paredes e o telhado se mescla com o céu, deixando de se perceber onde termina um e começa outro. 

A passos pequenos, mas firmes, vem já trajando o frio fino que se vai compor em orvalho daqui a umas horas, arrastando um manto de estrelas titubeantes como uma rainha que embora não o queira ser, por obrigação desempenha o papel e por caridade o grafia bem, o papel e o reinado. Louvo e invejo, confesso, o seu papel de errante caminheira, o périplo pelo reino, as pequenas passadas com que, no cuidado maternal para não acordar um filho no berço, vai percorrendo todo o horizonte sem que saibamos sequer dos afagos que deixa ficar nos sonhos de cada um de nós. Os confessos, quase sós.

Por hoje, sem que eu perceba o porquê, longe de merecer qualquer honraria em forma de sua companhia, detém-se de pé a meu lado. Apercebi-me apenas quando ao sentir o pousar de uma mão no ombro me assustei e, olhando para o lado, a vejo de pé, sorrindo para mim como se por magias que apenas ela, a noite, conhece soubesse ver os pensamentos que vou deixando presos nos cardos das dunas. 

Enquanto o céu estranha a pausa no anoitecer ela senta-se a meu lado, o manto comprido sobre o resto do passadiço, os cardos e as dunas, o pinhal e todas as cidades, vilas, aldeias, planícies e os planaltos, os meus planaltos. Uns dormem cientes que o dia nascerá quando voltados ao corpo, outros ruborizam esforços em braçais trabalhos, subjugados, os apóstolos que limpam o lixo nosso de cada dia.

A noite deteve-se a meu lado. Parece conhecer-me bem e no olhar fundo que trocamos, soçobro no silêncio e um orvalho cai-me dos olhos. Passiva, serena, com uma ponta do manto limpa-me o canto orbital onde muitas vezes me batem à porta os mundos que nem sabia existirem. A claridade do dia que não cai faz brilhar o resto das estrelas que se desprenderam do manto e sulcam, secando, o caminho na minha cara por onde nebulei.



Levanta o braço esquerdo e parte do manto. Olho para trás assustado, todo o firmamento parece sacudido, as estrelas ondulam como se fossem simples espuma na crista da maré, do interior da noite o sorriso manso por entre as madeixas negras da noite abre-me a porta para o lado de lá do céu e, cansado, agradecido, surpreso, deixo-me cair sobre o seu regaço e adormeço, sem me aperceber que amanhã, quando acordar, a noite terá partido e de mim apenas a lembrança no pontão, pés suspensos a abanar com o vento, as mãos com as marcas das tábuas e o sorriso, salgado, de ter em mim todos os dias passados, presentes e futuros e, ainda assim, querer viver para lá do vivido.

OS BOMBEIROS SÃO OS MEUS HERÓIS!

ARTUR COIMBRA
Nos últimos dias, por todo o país e nas redes sociais, têm-se multiplicado as manifestações de apreço pela acção humanitária dos bombeiros voluntários, na sequência dos trágicos acontecimentos de Pedrógão Grandes, que depois alastraram para Castanheira de Pera e Góis.

Mas o mesmo acontece quando ocorrem verões particularmente explosivos ao nível dos incêndios florestais, de que resultam prejuízos humanos e materiais irreparáveis. Nascem normalmente campanhas por todo o lado, as televisões promovem espectáculos, há todo um ambiente de agradecimento pelo profundo heroísmo que os “soldados da paz” evidenciam e patenteiam no quotidiano.

Infelizmente, é quase fatalismo inexorável que, ano após ano, o Verão deflagra em chamas colossais que consomem florestas sem fim, sementeiras, gados, casas, carros, vidas inteiras de trabalho e de canseiras, esperanças num futuro mais luminoso. Um inferno. Um autêntico cenário de guerra. Quando menos se espera, as nuvens de fumo elevam-se, desesperadas, e rapidamente explodem em ígneos clarões, incontroláveis, roncantes, perante os gritos dos populares, a angústia, a revolta, o pânico, a impotência. E também a morte, semeada em condições inopinadas e catastróficas, como as do passado fim de semana em Pedrógão Grande.

As sirenes irrompem dos quartéis no silêncio das vilas e cidades, de dia ou de noite. Quando o flagelo rebenta, aproveitando as altas temperaturas, a ausência de humidade, a negligência dos cidadãos, o abandono da floresta, a desorganização e a falta de limpeza das propriedades públicas e privadas. E uma inadmissível demissão do Estado a diferentes níveis, perante uma bem organizada e tentacular “indústria dos incêndios” que depaupera o país e avoluma o desastre ecológico nacional.

Gostaria de entrar neste coro urgente de louvor e gratidão aos bombeiros portugueses. Não pelas responsabilidades que tenho nos voluntários fafenses, desde há mais de oito anos, e por isso pela convivência e conhecimento mais aproximado que vou tendo do seu trabalho, mas por um dever de cidadania e de reconhecimento público aos homens e às mulheres que deixam de ter vida própria, para acorrer à vida e aos bens alheios.

Não apenas na época dos fogos florestais, normalmente nos meses de Verão, mas durante todo o ano, nas tarefas de socorro em situações de acidentes, fogos urbanos, transporte de doentes para unidades de saúde e muitas outras.

Os bombeiros são os autênticos heróis do quotidiano. Eles levantam-se todos os dias sem saber se vão comer, quando vão comer, se vão regressar a casa e rever a sua esposa, os pais, os filhos. Eles não têm descanso, não têm horas para ler o jornal, ou para tomar o café; enquanto as chamas dão luta, eles dão combate às chamas.

Saem dos quartéis a desoras e não sabem quantas horas vão permanecer no mato, quantas vezes sem água para beber, ressequidos e exaustos, a lutar pelo que não é deles, a ouvir impropérios, injúrias e má educação. Ou porque não chegaram quando as pessoas queriam, ou porque não trouxeram os meios adequados. Esquecem-se os delatores, frequentemente, que se o monte está a arder é porque eles não o limparam como deviam, é porque a prevenção – que é o passo fundamental – não foi cumprida. Alguém os deveria ter obrigado a executar as suas obrigações… 



Quando tudo falha, seja em que situação for, sobra para os bombeiros.

Os portugueses confiam plenamente nos homens que vão para o terreno – atacar um incêndio ou salvar uma vida, num acidente de viação. 

É verdade: os bombeiros são a classe social em que os cidadãos mais genuinamente acreditam. Deveriam, é certo, ser mais valorizados pelos poderes políticos, que têm ainda um longo percurso a fazer nessa área, mas essa é conversa de outro rosário.

Não me canso de exaltar o seu heroísmo, o seu voluntarismo, a sua dedicação, a sua disponibilidade permanente, seja a que hora for, do dia ou da noite. Ser bombeiro é quase uma doença. Uma boa doença, que promove missões no sentido cristão do bem-fazer sem olhar a quem, do exercício da solidariedade, da generosidade, da entrega total à defesa da vida e dos bens alheios, sem olhar a credos, a condições sociais e económicas, a opções políticas ou ideológicas. O seu paradigma é um evangelho de pensamento e acção: “Vida por Vida”, até ao sofrimento e à morte, como se vê, tragicamente, a cada passo. O inferno de Pedrógão também vitimou um bombeiro.

Bem formados, excelentemente preparados, heróis e mártires, os bombeiros são os melhores do mundo e os melhores de todos nós.

Benditos voluntários que este país tem! 

Eles são justamente credores do maior reconhecimento, respeito e solidariedade de todos os cidadãos! 

Eles merecem todas as nossas rosas, todos os nossos monumentos, todo o melhor apoio que lhes possamos outorgar!



Os bombeiros são os meus heróis!

E QUASE TUDO FOI DANTESCO

MOREIRA DA SILVA
Depois de ter respeitado o período de luto pelas vítimas do incêndio trágico que deflagrou na região centro e após um silêncio reflexivo decidi fazer algumas interrogações sobre essa tragédia nacional. É uma análise com o máximo de respeito para com as vítimas, a solidariedade devida para com as suas famílias, a necessária gratidão pelo trabalho e bravura levados até aos limites pelas populações afetadas, mas também por todos quantos lutaram com heroísmo, principalmente os bombeiros. Um abraço solidário para todos! 

Como não sou perito em fogos rurais, para escrever esta crónica sobre a morte que saiu à rua e foi à zona do pinhal ceifar a vida a dezenas de pessoas tive de me socorrer a relatos de familiares das vítimas, a afirmações de habitantes das zonas afetadas e a declarações de especialistas, assim como senti necessidade de ver as imagens horrorosas em tons de cinza. Também vi muitas lágrimas de crocodilo impregnadas de hipocrisia, ouvi muitas patacoadas, li muitos nacos de prosa insensível e assisti a muitas piruetas retóricas.

Foram pedaços de tristeza que juntei para chegar a estas conclusões. O incêndio que deflagrou em Pedrógão Grande, no distrito de Leiria e se alastrou para outros concelhos dos distritos de Coimbra, Santarém e Castelo Branco é considerado o 11º mais mortal do mundo, desde o início do século XX, e a 7ª maior tragédia, em Portugal, no último meio século.

As autoridades nacionais identificaram dezenas de pessoas que morreram queimadas pelo fogo assassino e por inalação de fumo, muitas dezenas de pessoas que ficaram feridas, centenas de pessoas desalojadas, largos milhares de animais mortos e dezenas de milhares de hectares de pinhal literalmente reduzido a cinzas. Infelizmente este tipo de flagelo tem-se vindo a repetir ano após ano, assim como se repetem as declarações dos governantes, que sem pudor asseguram que no verão seguinte tudo será diferente, para melhor.

Desde a primeira hora que os portugueses mostraram a sua grandeza, ao serem solidários com as vítimas do incêndio. Os governantes é que não são da sua têmpera nem da sua dimensão e não souberam aproveitar tamanho gesto solidário. Quanto ao resto quase tudo foi dantesco! Até o desespero foi dantesco, como foi dantesco o número de afirmações políticas disparatadas, incongruentes e sem nexo, que exigem algumas interrogações.

sábado, 24 de junho de 2017

ILHA MONTANHA ACOLHE ENCONTRO PEDRAS NEGRAS

PEDRO PAULO CÂMARA
Um arquipélago nunca será um conjunto de ilhas, rodeadas de mar revolto, isolado do resto do mundo, definhando na sua eventual pequenez. Nunca o será enquanto o povo que habitar cada pedaço de chão e cada recanto prosseguir a labuta de enriquecer cada palmo de terra e cada alma. Dias de Melo assinalou e celebrou este chão e este mar em muitos dos seus livros, incluindo em Pedras Negras, título que acabaria por contribuir indelevelmente para a denominação do encontro de autores que decorreu na ilha do Pico, Açores, inserido na programação do festival Azores Fringe, este mês de junho, e que contou já com a sua terceira edição.

Ao longo dos séculos, o Arquipélago dos Açores tem oferecido ao panorama regional, nacional e mundial prestigiados nomes em distintas áreas. No que diz respeito à cultura e, nomeadamente à literatura, foram e são, ainda, marcantes os contributos de Gaspar Frutuoso, Antero de Quental, Vitorino Nemésio, Roberto de Mesquita, Pedro da Silveira, Natália Correia e de outros tantos que estas linhas não comportariam. O momento presente oferece, também, cada vez mais autores e mais obras, em virtude da existência, não necessariamente de qualidade literária ou capacidade discursiva, mas de uma maior facilidade no acesso ao mercado de produção livresco e à proliferação de editoras, entre outros fatores. De facto, por estas ilhas escreve-se e publica-se. Talvez se publique demais! Talvez! E são já várias as vozes, com ou sem autoridade, com ou sem provas dadas, obra publicada, digamos, que se erguem contra esta moda desenfreada de publicar livros. Na verdade, o que é verdadeiramente inadmissível, não é quantidade de livros editados e autores, é, sim, a publicação de livros pejados de erros e incoerências, e não falamos apenas de uma vírgula teimosa que se intromete entre um sujeito e um predicado. Mas regressemos ao tema desta crónica e deixemos este assunto melindroso para um futuro talvez próximo.

Ocasionalmente, surgem eventos que assinalam a diferença e contribuem, não só para a sedimentação de sinergias, mas também para a criação de momentos de partilha desprovidos de qualquer interesse secundário. A dedicação à “Palavra” está em primeiro lugar. O Encontro Pedras Negras, no qual participaram cerca de vinte autores, oriundos de diversas ilhas do arquipélago, e também de fora deste, pautou a sua existência pela originalidade de eventos daí decorrentes, pela diversidade de atividades e, também, até, pela oportunidade de produção de textos que pudessem ser partilhados no decorrer do encontro ou que farão parte de outras iniciativas vindoiras, promovidas pela MiratecArts, associação responsável pelo festival.

O Museu do Vinho e a sua Mata dos Dragoeiros possibilitou, ao ar livre, um dos momentos mais enriquecedores e introspetivos do Pedras Negras, já que neste espaço se procedeu à “Escrita à Sombra do Dragoeiro”; o Cella Bar acolheu, pelas 24h00, os “Poemas Eróticos & Outras Letras da Meia Noite”; e até a Galeria Costa, na Candelária, por onde os autores, fotógrafos e curiosos se sentaram por entre a vinha e em muros de basalto, foi palco de tertúlias e debates. Sem elitismos; sem tabus; sem vaidades. Talvez pudessem existir outros encontros assim: quase nus e crus, mas que primam pela organização e pelo método. Talvez!

E, talvez em 2018, exista uma quarta edição do Encontro Pedras Negras, no Pico, ou numa outra qualquer ilha do arquipélago que possa ser fonte de inspiração para um futuro poema, um conto, ou um romance best-seller.

Por cá, continuar-se-á a escrever e a saber receber todos aqueles que quiserem debruçar o olhar sobre estes vulcões e estas ondas!

A VERDADE TEM DE SER TRANSMITIDA AOS DOENTES

ANTONIETA DIAS
Através das várias gerações Humanas muitos conceitos mudaram, porém a Verdade é apenas uma só e jamais mudará ao longo dos séculos, fazendo do Dever uma obrigação própria das pessoas livres, iguais e puras.

Jacques de Molay foi morto, como um santo, pela Verdade martirizado. Mas a palavra Verdade não desapareceu.

O Homem de bons costumes deve manter sempre como pilar da sua missão a força suficiente para obter a Vitoria da Verdade no comando da sua vida.

Sem dúvida que a Verdade e a Justiça representam valores que a Humanidade tem de manter e defender para conseguir obter a permanente integridade que se exige numa sociedade de Direito.
Não há fracos, nem humildes, não há fortes nem vitoriosos que impeçam que o triunfo da Verdade impere sobre a mentira.

O poder que é transmitido ao Homem vincula-o a uma obrigação que por maiores que sejam os obstáculos, os sacrifício, as dificuldades, as barreiras politicas, religiosas, morais ou sociais não conseguiram abater a Moral e a Virtude que leva a enterrar os Vícios.

É através do caráter, da serenidade e do saber que o médico suportado pelo conhecimento da ciência, pela justiça e pela inflexibilidade cumprirá os seus deveres, agindo sempre com bondade e inteligência na transmissão da Verdade aos seus doentes.

O ideal profissional do médico terá de ser sempre verdadeiro, baseado no sigilo, na lei e no cumprimento das boas práticas cuja experiência e arte de bem fazer terá de respeitar sempre a intimidade e a personalidade da natureza humana.

É com base no sentimento profundo da Vida Humana, no verdadeiro lugar que o Homem ocupa no Universo, na suprema interiorização dos problemas mais sérios vivenciados pelos doentes que a nobre missão do médico se diferencia e o vincula a transmitir uma mensagem inesperada, cujo impacto negativo gerado no paciente não pode ser previamente avaliado, nem muito menos previsto, pelo que o profissional médico tem o dever de revelar o diagnóstico de uma doença grave de forma suave, com carinho, respeito e de forma entendível e perfeita.

Todas as justificações são possíveis e permitidas para minimizar o desgosto, a tristeza e o desejo de viver sem oprimir a esperança e sem gerar revolta, levando o paciente a aceitar e a resignar-se sem ficar desorientado abrindo-lhe uma porta que seja suficientemente clara e precisa cujo princípio não é apenas o fim, mas a continuidade justificada de um limite para a nossa passagem efémera no mundo terrestre, cuja continuidade não acaba mas se transforma noutra vivencia complementar em que a missão não termina, apenas muda.

O ato médico de transmissão da mensagem não pode ser impessoal, mas solidário cuja arte de bem compreender o doente e a doença o farão adaptar as exigências às coisas e às circunstancias de acordo com as necessidades do momento, fazendo a comunicação das suas decisões clínicas de forma a imprimir o cunho da proteção, da fraternidade sem descurar a razão e a moral prestando um serviço precioso proclamado no respeito dos Direitos Humanos e nos Direitos do Doente que tem de ser esclarecido de forma precisa, livre e completa, cuja particularidade será baseada nos fatos verdadeiros sem comprometer a devida recompensa em outro mundo para além deste. 

Em suma, a Verdade é só uma, todavia a forma como a transmitimos deve ser feita com arte, com rigor, com positividade e sem falhas de ciência ou humanidade.

VIRA O VENTO E MUDA A SORTE

JORGE NUNO
De há uns tempos para cá vinha-se a sentir uma lufada de “ar fresco”, com ventos de feição [metaforicamente], apesar de [meteorologicamente] o tempo estar abafado e excessivamente quente. Vamos a factos concretos: Porto considerado, novamente, o melhor destino europeu em 2017; calor humano na visita do Papa Francisco a Fátima; no mesmo dia, a surpreendente vitória de Salvador Sobral no Festival da Eurovisão; também de forma surpreendente, o ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, a rotular Mário Centeno como o “Ronaldo do Ecofin”, reforçando-o mais tarde, para que não houvesse dúvidas, face aos resultados de retoma da economia portuguesa e ao “controlo” do défice; o primeiro-ministro, António Costa, a pedir e a ver autorizado a saída de Portugal do PDE – Procedimento por Défice Excessivo; idêntico pedido efetuado ao FMI e às autoridades europeias para antecipação do pagamento de 10 mil milhões de euros, ao longo de dois anos e meio, podendo levar a uma poupança de 1,3 mil milhões de euros; o anúncio que Portugal é o 3.º país mais seguro do mundo; o início do verão e começo das festas populares, um pouco por todo o lado, mas vividas de forma mais vibrante a norte…

O São João de Braga, rotulado como “a maior festa popular de Portugal”, teve início no dia 14 e termina a 25 de junho. Porque o programa é mesmo muito extenso, limito-me a resumir o folheto promocional (e a acrescentar pouco mais): 12 dias de animação; 238 horas de programação; 113 iniciativas previstas; 9 cortejos e desfiles; 12 exposições; 19 espetáculos; 10 mil pessoas envolvidas (figurantes, organização, artistas, atletas, voluntários…); 203 entidades envolvidas; 1 milhão de participantes esperados; tradições seculares únicas – carro do Rei David, carro das Ervas e carro dos Pastores; o maior cortejo folclórico nacional; a maior procissão sanjoanina de Portugal – 800 figurantes e 9 andores, com batalha de flores; o maior encontro de Gigantones e Cabeçudos da Península Ibérica; a maior concentração de Tocadores de Bombos de Portugal; um grande festival de Cavaquinhos e encontro de grupos de Concertinas; noite académica – participação dos vários grupos culturais da Universidade do Minho; o maior encontro de Joões do mundo; concursos de martelinhos ilustrados, cascatas de São João de Braga, melhores desenhos alusivos às Festas de São João e de quadras populares; jazz nos jardins; concerto pelos carrilhões de Santa Cruz, Sé e São Vicente; atuação de um número apreciável de bandas filarmónicas; cortejos das Rusgas; várias atividades desportivas; e muita, muita animação de rua.

O concerto “Um Cavaquinho e… um Bombinho”, logo na primeira noite, com a participação do artista popular Augusto Canário, que convidou uma “multidão” de amigos, deu o mote:

“Um povo que canta / é um povo feliz / solta da garganta / o que o peito diz (…)”

Na verdade, goste-se ou não do género musical, a alegria era bem patente, contagiante e vivida de forma intensa. O povo do norte é mesmo assim!

Já cantava Zeca Afonso em “Natal dos Simples”: “Vira o vento e muda a sorte (…)”

De repente, toda esta alegria e euforia parecem ter-se esfumado, virando tragédia. Soa a estranho quando, certamente com convicção e consciente da gravidade da situação, a organização das festas de São João de Braga sinta necessidade de reduzir atividades festivas e eliminar foguetes, pelo luto nacional de três dias. Soa a estranho, que uma juventude alegre e generosa, no início de um espetáculo, peça um minuto de silêncio pelas vítimas. De um momento para o outro, parece que os festejos deixam de ter significado perante tanta tragédia humana, material e do próprio ecossistema, registada em vários concelhos da região centro. O organização das festas de São João de Figueiró dos Vinhos, um dos concelhos afetados, cancelou mesmo os festejos.

A GNR diz que em 33% dos casos de incêndio em zona florestal há “mão criminosa” – situação de fogo posto (desde conflitos com vizinhos, interesses de madeireiros, fascínio doentio pelas chamas para ver bombeiros em ação, em que muitos casos se alega demência…). O presidente da autarquia de Pedrógão Grande foi contundente ao afirmar que acreditava tratar-se de “fogo posto”; o presidente da Liga de Bombeiros também. Segundo o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, a principal causa dos incêndios florestais é a negligência humana; aponta que, em 80% dos casos dos incêndios em Portugal, são resultado de descuidos (queimadas descontroladas, lançamento inadvertido de pontas de cigarros, foguetes, refeições/grelhados nessas zonas… Neste caso, em poucas horas, a Polícia Judiciária apontou “causas naturais” – descargas elétricas gerada por uma tempestade. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera, confirmou a existência desse fenómeno na zona, com 277 descargas. A Autoridade Nacional de Proteção Civil alegou a conjugação de um número anormal de fatores, onde a mudança dos ventos intensos foi determinante. O presidente da República, muito presente, afirmou que “o que se fez foi o máximo que se poderia ter feito (…) não há falta de competência, nem falta de capacidade, nem falta de imediata resposta perante desafios dificílimos”. Jorge Gomes, secretário de estado da Administração Interna (que conheço pessoalmente desde 1973), mesmo habituado a estas lides, quando ocupava o cargo de governador civil de Bragança, sempre próximo da cadeia de comando da proteção civil, afirmou à comunicação social logo no início, com claro pesar e voz embargada: “Se me permitem dizer-lhe o que sinto, sinto que o fogo está a alastrar por todo o lado”; confirmou, mais tarde, que terá havido falhas no SIRESP – Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (uma parceria público-privada já com muitos anos, a envolver muitas centenas de milhões de euros…). Pretende-se, com este sistema, que haja a garantia de uma rede de comunicações única e dedicada, com qualidade de comunicações e exclusiva entre forças de segurança, emergência e proteção civil. Desde 2010 terão sido instaladas mais de quinhentas torres de comunicação, seis centrais, cinquenta e três salas de despacho, duas estações móveis com sistema via satélite, tendo sido distribuídos 23.000 terminais (telemóveis de acesso à rede). Com algumas dessas torres e antenas dos operadores convencionais destruídas pelo fogo, tal como muitas dezenas de quilómetros de rede de telefones fixos, as populações “resistentes” naquelas aldeias isoladas ficaram mais vulneráveis. Parece pouca toda a gratidão que evidenciarmos aos bombeiros anónimos, vindos de toda a parte, que lutaram e lutam, até à exaustão, no terreno. Atenua a dor, às famílias das vítimas, toda esta onda de solidariedade gigante, porque gigante é a alma do povo português. A mãe-natureza, dorida, encarrega-se de se regenerar. Assim aprendesse o ser humano, perante a adversidade. São tão evidentes as alterações climáticas e os seus efeitos devastadores, assim como são bem conhecidas as causas. Estamos na era dos elementos Fogo e Água. A subida da água do mar e alagamento do território será outra fonte de preocupação. Há caminhos apontados e ideias a interiorizar. A ação está ao nosso alcance. Basta-nos despertar, fazer algo coletivamente e recriar bons ventos. A “sorte” vem por acréscimo.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

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CIDADES AMIGAS DAS PESSOAS IDOSAS (CAPI)

GABRIELA CARVALHO
Na crónica de 26.05 sobre - EA: SENTIR-SE SEGURO – foi referido que:
«Cabe à sociedade, criar oportunidades e eliminar barreiras, permitindo a igualdade de acesso, tal como preconiza a Organização Mundial de Saúde ao criar em 2005 o projecto “Cidades Amigas das Pessoais Idosas (CAPI)”».

Na crónica de hoje, resume-se o que é isto de CAPI.

O envelhecimento da população e a urbanização são duas tendências globais que, em conjunto, constituem forças fundamentais que estão a moldar o século XXI.
De modo a beneficiarem do potencial que as pessoas mais velhas representam para a humanidade uma cidade amiga das pessoas idosas estimula o envelhecimento activo através da criação de:
- condições de saúde,
- participação e segurança,

Em termos práticos, uma CAPI adapta as suas estruturas e serviços de modo a que estes incluam e sejam acessíveis a pessoas mais velhas com diferentes necessidades e capacidades.

Num trabalho realizado com grupos em 33 cidades em todas as regiões da OMS, obteve-se informação para criar um guia que está dividido em 13 partes:



- A parte 1 descreve as tendências convergentes do rápido aumento da população com mais de 60 anos e da urbanização, definindo ainda os desafios com que as cidades se deparam.
- A parte 2 apresenta o conceito de “Envelhecimento activo” como um modelo para o desenvolvimento de cidades amigas das pessoas idosas
- A parte 3 explica como surgiu o guia.
- A parte 4 contém indicações sobre a forma como o guia deve ser utilizado.
- As partes 5 a 12 dão destaque às questões e preocupações expressas por pessoas mais velhas e por quem lhes presta serviços, em oito áreas da vida urbana:
* espaços exteriores e edifícios;
* transportes;
* habitação;
* participação social;
* respeito e inclusão social;
* participação cívica e emprego;
* comunicação e informação;
* apoio comunitário e serviços de saúde.
- A parte 13 apresenta os resultados concluindo sobre tudo o que é apresentado e perspectivando o futuro.


A terapia ocupacional e as Cidades Amigas das Pessoas Idosas


“A terapia ocupacional visa a melhoria da qualidade de vida do indivíduo, auxiliando-o a escolher, organizar e levar a cabo as suas actividades quotidianas. Beneficiam de terapia ocupacional aqueles que de alguma forma possuem as funções de vida diária e/ou participação social limitadas por disfunção física, disfunção psicossocial, distúrbios de desenvolvimento, distúrbios na aprendizagem, envelhecimento ou ambiente sociocultural inadequado. O terapeuta ocupacional serve-se de princípios da ciência ocupacional e de análise de actividades para determinar factores que influenciam o desempenho ocupacional do indivíduo e abordam esses factores numa perspectiva biopsicossocial. Neste sentido, o terapeuta ocupacional frequentemente utiliza adaptações no meio-ambiente, órtoteses, tecnologias de apoio e simplificação do trabalho para ajudar a pessoa a envolver-se em actividades significativas, melhorando ou prevenindo a regressão da função, de forma a manter o seu bem-estar e a sua satisfação em viver.”

Assente na premissa de que o ambiente necessita de ser transformado para que se possa promover uma optimização do desempenho das pessoas que nele se enquadram, o projecto Cidade Amiga das Pessoas Idosas vai de encontro aos fundamentos da Ciência Ocupacional e por conseguinte da terapia ocupacional.

É possível perceber que muito do que determina o envelhecimento activo e enquadra o projecto CAPI se coaduna com a filosofia da terapia ocupacional.

A terapia ocupacional tem não só os constructos teóricos necessários para um enlace perfeito com o projecto como, ao compreender e conceptualizar a pessoa segundo uma tríade ambiente, pessoa, ocupação, também consegue trazer uma mais-valia ao mesmo.

Uma das aspirações, quer do projecto quer da terapia ocupacional, é a adopção de uma nova abordagem ao design, em todos os níveis. O objectivo é criar e adaptar ambientes de forma a torná-los apelativos a todos os grupos etários, onde a integração e acesso para pessoas com deficiência e pessoas idosas seja padrão em vez de ser excepção.

“Mais do que acrescentar anos à vida, a Terapia Ocupacional proporciona vida aos anos.”

PROCEDIMENTOS E CONTRATOS PÚBLICOS – PARTE 2

ANA LEITE
O ajuste direto é um procedimento pré-contratual através do qual a entidade adjudicante convida diretamente uma ou várias entidades à sua escolha a apresentar uma proposta. Desta noção, retira-se que o ajuste direto compreende duas hipóteses: o ajuste direto sem qualquer consulta prévia ou ajuste direto com convite a uma entidade e o ajuste direto com convite a várias entidades ou a vários interessados – podendo aqui ocorrer uma fase de negociação. No entanto, o ajuste direto apenas pode ser usado para a formação dos seguintes contratos: empreitadas de obras públicas de valor inferior a €150 000, aquisições de bens e serviços de valor inferior a €75 000 ou outros contratos de valor inferior a €100 000. Sendo certo que, pode recorrer-se ao ajuste direto para a formação de contratos de qualquer valor, quando se verificarem determinadas razões expressamente identificadas no C.C.P., como por exemplo os casos de urgência imperiosa, quando só existe um único fornecedor ou prestador, ou ainda quando um anterior concurso tenha ficado deserto.

O concurso público está previsto nos artigos 130.º e seguintes do C.C.P., e embora o código não o defina, a noção de concurso público não se fasta da que constava do artigo 47.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 59/99, de 2 de março: “O concurso diz-se público quando todas as entidades que se encontrem nas condições gerais estabelecidas por lei podem apresentar proposta”. O C.C.P. prevê as seguintes modalidades de concurso público: concurso público normal (artigo 130.º e seguintes) e concurso público urgente (artigo 155.º a 161.º). A escolha deste procedimento permite a celebração do contrato de qualquer valor (independentemente do objeto do contrato e da entidade adjudicante), quando o respetivo anúncio for publicado no JOUE (Jornal Oficial da União Europeia). Quando porém, o respetivo anúncio de concurso público não for publicado no JOUE (sendo certo que, é sempre publicitado no Diário da República), deve-se obedecer ao estabelecido no artigo 28 do C.C.P.

O concurso limitado por prévia qualificação está regulado nos artigos 162.º a 192.º. e podemos dizer que, é o procedimento “em que qualquer operador económico pode solicitar participar e em que só os operadores económicos convidados pela entidade adjudicante podem apresentar propostas”. Neste procedimento há sempre uma fase de prévia qualificação em que se avaliam a capacidade técnica e a capacidade financeira dos candidatos e apenas aqueles que são selecionados é que são posteriormente convidados a apresentar proposta.

O procedimento de negociação constitui um procedimento pré-contratual em que as “entidades adjudicantes consultam os operadores económicos da sua escolha e negoceiam as condições do contrato com um ou mais de entre eles”. O artigo 29.º do código enuncia os casos em que é admissível o recurso a este tipo de procedimento. Isto porque a negociação como meio de adjudicação de contratos é contrária ao princípio da concorrência. Este procedimento está regulado nos artigos 193.º a 203.º do Código dos Contratos Públicos. O procedimento de negociação integra as seguintes fases: (i) apresentação das candidaturas e qualificação dos candidatos; (ii) apresentação e análise das versões iniciais das propostas; (iii) negociação das propostas; (iv) análise das versões finais das propostas de adjudicação.

Por fim, encontra-se regulamentado ainda o diálogo concorrencial (artigos 204.º a 218.º). Este procedimento foi introduzido com a transposição das diretivas comunitárias. De acordo com a Diretiva 2004/18/CE, o diálogo concorrencial “é o procedimento em que qualquer operador económico pode solicitar participar e em que a entidade adjudicante conduz um diálogo com os candidatos admitidos nesse procedimento, tendo em vista desenvolver uma ou várias soluções aptas a responder às suas necessidades e com base na qual, ou nas quais, os candidatos selecionados serão convidados a apresentar uma proposta”. Este procedimento integra as seguintes fases: apresentação das candidaturas e qualificação dos candidatos; apresentação das soluções e diálogo com os candidatos qualificados; apresentação e análise das propostas e adjudicação.

Os critérios de escolha de procedimento adjudicatório estão regulados nos artigos 16.º a 33.º do código.

De referir ainda que, quem faz o controlo na área da contratação pública é o Tribunal de Contas de Portugal. Este órgão é, de acordo com a Constituição da República Portuguesa, o órgão de soberania que exerce o controlo externo supremo da atividade financeira do Estado português. O controlo financeiro exercido pode ser, quanto ao momento do seu exercício prévio, concomitante ou sucessivo.


ECOS DA MEMÓRIA

CRISTINA LOURENÇO
A memória é um músculo que pode ser desenvolvido e também manipulado em defesa das emoções.

Ainda hoje visualizo aquela casa de dois andares, onde vivi aos 2 anos de idade. Tinha uma garagem no piso térreo e a habitação no primeiro andar. À entrada da porta principal tinha um longo corredor, a cozinha à esquerda, seguida por uma casa de banho de serviço, um quarto de arrumos e um quarto de visitas. No fundo do corredor - em frente à porta da entrada – ficava o quarto dos meus pais. Visto de lá para cá: à direita tinha uma segunda casa de banho e duas espaçosas salas, ambas rodeadas por uma varanda.

Naquela noite, véspera Natal, a luz faltou por segundos e ainda sentada na mesa de jantar, rodeada por janelas com longas e acetinadas cortinas esbranquiçadas, consegui ver um vulto vermelho a correr em direcção à porta.

<< ainda hoje sinto o palpitar do coração derivado ao misterioso momento. >>

Consigo visualizar cada segundo, cada metro do espaço, cada cheiro e até a velocidade de corrida daquele barrigudo vermelho a largar à porta o saco das prendas.

Em adulta pensei que era uma memória enfatizada, por ter sido o primeiro Natal encenado. Mas vinte anos depois confirmei cada pormenor - sim, era real.

Aos 35 anos, durante uma meditação, percebi o verdadeiro motivo de cada detalhe daquela memória: foi o último Natal em família ainda estruturada.

Nada teve a ver com o Pai Natal, as prendas, a casa ou com os cheiros da sala. Até porque rapidamente saímos de lá e jamais voltei a ver a tal casa. Foi a união, a família e o amor de filha que fez com que a memória fosse eternizada.

MATO NO MATO

DUARTE VASCONCELOS
MATO NO MATO
Abato ato

MATO NO MATO
Combato rasto

MATO NO MATO
Anonimato

Ensino o ar
Decreto-feio
Há fumo branco
Meus Deus eu creio

Sei que se der sol
Cedo só ao fim
Quero esta flor
Floresta até mim