sábado, 18 de junho de 2016

LOUCOS DA BOLA, II TEMPO

JORGE NUNO
Se é certo que as mudanças climáticas originaram atraso no desenvolvimento e colheita das cerejas, fazendo com que em época de Santos Populares ainda não as tenha provado, também é certo que os melões verdes vieram mais cedo. Foi ao findar a época futebolística, em meados de maio, com o verde a dissipar-se e a esboroar-se a esperança de sagrar-se campeão na última jornada. E também alguma polémica e dúvidas com melancias, que têm o verde por fora, mas são vermelhas por dentro. Recentemente, chegou uma nova remessa de melões, vinda de um país impensável – a Islândia. A fazer fé no slogan: “Não somos 11. Somos 11 milhões”, logo corrigido para “15 milhões” (com alguma irritação) pelo secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro. É que ele entende ser esse o número de apoiantes à selecção nacional de futebol, com inclusão dos emigrantes portugueses, daí que a remessa teve mesmo que ser imensa e obrigar a uma ponte aérea. 

Depois de tanto se falar em “fruta” e em “vouchers”, ao virar do ano, rapidamente se passou a comentar os proveitos futuros da SAD dos “três grandes”, com os meganegócios que estes anunciaram na CMVM, num atropelo de declarações dos respetivos dirigentes. Qualquer deles queria mostrar que o seu clube fez o melhor negócio de todos. Tratava-se da cedência dos direitos televisivos e multimédia, além da publicidade nos estádios e equipamentos. Os encaixes financeiros apregoados seriam de: 400 milhões de euros (M€) a médio prazo + 8 M€ de publicidade nos equipamentos por época, isto para o SLB; 457,5 M€ para o FCP e 515 M€ para o SCP. Passados três meses, ficou a saber-se, pela comunicação social generalista e desportiva, que os “três grandes” detêm 90% do passivo de todos os clubes dos dois maiores escalões do futebol profissional português, passivo esse que será de cerca de 727 M€. Um jornal económico precisava que, no final de 2015, o passivo dos “três grandes” era de 982,8 M€, pertencendo 44% ao SLB, o que vem confirmar que o tricampeão também é o campeão da dívida. Apesar de estes clubes terem baixado o passivo e reforçado o capital próprio, estes clubes ficaram mais expostos à vontade e interesses de terceiros. E se houvesse apertada vigilância do fair-play financeiro, por parte da UEFA, porventura a trapalhada ainda seria maior na próxima época. Mas a própria UEFA está sob fogo, com as declarações do ex-presidente da FIFA, Joseph Blatter, que diz ter testemunhado haver “sorteios fraudulentos” em provas da UEFA, utilizando “bolas quentes e bolas frias”, com colocação de algumas no frigorífico, antes do sorteio. 

Enquanto não rola a bola, a trapalhada persiste por cá. É a subida administrativa do Gil Vicente, após o tribunal ter demorado 10 anos para tomar uma decisão, mas com a direção da Liga a adiar a subida ao escalão superior; o pedido de impugnação da classificação da Liga NOS, feito pelo União da Madeira e a possível troca na descida com o histórico Vitória de Setúbal, por suposta utilização indevida de jogador; a esperada ida do Paços de Ferreira à Liga Europa, por troca com o Rio Ave (que nada tem a ver com o caso); a falta de regulamentação para que uma equipa acompanhe (ou não) o Gil Vicente, de modo a que o número de equipas seja par. A tudo isto, ainda se juntariam fortes penalizações, de consequências imprevisíveis, para todos os que não cumprem o citado fair-play. Os relatórios semestrais, que foram entregues na CMVM, indiciam haver motivos para muita preocupação. No início da época desportiva 2015/2106, o SLB tinha 212 M€ em empréstimos bancários, 45 M€ em empréstimos obrigacionistas e 50 M€ em emissões de papel comercial. Em época de defeso, os dirigentes têm bem com que se entreter! Mais do que pensar em reforços, ver-se-ão obrigados a vender ativos, que é como quem diz: “as jóias da coroa”. Numa visão otimista – e sem fazer fé nas palavras do presidente do SCP, que diz ter rejeitado a oferta de 80 milhões por um jogador, no mercado de janeiro –, certamente todos esperam que o passe dos jogadores se valorize ainda mais, com a participação nas várias selecções de futebol, que representam, apesar do valor exorbitante das cláusulas de rescisão já existentes. Apenas três exemplos: João Mário (SCP) – 60 M€; Imbula (FCP) – 50 M€; Lindelöf (SLB) – 45 M€.

Conhecendo a influência das seleções junto dos adeptos, também as marcas desportivas ficaram “loucas da bola”, ao procurarem impor-se no mercado. Das 24 seleções a disputar o EURO 2016 em França, a Adidas veste nove, a Nike seis, a Puma cinco, seguindo-se a Joma, Umbro, Macron e Errea, que equipam uma selecção cada. A Nike tem um contrato com a selecção portuguesa até 2108, no valor de mais de 28 M€, que permitiu investir na “Cidade do Futebol” em Oeiras, no futebol feminino e camadas jovens. Estima-se que a mesma marca pague ao nosso CR7 19 M€ por ano, que contribui para que seja o desportista mais bem pago no mundo (apesar de no Real Madrid vestir equipamento Adidas). A mesma Adidas tem contratos de muitos milhões com vários craques, indo, a título de exemplo, um bolo de 11 M€ para dividir pelos bolsos dos jogadores Pogba (Juventus), Bale (Real Madrid), e Ozil (Arsenal).

Logo que se ouviu falar que a selecção portuguesa gastaria € 16.000 por dia, em terras gaulesas, durante a presença no EURO 2106, surgiram as habituais críticas, quanto ao esbanjar de dinheiro. Mas só a presença no EURO vale à nossa selecção 8 M€; cada vitória na fase de grupos vale 1 M€; a passagem aos oitavos de final vale 1,5 M€; aos quartos 2,5 M€; às meias 4 M€; se for finalista vencido vale 5 M€; se for vencedor da prova arrecada 8 M€ e um total recorde de 27 M€. Segundo um estudo do IPAM, essa vitória final poderá ter um impacto económico em Portugal estimado em 609 M€, quando a UEFA espera gerar receitas de 500 M€, número recorde e superior em 200 M€ relativamente às receitas de há 4 anos.

Entretanto, por cá, uma fábrica de Vizela – a 4-Teams –, especializada em cachecóis desportivos, tem a exclusividade para o fabrico dos cachecóis das 24 seleções presentes no EURO. A laborar dia e noite, com o produto a preço de loja entre os 10 e 25 euros, dá para perceber porque esta empresa é líder mundial de vendas neste tipo de adereços, esperando faturar 4,5 M€ com esta prova.

Por lá, nas cidades de Marselha e Lille, voltou a sentir-se o efeito do hooliganismo, com o envolvimento de claques organizadas (e bem treinadas), demonstrando que o futebol é apenas um pretexto para praticarem atos de violência. Tendo a organização do EURO orçamentado 14 M€ para segurança, ela devia ser garantida ao primeiro sintoma. É frustrante saber que a UEFA apressou-se a desqualificar a Rússia, com pena suspensa, caso se viessem a verificar novos incidentes nos estádios, ficando-se pela aplicação de uma penalização de € 150.000. Sabe-se que a UEFA não tem jurisdição fora dos mesmos. Mas também se sabe que Vitaly Mutko, é o atual presidente da Federação de Futebol da Rússia, acumulando os cargos de ministro do Desporto, Turismo e Juventude e o de presidente do Comité Organizador do Campeonato do Mundo, que se realiza na Rússia, em 2018. É frustrante saber que a UEFA era conhecedora do fenómeno com claques na Rússia, com adeptos organizados, violentos e conotados com a extrema-direita e, juntamente com a organização do EURO, não inviabilizasse a sua vinda até França, numa altura em que este país está em convulsão, pela insegurança originada por atos de terrorismo, e ainda fica mais fragilizado. É frustrante saber que a UEFA sabe ser forte com os fracos, e vacila perante os fortes. Foi mesmo confrangedor saber que Igor Lebedev, membro da Federação de Futebol da Rússia e vice-presidente do Parlamento russo, terá manifestado apoio aos adeptos russos envolvidos nos atos de violência, a pretexto da “honra do país”, escrevendo no twitter: “Parabéns aos nossos rapazes! Continuem!”, num claro incentivo à violência em país alheio.

Para acabar, poderia parecer divertido mencionar, nesta já longa crónica, o facto do seleccionador alemão, Joachim Löw, ter sido filmado, no jogo de estreia do EURO, enquanto estava entretido com as suas “bolas”, mas o futebol é uma indústria e outros valores falam mais alto, que pelos números aqui relatados só me apetece dizer: “Não matem o Futebol!”

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