quarta-feira, 30 de abril de 2014

AS ORIGENS DO 1º DE MAIO: RELEMBRA E NUNCA ESQUEÇAS

ALINA SOUSA VAZ
DR
Os dias passam e o tempo é fugaz! Mas a memória não nos abandona a alma e surge como muleta de apoio na capacidade de recordação do todo. A memória será uma regeneração do passado nos momentos do presente e a identidade de um povo surge, baseada então nas lutas e conquistas dos nossos semelhantes.

Desta forma, falar do 1º de Maio, mais que uma data simbólica de homenagem, é marca de lutas e derrame de sangue. O respeito e a vénia, ainda que de forma inconsciente, deve acompanhar as nossas reflexões e de forma persistente continuar o legado que outros nos deixaram. É nossa obrigação!

Numa época em que “meio mundo” está desempregado, na sua maioria jovens, o dia comemorativo passa como mais um no meio de tantos dias de anseios e angústias. Contudo, abordar o que levou à comemoração do 1º de Maio, talvez seja pertinente. Porquê? Talvez nos sirva de inspiração para caminhar em frente sem mágoas e rancores daquilo que nos prometeram e não cumpriram. Continuemos a luta que estes homens iniciaram.

- Que lutas?! - Perguntas TU.
Lutas em busca de melhorias e direitos laborais. No dia 1º de maio de 1886, em Chicago, milhares de trabalhadores foram às ruas protestar contra as condições de trabalho a que eram submetidos na época e no mesmo dia, uma greve geral paralisou os Estados Unidos. Três dias depois, os trabalhadores foram reprimidos pela polícia e de forma violenta o caos instalou-se levando à morte vários manifestantes. Em 1891, realizava-se em França o Congresso Operário Internacional que convocaria uma manifestação anual, em homenagem às lutas sindicais de Chicago.

No dia 23 de abril de 1919, o Senado francês ratificou as 8 horas de trabalho e proclamou o dia 1º de Maio como feriado, seguindo-lhe, os mesmos passos, a Rússia.

São os factos históricos que transformaram o 1º de Maio no Dia do Trabalhador.
Em Portugal, os trabalhadores assinalaram o 1.º de Maio logo em 1890, o primeiro ano da sua realização internacional. Mas, as ações do Dia do Trabalhador limitavam-se inicialmente a alguns piqueniques de confraternização, com discursos pelo meio em homenagem aos operários e ativistas caídos na luta pelos seus direitos laborais.
O 1º de maio alcançou ações de massas que se preconizaram desde o final da Monarquia, até ao longo da I República. Em 1919 foi conquistada a lei que reconheceria a alteração da jornada, as horas de trabalho passariam das 14 para as 8horas.
As greves e as manifestações realizadas em 1962 são, provavelmente, as mais significativas e carregadas de simbolismo, pois durante o Estado Novo as proibições e as repressões eram uma realidade. Porém a força imprimiu-se nas manifestações da capital bem como em todo o país: 100 000 em Lisboa, no Porto cerca de 20 000 e em Setúbal 5000.Trabalhadores como pescadores, corticeiros, telefonistas, bancários, trabalhadores da Carris e agricultores do Alentejo são ainda hoje símbolos de um marco indestrutível na história do operariado português.
Todas as conquistas percorrem um longo caminho. Em Portugal o 1.º de Maio com maior destaque no país foi aquele que aconteceu oito dias depois do 25 de Abril de 1974 e desde então o Dia do Trabalhador é o momento de reforçarmos a nossa consciência social e continuarmos a defender aquilo que estes homens deixaram.


sexta-feira, 25 de abril de 2014

O 25 DE ABRIL E OS JOVENS

GABRIEL VILAS BOAS
DR
O 25 de abril faz quarenta anos. Quarenta anos de democracia e liberdade tornaram o nosso país muito diferente e muito melhor. Afirmá-lo num tempo em que Portugal vive a sua maior crise económica, financeira, de confiança e de identidade, pode parecer uma ousadia, mas não é.

Portugal não ganhou apenas liberdade de expressão e democracia política. Cresceu, também, muitíssimo a nível da educação, em todos os níveis: pré-escolar, ensino básico, secundário e universitário; melhorou brutalmente na prestação de cuidados de saúde, havendo hoje o triplo dos médicos e dos enfermeiros que existiam há quatro décadas. A esperança média de vida aumentou significativamente e isso ficou a dever-se à melhoria da assistência médica. A proteção social passou da quase inexistência a algo que garante um mínimo de dignidade aos nossos velhos. 

No entanto, sentimos, hoje, uma frustração de falhados. Sentimos que ficámos aquém do que podíamos e devíamos. E é verdade! A economia do país não desenvolveu conforme as oportunidades que teve na última década do século XX. A justiça paralisou e ajoelhou perante a burocracia e a corrupção e para completar o ramalhete da deceção coletiva: as qualificações de muitos portugueses são deficientes e ineficazes. 

Ficámos a meio da viagem. Muitos pensam que esta estagnação é definitiva, eu penso que não.
Temos apenas que capacitar-nos que fizemos meio caminho e que há outro meio para fazer. Este caminho tem de ser feito pela geração do 25 de Abril, pelos homens e mulheres que agora têm quarenta anos. 

Durante quarenta anos, aqueles que conquistaram o 25 de Abril acusaram os jovens de não sentirem nem valorizarem as conquistas de abril. Não valorizavam nem podiam valorizar, pois não foram conquistas suas. Poucos são aqueles que entendem, valorizam e agradecem aquilo que lhes chega de mão beijada. Acham-no seu por direito natural. Não há que ficar ofendido com isso. É o que é!

Esta geração, que tem hoje trinta/quarenta anos, tem de ter a sua “conquista”, fazer a sua revolução, ganhar o seu desafio. E o desafio desta geração não pode ser outro senão fazer a segunda parte do caminho. 

Modernizar sustentadamente o país; tornar a justiça ágil e independente; criar uma mentalidade de trabalho, de inovação, de competição salutar; aceitar e promover uma educação exigente, útil e eficiente.

Contudo, é necessário fazer tudo isto sem destruir nenhuma das grandes conquistas da primeira parte do caminho: liberdade de expressão e escolha; educação e saúde para todos. Isto que dizer que temos de ir todos juntos. É mais difícil, mas é a única maneira de sermos um povo que luta por se cumprir. 

Há quase um século, Fernando Pessoa dizia “Falta cumprir-se Portugal”, eu acrescento: à geração de abril falta cumprir-se. E Portugal é uma grande oportunidade, a melhor de todas, porque é a nossa vida, porque é o nosso amor.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

40 ANOS DE ABRIL

ANABELA BORGES
DR
Há 40 anos, eu tinha 4 anos.

Não tenho memória alguma desse 25 de Abril de 1974. Mas podia ter, que eu tenho muitas memórias de quando era pequena. Desse dia específico não tenho.

Dos dias, meses e anos subsequentes lembro-me das canções de liberdade, sobretudo da gaivota voava, voava, / asas de vento, / coração de mar. […] / Como ela, somos livres, / somos livres de voar.

Lembro-me de terem surgido, repentinamente, risos. Mais do que risos, lembro-me de gargalhadas sonoras, inteiras como pássaros, como conduta até aí proibida – sabemos que o era, basicamente –, lembro-me disso sobretudo nas pessoas mais jovens. Era como se o rir fosse um bem amordaçado, (in)contido, pronto a libertar-se, solto, a qualquer instante, para, bem alto, clamar uma nova realidade.

Lembro-me também de esses jovens saírem muito mais vezes de casa, muito mais espontaneamente, e de se juntarem, em pequenas reuniões informais, sem pretexto aparente, rapazes e raparigas conversando, dando voz às suas opiniões, na Sua Liberdade, e divertindo-se com isso, muitas vezes deitados sobre a erva fresca do monte à sombra dos pinheiros.

Era pequena e lembro-me disso.

Essa foi a Liberdade de Abril que conheci, que para mim, como era pequenina, era como se sempre tivesse existido assim.     

Eu pertenço à geração que cresceu nas promessas de Abril.

Hoje, como muitos de vós, questiono a Liberdade conquistada na Revolução dos Cravos. O velho Abril aos quarenta anos já pouco tem para dar.

Questiono: o que temos? E sabemos que usufruímos de uma falsa liberdade gerida por um mundo que se quer global e capitalista. “Falsa” talvez seja um adjetivo demasiado forte, mas não terei dúvidas em afirmar que é uma liberdade limitada e, em muitos aspetos, ilusória. Nunca fomos tão controlados como somos actualmente; a dignidade humana está posta em causa, os direitos humanos, a integridade, o direito à felicidade; aumentam os casos de pobreza e as pessoas vêem-se encurraladas numa masmorra sem grades, com janelas abertas para saída nenhuma.

A verdade é que também não me identifico muito com as pessoas que falam, falam, criticam, mas não fazem nada. Vai uma crise de identidade muito grande. Falta-nos a força de outrora, a determinação.
Precisamos de uma sociedade coesa nos valores elementares e com espaço para a individualidade, uma sociedade em que cada um saiba pensar por si, em que cada um respeite verdadeiramente a diferença e que condene verdadeiramente todo aquele que agride os direitos fundamentais do outro, de todas as formas. Liberdade é respeitar o próximo na sua integridade, é não negar ao outro o direito de ser feliz.

O que falta conquistar? Muita coisa que nunca tivemos, muito do que se perdeu, mas pelo menos comecemos por “resgatar” a Cultura do estado de negligência em que caiu. Comecemos por aí talvez, apostemos em “cortar” na ignorância, sejamos mais activos e interessados, não deitemos o país ao abandono. 

Eu lembro-me que havia, acima de tudo, muitas coisas que preenchiam as pessoas, os dias preenchiam as pessoas com esperanças do tamanho dos peitos. Agora, vemos vazio em tudo. Agora, impuseram-nos de novo a tristeza. E querem-nos ignorantes, é assim que nos querem…

É claro que para terminar, direi “Abril sempre, Liberdade sempre”, que nunca fui pessoa de baixar os braços, nem de pôr a esperança de parte.

Viva o 25 de Abril!


quarta-feira, 23 de abril de 2014

25 DE ABRIL: UMA REVOLUÇÃO COM MUSICALIDADE

ALINA SOUSA VAZ
DR
Na semana em que se comemora os 40 anos da revolução dos cravos as palavras que se seguem são apenas as minhas no meio de tantas palavras escritas em volta dos conceitos de revolução, liberdade, democracia, cravos, militares, povo, música…

Nascida no último ano dos anos 70 que posso eu dizer a não ser aquilo que aprendi nos bancos da escola e através da transmissão de experiências vividas na época? Mas aliar os livros, as histórias à música é, sem dúvida, para mim o mais próximo de tentar entender as angústias e os anseios de outrora.

Antes do Adeus, a guerra colonial, que não parecia ter fim, aliada ao declínio económico de Portugal, à repressão e censura leva a que o povo se sentisse cansado! Cansados estavam também os militares portugueses, defensores já sem convicções e forças para travar batalhas contra os guerrilheiros de Moçambique, Angola e Guiné-Bissau. Em 1973, o poeta português Ruy Guerra e o músico Chico Buarque compuseram a música FADO TROPICAL que nos transmite o verdadeiro sentimento dos militares relativamente ao momento de guerrear. A música toca e parece que nos fala ao ouvido, ficamos hirtos e o coração parece acelerar, porque nos diz: -Sabe, no fundo eu sou um sentimental. / Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo (além da sífilis, é claro). / Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar / Meu coração fecha aos olhos e sinceramente chora…

Nós, as gerações mais novas, abrangemos então (digo abrangemos, porque perceber nunca o conseguiremos na totalidade, falta-nos a vivência) o que levou os capitães a planearem nas vésperas do 25 de Abril a determinante operação. Calculada minuciosamente, os militares consideraram que seria preponderante a participação do locutor João Paulo Diniz dos Emissores Associados de Lisboa. Inicialmente hesitante, mas com medo de represálias no futuro, aceita a proposta, apenas sabendo, por um capitão da Força Aérea, que o objetivo consistia na instauração da democracia. As suas emissões radiofónicas seriam a “cereja em cima do bolo” na execução do plano e a música é o tiro certeiro com as melodias de conteúdo político de Zeca Afonso. O locutor, primeiramente, no dia 24 de Abril e para evitar suspeitas, coloca no ar um tema que passaria despercebido, mas que seria o primeiro avanço para iniciar as operações militares na madrugada de 25. Assim, ao som dos versos Partir é morrer como amar é ganhar e perder, interpretação de Paulo de Carvalho da música levada ao Eurofestival de 1974: E DEPOIS DO ADEUS, a intenção foi camuflada de ver partir um regime e ganhar uma pátria livre e democrática.

Um indício não bastara e às 00h20 do dia 25 na Rádio Renascença, Zeca Afonso jamais seria calado. GRÂNDOLA, VILA MORENA sinalizava o começo decisivo e sincrónico em todo o país do golpe de Estado. E Depois do Adeus e Grândola, Vila Morena são, assim, as músicas da liberdade do país que marcam uma viragem na história de Portugal tornando-se mesmo elementos épicos da nação.

Esta liberdade conquistada pelos militares no ano de 1974 deixa-os hoje livres de se recusarem a participar nas comemorações dos 40 anos da Revolução dos Cravos. Querem ter opinião, querem que o povo os ouça. O parlamento não os deixa! Nesse dia não estarão presentes, mas nesse dia farão ouvir novamente as músicas da revolução lutando, hoje, pela liberdade de expressão. 

sexta-feira, 18 de abril de 2014

SER CRISTÃO: CONSTRANGEDOR OU DESAFIADOR?

GABRIEL VILAS BOAS
DR
Hoje os cristãos assinalam a morte de Cristo, daqui a dois dias assinalarão a Páscoa, ou seja, a ressurreição de Jesus Cristo. Trata-se da principal festa religiosa dos cristãos, pois através da ressurreição, Cristo assume-se como verdadeiro Deus e deste modo o cristianismo ganha uma dimensão de religião. 

A palavra Páscoa deriva do hebraico “Pessach” que significa passagem. Os judeus comemoram, através dela, a libertação e fuga do seu povo do Egito; os pagãos ligam-na à passagem do inverno para a primavera; para os cristãos é a passagem da morte à vida. É isso que a ressurreição de Cristo significa para os cristãos. Verdadeiramente, o cristianismo começa aí. 

Ora, os portugueses são um povo sem religião oficial, mas, culturalmente, são  na sua maioria cristãos e católicos. A questão que hoje, no meu entender, se coloca é que espécie de cristãos e de católicos são os portugueses, atualmente? Qual o papel da religião na vida das pessoas? E o da Igreja?

Acho que é um papel cada vez mais secundário. As decisões mais importantes da vida de cada um não têm em conta os ensinamentos cristãos nem as recomendações da Igreja. 

Hoje, há uma certa vergonha em se assumir cristão. E por que é que isto acontece? O ideário cristão é profundamente humanista e geralmente considerado muito recomendável, no entanto, uma grande parte das pessoas acham-no duma inocência racional inaceitável, outros acusam-no de semelhanças com um conto de fadas, pois contém evidentes falhas de explicação racional. Pois contém e terá sempre de conter. A Igreja nem deve preocupar-se em refutar tal acusação.

A força da religião não é a razão, mas sim a fé! E a fé não é acessória para o ser humano. Ele acredita no sobrenatural e no transcendente.

Então, por que se afasta o Homem da religião (cristã) a quem reconhece méritos? Porque ela o interpela, porque lhe aponta diretamente os erros e lhe sugere caminhos a seguir, “obrigando-o” a mudar, sem vacilar. Como isso implica esforço, normalmente, o cristão cultural sorri amarelo e prefere apontar as falhas da Igreja e, se isso não for suficiente, do próprio cristianismo. 

A isto acresce que ser da Igreja é conotado como ser alguém fora de moda, algo rústico, tonto e naïf. Nessa visão desfocada das coisas, ser da Igreja impede as pessoas de usufruir da vida, de a aproveitar. 
O problema não é esse. O problema é que ser-se cristão obrigar-nos-ia a confrontarmo-nos com os nossos defeitos e a ser melhores pessoas. Ora isso dá muito trabalho! Isto aplica-se aos cristãos, porque há cada vez mais pessoas a declarar-se “sem religião”. Ao contrário de há cinquenta anos, o normal, o aceitável e expectável é não ser-se religioso.

Eu acho que o bom seria cada um pensar pela sua própria cabeça. Conhecer e avaliar a proposta de vida que uma religião como o cristianismo faz e verificar se ela faz sentido ou não na sua vida. Verdadeiramente desafiante para um cristão cultural era tornar-se num cristão praticante.

E qual o papel do Papa Francisco no contexto atual do cristianismo e da Igreja católica?

O grande e surpreendente herói dos cristãos é um fenómeno pela sua sincera simplicidade, pela maneira desconcertante como diz o óbvio que a Igreja não dizia nem praticava, por fazer a Igreja regressar à simplicidade e humildade da fé de Cristo.

O Papa Francisco conseguiu travar o processo de erosão que a Igreja Católica passava e fê-la olhar-se ao espelho. Motivo de orgulho para os cristãos, de admiração para os não praticantes e de respeito para os não crentes, o Papa Francisco tem um enorme desafio pela frente.

 Ele deve atrair gente à Igreja Católica, recuperando os não praticantes, seduzindo os não crentes. Depois ele deve tornar a voz e o papel da Igreja relevantes quer no contexto das diversas sociedades quer nas decisões de cada pessoa. 

Mais que simpático, o Papa Francisco precisa de ser ainda mais assertivo e incisivo, sem se tornar pretensioso ou querer decidir pelas pessoas. Ele tem que seduzir como Cristo. Tem de ter opinião sobre os assuntos que afetam as pessoas no dia-a-dia, sem impor uma visão meramente religiosa. Ele tem de mostrar que algumas visões humanistas da vida têm muito de cristianismo.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

PÁSCOA TRANSMONTANA: RIQUEZA DE TRADIÇÕES

ALINA SOUSA VAZ
DR
A Páscoa Transmontana é única no território nacional. Por aqui, vive-se a tranquilidade dos dias nunca esquecendo as tradições cristãs e pagãs que dão encanto a este período pascal. E a gastronomia? Verdadeiros manjares!

Os autos da paixão, a procissão do Senhor dos Passos, as endoenças, as vias-sacras e as queimas do Judas são alguns dos exemplos desses ancestrais hábitos que sobreviveram até aos dias de hoje nas várias localidades da região. Tradições que se cumprem entre o “Domingo de Ramos” e o “Sábado de Aleluia” que se relacionam de uma forma inequívoca com a vertente lúdica e pagã caracterizando a identidade cultural das comunidades.

Por exemplo, os autos da paixão e as vias-sacras são expressões coletivas de fé, representadas por homens e mulheres, que narram os últimos dias de Jesus Cristo. A dor e o luto, encenação provinda do teatro popular, chega mesmo a atingir auges de realismo que as personagens como Judas, Herodes, Pilatos, Fariseu, Maria Madalena, soldados romanos ou mesmo o Diabo, parecem ter saído do Novo Testamento, terminando com o Filho de Deus na cruz.
Os tons das paisagens carregados de roxo e de negro, que refletem o sentimento de perda, levam a população durante a semana santa em Trás-os-Montes a sentimentos díspares. Se por um lado a melancolia paira no ar, por outro é época de encontros e os sorrisos alegram-se com a chegada das visitas.

A região oferece a verdadeira Páscoa. No concelho de Vinhais existe um ritual onde se interpreta e encena a procura e a busca de Nosso Senhor Jesus Cristo, e todos os habitantes perguntam uns aos outros se “alguém por aí o viu”. Em Freixo de Espada à Cinta pode-se assistir à procissão dos "Sete Passos”, com origem na época medieval representa um culto aos mortos que é entoado na véspera do sábado de aleluia, o dia em que foi anunciada a ressurreição do filho de Deus. Já em Mogadouro, o Senhor dos Passos é uma manifestação religiosa com contornos etnográficos que remonta ao séc. XVII realizando-se de dois em dois anos.

As “queimas de judas” de Constantim e de Montalegre são, por sua vez, manifestações festivas que marcam o fim de um tempo de restrições e penitência que foram impostas durante o período da quaresma. O ato é realizado na noite de sábado de aleluia, véspera do domingo de Páscoa. O cortejo constituído por um grande aglomerado de pessoas leva várias figuras que transportam tochas acesas pelas ruas da aldeia, culminando a representação com a queima de Judas como vingança do povo.
Gastronomicamente a Páscoa é delícia! Os sabores típicos dos alimentos de inverno, os fumeiros, os presuntos, os queijos, os cogumelos, as azeitonas, acompanham o borrego ou o cabrito. Mas o manjar fica completo se em cima da mesa existir o folar, o pão da Páscoa confecionado à base de massa de pão e recheado com carne de porco, vitela, presunto, salpicão e linguiça. Na sua confeção, são ainda usados ovos, banha de porco e azeite. Tudo produtos caseiros. Refira-se que na região, Valpaços é o concelho que se destaca pela qualidade da produção do folar e desde 1999 que tem ambição de se tornar na Capital do Folar em Portugal.

O pão-de-ló, as amendoas e os ovinhos da páscoa fazem parte, também, da doçaria desta época e para cada paladar existe uma sugestão.
Aprendamos a manter as nossas tradições e fazer delas portas abertas para soluções. Aqui ou ali, a Páscoa é em Trás-os-Montes! Venha, assista, prove e promova o TURISMO CÁ DENTRO.


A todos uma Santa Páscoa!

sexta-feira, 11 de abril de 2014

INSTITUCIONALIZADOS


GABRIEL VILAS BOAS
DR
Enquanto tomava café, reparei numa pequena chamada na primeira página do Público: “Menos crianças, mas mais adolescentes acolhidos em instituições”. Li com mais atenção toda a notícia. Tratava apenas de fazer a leitura estatística dum relatório sobre crianças e jovens institucionalizados. Fria, objetiva, seca. Agora, há menos quatro mil institucionalizados que há sete anos. Só faltou escrever: mas que bom!

Ao ler o resto da notícia, percebe-se que não há nada de bom a assinalar. O número de pessoas sinalizadas aumentou em mais de mil casos, só num ano, e atinge quase os setenta mil. A maioria das crianças e jovens vivem em Centros de Acolhimento Temporário, porque não há famílias que as queiram acolher. Muitas crianças e jovens foram institucionalizados in extremis, ou seja,sãocrianças a quem não foram aplicadas medidas de promoção e proteção em meio natural de vida, antes da sua entrada no sistema.

As crianças institucionalizadas não são crianças felizes. Falta-lhes pais, afeto, referências, valores. A “Instituição” fornece-lhes um kit de sobrevivência: cama, saúde básica, comida, escola, regras de comportamento. Com prazo e data de validade. Aos dezoito anos têm de se fazer à vida. E eles fazem-se. Completamente desiludidos e descrentes. É angustiante enfrentar aqueles olhares completamente pobres de esperança. 

Não acho que o Estado possa fazer muito mais. Uma máquina burocrática não produz mães por decreto, não faz brotar pais duns tantos artigos duma lei qualquer. 

Sejamos realistas: eles precisam duma família a sério. Uma que os queira. Uma família que tenha amor para dar. E também abraços, carinhos, paciência. Um pai que os leve ao médico, um irmão que brinque com eles, uma mãe que se deite e adormeça à sua cabeceira quando a noite trouxer o medo e a angústia. 

A história destas crianças e jovens é triste e, na maioria dos casos, irrecuperável. Foram retirados aos progenitores para serem salvos. Mas uma criança ou um jovem não existe para sobreviver. Enquanto sociedade, não podemos aceitar isso. Eles têm de ser recolhidos pelas famílias existentes e integrados como membros de pleno direito num novo agregado familiar. 

E é claro que não os podemos escolher por catálogo. O bonito, o bem comportado, o que tem sucesso na escola… Nada disso! Eles são bonitos e feios, na maioria dos casos mal comportados e não tiram boas notas. Como os nossos! Precisam das mesmas coisas que os nossos. E não pode haver idade ideal. O ideal é um mito urbano amplamente derrotado pela realidade.

Não nos podemos ater a medos do género E se corre mal? Tem tudo para correr mal… Há tanta coisa que corre mal por culpa da nossa inação, do nosso medo, do nosso egoísmo, a que um pouco de arrojo, altruísmo e amor, nas nossas vidas não fazia mal nenhum.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

O VALOR DA CRÓNICA (SEGUNDO EÇA DE QUEIRÓS)

ANABELA BORGES
DR
Porque por vezes, precisamos de refletir, hoje, em destaque, o valor da crónica.

Ninguém melhor do que Eça de Queirós a caracterizou. Reproduzem-se aqui as suas palavras, publicadas no “Distrito de Évora”, jornal fundado pelo autor em 1866.

“A crónica é como que a conversa íntima, indolente, desleixada, do jornal com os que o lêem: conta mil coisas, sem sistema, sem nexo, espalha-se livremente pela natureza, pela vida, pela literatura, pela cidade; fala das festas, dos bailes, dos teatros, dos enfeites, fala em tudo baixinho, como quando se faz um serão ao braseiro, ou como no Verão, no campo, quando o ar está triste. Ela sabe anedotas, segredos, histórias de amor, crimes terríveis; espreita, porque não lhe fica mal espreitar. Olha para tudo, umas vezes melancolicamente, como faz a Lua, outras vezes alegre e robustamente, como faz o Sol; a crónica tem uma doidice jovial, tem um estouvamento delicioso: confunde tudo, tristezas e facécias, enterros e actores ambulantes, um poema moderno e o pé da imperatriz da China; ela conta tudo o que pode interessar pelo espírito, pela beleza, pela mocidade; ela não tem opiniões, não sabe do resto do jornal; está nas suas colunas contando, rindo, pairando; não tem a voz grossa da política, nem a voz indolente do poeta, nem a voz doutoral do crítico; tem uma pequena voz serena, leve e clara, com que conta aos seus amigos tudo o que andou ouvindo, perguntando, esmiuçando.
A crónica é como estes rapazes que não têm morada sua e que vivem no quarto dos amigos, que entram com um cheiro de Primavera, alegres, folgazões, dançando, que nos abraçam, que nos empurram, que nos falam de tudo, que se apropriam do nosso papel, do nosso colarinho, da nossa navalha de barba, que nos maçam, que nos fatigam... e que, quando se vão embora, nos deixam cheios de saudades.”
Eça de Queirós, in 'Distrito de Évora'

Foi desta forma que ensinei a crónica aos meus alunos.

Bem-haja Eça de Queirós, sempre adequado e actual.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

ESTUDANTES DA GUINÉ EQUATORIAL POR TERRAS DE ALEU: O PORTUGUÊS EM NÚMEROS

ALINA SOUSA VAZ
DR
Em janeiro, na cidade de Vila Real, o frio e a chuva de inverno acompanhou a chegada de um grupo de estudantes da Guiné Equatorial. Na mala trouxeram sonhos que têm como base primordial a aprendizagem da língua portuguesa. Esta será, no futuro próximo, a ponte para o alcance das suas ambições profissionais no seu país que se encontra em expansão económica.

Em 2010, o Presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang, no poder desde 1979, assinou o decreto que assumia a língua portuguesa como oficial do país, a par com o espanhol e o francês. Nessa altura, esclareceu, também, que os seus esforços diplomáticos para aderir à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) como membro de pleno direito foram intensos, pois a inclusão do português como língua oficial no país contribuiria positivamente para aumentar a cooperação no contexto afro-ibérico e luso-hispânico de nações.

À universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro coube um dos papéis principais, preparar um ensino com qualidade focando sempre a dimensão económica da língua para estrangeiros, preparando-os, não só, para a compreensão dos originais de Camões e de Pessoa, mas, também para os negócios a realizar no futuro entre as comunidades lusas. 

Numa altura em que Portugal economicamente se encontra fragilizado, a língua, por tendência, sofre, também, dessa fragilidade, todavia o português é a sexta língua mais falada no mundo, a terceira europeia de expressão global e a primeira no hemisfério Sul. Se as conjecturas fundamentadas na evolução demográfica não falharem, o português tornar-se-á uma língua falada por 335 milhões de pessoas em 2050.

Presentemente, o português é falado por cerca de 250 milhões, sendo a língua oficial de Portugal, claro está, do Brasil, de Cabo Verde, de Moçambique, da Guiné-Bissau, de São Tomé e Príncipe e Angola. É, igualmente, uma das línguas oficiais de Timor-Leste e da Região Administrativa Especial de Macau. 
Neste número total de falantes também colaboram os cinco milhões de imigrantes portugueses com forte presença em países como França, a Suíça, o Luxemburgo, o Reino Unido, a Venezuela, os Estados Unidos e o Canadá. Nestas grandes comunidades, o português é utilizado quer como língua materna quer como uma língua segunda, sendo apresentado, em qualquer dos casos, como uma língua de afectos através da qual firmam uma ligação com Portugal e com a cultura portuguesa. Acrescente-se, ainda, que o português é falado em locais por onde os portugueses passaram ao longo da História como Goa (Índia) e Malaca (Malásia).

Como língua de trabalho, o português é uma das línguas oficiais da União Europeia, da Mercosul (mercado comum do sul, é a união aduaneira de cinco países da América do Sul), da União Latina (organização internacional composta pelos países cujas línguas oficiais ou nacionais são línguas românicas tendo como objetivo principal a promoção daquilo que identifica o mundo latino) e da União Africana (organização que ajuda na promoção da democracia, direitos humanos e desenvolvimento económico na África, especialmente no aumento dos investimentos estrangeiros por meio do programa Nova Parceria para o Desenvolvimento da África).

Desta forma, o português, para além de ser, segundo um estudo da Bloomberg, a sexta língua do mundo mais utilizada nos negócios é, ainda, uma língua na qual se navega para aceder ao conhecimento. Dados fornecidos pela Worldstats, o português teve o segundo maior crescimento na internet, a nível mundial, classificando-se no quinto lugar como língua mais utilizada pelos cibernautas, tendo sido apenas superado pelo árabe. Nas redes sociais, é o terceiro idioma mais usado no twitter e Facebook, depois do inglês e do japonês.

Assim, o conselho de ministros da comunidade dos países de língua portuguesa, na XVIII reunião ordinária, realizada em Maputo a 18 de Julho de 2013, salientaram a necessidade de nova visão estratégica, tendo em conta as mudanças estruturais mundiais e a dos Estados membros da CPLP. Alargar as actividades valorizando as suas potencialidades, enquanto nações, levou a que todos os Estados membros participassem de forma efetiva na realização de acordos relativamente à Concessão de Visto para Estudantes Nacionais dos Estados membros da CPLP. 

Por isso não estranhem, gente de Aleu, se virem por aí grupos de estudantes da Guiné Equatorial. Por aqui andam a aprender a língua portuguesa, etapa fundamental para se tornarem mais competitivos dentro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e quiçá um dia não profiram as palavras de Fernando Pessoa: “A minha pátria é a língua portuguesa”.