terça-feira, 14 de junho de 2016

UM CASA, DOIS GATOS E AFINS...

ELISABETE SALRETA 
Os animais são fantasticamente simples e puros.

Sabiam que eu cuidava de animais e alguém apareceu lá em casa com um pardal caído do ninho e nada em bom estado.

Cuidei dele, o que incluiu retirar algumas pedritas daquelas grandes coxas, com uma pinça, e alimentar o que não era mais do que um monte de ossos e penas.

Depressa se habituou a quem dele cuidava e o alimentava. Aprendeu a esvoaçar e andava pela cozinha à nossa volta. Naquele dia fizemos leite-creme e alguém o distribuía por tacinhas em cima da mesa da cozinha. O belo pardalito vendo ali algo amarelinho e apetitoso, não esperou muito até querer experimentar. Só que saíram-lhe as contas erradas quando aterrou numa taça, começou a enterrar-se pelo creme a dentro, batendo as asas apressadamente e piando em desespero.



A hora do jantar era passada no ombro de alguém que se predispunha a fornecer-lhe regularmente migalhas. Mais tarde, já criado, foi à vida dele, integrando-se no bando que vivia nas imediações. Todos os dias voltava para nos cumprimentar pela manhã, poisando e dançando nos ramos de um pequeno pessegueiro do quintal. Naquela altura a Adelaide, uma pata, ainda era viva. Ele partilhava da sua comida, pois nunca saiu verdadeiramente para muito longe de casa.

De outra vez, trouxe para casa mais um pequenote que caiu do ninho, lá no trabalho. Era a Rita. Um terror de pássaro.

Dormia na mesa-de-cabeceira em cima do rádio despertador porque no cimo tinha uns buracos de onde saia calor, o que era perfeito para ela. Quando se tocava, trinava baixinho como a avisar no escuro, que estava ali. Esvoaçava pela casa, principalmente pela cozinha e tomava banhos de sol no vaso da hortelã o que lhe dava um perfume peculiar. Cantava como os pintassilgos que viviam na ameixeira vermelha em frente à casa e que ela escutava atentamente. Era um poço sem fundo. Na hora de comer, atacava o prato do cão e enchia o papo de arroz cozido até ficar com a cabeça de lado. Depois dormia até digerir tudo aquilo. O cão ladrava para a afugentar, mas ela, expedita como era, conseguiu picar a língua do cão enquanto ele ladrava. Ela picava sempre que queria algo e não era atendida. Uma moçoila que resolvia tudo literalmente à bicada.

Um dia o meu marido tomava banho de imersão. A Rita olhou atentamente e não se fez de rogada. Poisou no seu peito e tomou ali uma bela banhoca de água morna.

Alguém nos deu um balde de ervilhas e o meu serão assim como o da minha mãe foi a descascá-las. A Rita estava no ombro da minha mãe, a postos. Cada vez que existia uma lagartinha, a minha mãe oferecia-lhe a vagem e ela tirava-a com o bico, num movimento cirúrgico. Mas as lagartinhas eram poucas e levava muito tempo a encher o papo. Desesperada, voltou-se para o brinco da minha mãe e engoliu o coração que estava pendurado na argola. Danada por aquilo não se soltar e depois de muito bater de asas, mandou uma bicada na orelha da minha mãe, em sinal de retaliação.

Foi-se embora durante um jogo de futebol para o Europeu de 2004.

Numa viagem, na berma da estrada vi algo castanho que se movia quase imperceptivelmente. Parei e trouxe comigo uma codorniz macho, ferido, que tinha caído de uma caixa de transporte de um camião a caminho do matadouro. Foi o seu dia de sorte, embora tivesse comportado tanta dor. Também ele tinha no corpo as marcas da gravilha da estrada que lhe queimou a pele e entrou na carne. Foi tratado e ficou aninhado numa caixinha durante um par de dias. Quando começou a cantar foi para uma gaiola arejada e espaçosa. Ia visita-lo sempre que podia e ele aninhava-se nas minhas mãos em concha onde se esfregava todo feliz. Compramos-lhe fêmeas e depressa havia um fornecimento de ovos para a Helena que era bebé. Viveu durante alguns anos.

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