CRÓNICA DE JOANA BENZINHO |
O rio Corubal, uns dos grandes oito rios que existem na Guiné-Bissau, depara-se com uma formação rochosa na zona do Saltinho que cria um fenómeno natural de grande beleza a que chamam " os rápidos do Saltinho". São pequenas cataratas de água que passam com velocidade sobre uma ponte submersível que funcionou até 1955 e que hoje serve de tanque às muitas mulheres que aqui se deslocam para lavar a roupa e a deixar a secar sobre as rochas negras num espectáculo de cor e rara beleza. Daqui as águas seguem na sua máxima força a contornar as múltiplas formações rochosas existentes e correm por baixo da ponte que hoje liga Bissau ao Sul com um ruído de impor respeito. É aqui nesta ponte que cruzamos os muitos meninos que ali passam os dias.
São estes meninos do Saltinho que nos recebem de braços abertos e com sorrisos do tamanho dos seus sonhos.
Dizem-nos prontamente os nomes e, apesar de não dominarem o português, língua oficial mas que por vicissitudes várias não é falada e consequentemente não é ensinada pelos professores, estão atentos à forma como falamos e tentam repetir o que dizemos com a mesma pronuncia numa alegria infantil que nos deixa rendidos. São os meninos que reinam neste espaço que pode ser traiçoeiro para qualquer um de nós, pelas correntes e pedras escorregadias que espreitam a cada esquina. Por isso tomam-nos pulso ao receio , guiam-nos para a melhor pedra e vão à frente numa explosão de alegria para dentro desta agua cálida e transparente, tendo as lavadeiras em grande algaraviada como pano de de fundo. Um deles não tem uma perna mas percorre as rochas e os declives com uma destreza que poucos de nós conhecemos. Dois outros andam descalços por os pais não terem dinheiro para o desejado par de chinelos que não chega aos dois Euros. Os restantes trajam roupa rota e velha mas que rapidamente despem sempre que os desafiamos para mais um mergulho.
Fazem acrobacias, corridas na água, pedem pra lhe tirarmos fotos, fazem-nos festas nos braços e dão-nos aqueles cafunés que sabem tão bem, curiosos com os nossos cabelos, bem mais finos, compridos e maleáveis que os seus.
Ao final do dia, recolhemos ao antigo quartel português aqui existente e que é hoje uma pousada cheia de viajantes que aqui param para uma boa refeição ou uns dias de descanso. Já eles, regressam ao seu mundo, a tiritar de frio e com as roupas todas molhadas sobre o corpo.
Ainda antes de partir, aprendem a diferença entre o feminino e o masculino da palavra amigo e correm, numa alegria contagiante, atrás de uma furgoneta para onde saltam e seguem na caixa aberta a dizer-nos adeus. Amanhã voltam, dizem eles. Quem nos dera também poder estar ali todos os dias à espera destes meninos do Saltinho e conseguir compensar os seus sorrisos e a sua alegria com um futuro que eles tanto merecem.
Adorei. E revejo cada momento descrito. Simplesmente fantástico. Parabéns
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