terça-feira, 7 de junho de 2016

TORPORES

REGINA SARDOEIRA
Não havia na porta qualquer sinal
e contudo a ela fui bater
(transviada e aflita)
como se por detrás
o rosto amigo pudesse abrir-se
e o corpo amplo roubar-me a solidão
não havia porta (tão pouco)
apenas uma cova informe por onde me dispus a passar
e contudo
soaram gonzos na minha memória
todos eles ecos e fantasias
(sem laivos de realidade)
não havia nenhuma cova
que pudesse abrigar-me do temporal
e no entanto desci
(o que me pareceram degraus)
e senti
(o que me pareceu o calor de uma fogueira)
escorraçada percebi
que caíra de uma espécie de sonho
e o lago azul
por onde flutuavam corolas alvacentas
não passava de um charco
(espezinhado)
e a simples  correnteza
pareceu-me  augúrio de desgraça
(mas também
uma promessa qualquer de sossego
no final da tormenta)
tanta chuva
tanto vento e sempre
os frios mordentes dos fins da tarde
e os calores inesperados
(após explosões dispersas dos sentidos) 
e cedo a tenebrosa sensação de fim de tempo

( como se nada pudesse haver depois da viagem
depois da despedida
como se um destino funesto houvesse de irromper
para tornar fútil a essência de um encontro
para tornar mendiga a riqueza de muitas promessas)
e depois
o frio
escorrendo
(em silêncio)
(quase só silêncio)
pelas paredes absolutamente mudas
pelos tectos
(pesados e hirtos vazios e silenciosos)
e e eu sei que este silêncio
(repetido e sofrido)
ressuma de dentro para fora
(só de dentro para fora)
é em mim que se espetam as verrumas da ausência
como se não pudesse ter
(jamais)um lenitivo
um aconchego
um pedaço de história
(sempre presente
e não desarreigada do passado
e atirada no futuro)
e este presente suave
presente onde nenhuma onda arremete
(para ditar o percurso)
onde nenhuma porta bate
(para marcar uma entrada)
nenhum sino toca (a alvorada do tempo)
[e eu sei que tu não pensas assim
(queres deixar vaguear e vogar e flutuar
como asas ou barcos em correnteza diáfana
a existência )]

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