MIGUEL GOMES |
Vou caminhando por entre as palavras, há um labirinto imenso de onde não quero sair, a dimensão onde tridimensionalmente me acometo às letras e as guardo, para mim, apenas, sem saber delas onde pousar lesto o pé e devagar o olhar.
Cá dentro, na caixa onde se inspira um bater compassado, vou tecendo de olhos no céu um arco de volta perfeita, cabendo na palma das mãos a luz que invoco à gravidade do astro que um dia sonhei brilhar. Não há pausas na vida quando ela se senta ao sol, parada, contente, como um punhado de flores que se sabe feliz por não ser gente.
Floresça a realidade por fruto de imaginação, quando nada há a dizer tudo se escreve pois infla soma e esvai-se psicose no direito a ser-se mesmice.
Quem nunca pesadelou no que já disse?
Esqueço-me de vós, mãos, porque vos trago em concha na tentativa de vos encontrar pousadas sobre os meus ombros. Quantas palavras da nebulosidade condensaram os pensamentos ascensos?
O Sol permite-se descansar no meu colo e enquanto tomo conta dele, passando-lhe, com cuidado, a mão sobre a cabeça cujos cabelos labaredam no final da manhã, o dia vai madrugando ainda que se faça noite dentro dele, do Sol ou do mim.
Olho o céu que me permite sonhar com dias sob um céu de todas as cores.
Acordo estupefacto e na ironia do despertador, cuja passividade horária me abala, sinto-me mais nuvem e menos cal, onde se abrasem água e terra, mineral e sal, tu e eu.
Da minha janela não vejo nada.
Sonho com o descerrar da cortina que me permita ver o que sonho. Há-de haver a encosta, que a minha alma tanto gosta, e um cantinho de terra onde nascem as sementes que me plantaram.
Há-de acabar por fim o vítreo do futuro que oscila entre ontem e hoje, para deixar que a tarde desensolarada se permita estender a sombra pelo meu corpo abrigado e vá, pé ante pé, aquecendo-me de dentro para fora. Fecho-as, mãos, agora, que todo o tempo morreu e vou, caminhando, do silêncio semeado ao canteiro de onde me plantei, quase por acaso, quando por mim mesmo, ingenuamente, sonhei.
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