domingo, 19 de junho de 2016

EXECRAR O CONFORMISMO

(…)
Há um rico que se mata
Porque hoje é sábado

Há um incesto e uma regata
Porque hoje é sábado

Há um espectáculo de gala
Porque hoje é sábado

Há uma mulher que apanha e cala
Porque hoje é sábado

Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado

Há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado

Há um sedutor que tomba morto
Porque hoje é sábado

Há um grande espírito-de-porco
Porque hoje é sábado

Há uma mulher que vira homem
Porque hoje é sábado

Há criancinhas que não comem
Porque hoje é sábado

Há um piquenique de políticos
Porque hoje é sábado

Há um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje é sábado

Há um ariano e uma mulata
Porque hoje é sábado

Há uma tensão inusitada
Porque hoje é sábado

Há adolescências seminuas
Porque hoje é sábado

Há um vampiro pelas ruas
Porque hoje é sábado

Há um grande aumento no consumo
Porque hoje é sábado
(…)


PAULO NETO
De Vinícius de Morais que toda a gente conhece… Mas sem o ritmo, o tom, o som, a poesia, mesmo assim, delgadinho, hoje foi sábado.
E que bom ter um dia assim, sem frio, com um sol tímido, uma chuva branda e perfumada a regar a terra. Um sábado, um jornal pela manhã e uma malga de café. Um passeio com meia dúzia de fotos por aí.
Um almoço leve, uma salada, um livro comprado, encomendado, esperado. DeFernando Echevarría, “Categorias e Outras Paisagens”, que começa assim É o que vemos que nos reza dentro… e 500 páginas adiante, naquele estilo onde tudo se cumpre a rigor e com o brilho dos dias limpos, deste modo se acaba O sol da tarde e do inverno / adoça o frio da idade…
Que mais não fosse outro pretexto não invocaria para nesta companhia remansar.

Ao fim do dia um deambular perdido pela Ribeira, de reflex na mão, com uma grande-angular encaixada. Recorrente e incansável refotografo aquelas águas, as sombras dos carvalhos a boiar, as pontes, as casas velhas em redor, aquela janela esventrada onde a cortina de atalaia se quedou d’esvoaçar.
Um fluir de passos lentos por aí. Cada dia o raio deste círculo já de si não perfeito encolhe e se limita… A casa. Os livros. A música. E seis declarações de intenção a cumprir:
nº 1: não ligar a televisão, não vá entrar-nos um radical casa adentro de AK 47 na mão, comprada no supermercado da esquina;
nº 2: recusar a ideia de que o sossego é tentador;
nº 3: execrar o conformismo cinco dias por semana;
nº 4: dar graças por permanecer lúcido;
nº 5: almoçar amanhã com gente de afectos íntegros, mesmo que a distância seja atrito ou a inércia intente tolher o ânimo;
nº 6: escrever este texto ao fluir da pena, sem falar na porcaria dos políticos que sujam e salgam solo que pisam, tornando a fértil leira sáfaro lenteiro.
E agora, à laia de remate, fica aqui bem a Agustina (de tanto a ler somos quase íntimos, por isso assim a nomeio…).

“Quando as pessoas admitirem, sem humilhação, que a sua vivência pessoal das coisas não é um fenómeno restrito ao seu mundo de interpretações, mas uma constante inútil, então conseguirão a paz. (…) As pessoas desejam uma palavra ao mesmo tempo fácil e comovedora. Esperam menos a solução definitiva dos seus problemas, do que a inspiração para os viver e amar. Água de Maio, em vez de valores de museu.” (Alegria do Mundo II, Guimarães Ed. 98).

Hoje é Domingo, dies dominica, outrora chamado dia do senhor. Não se conformem…

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