"Guernica" (1937), Pablo Picasso. Museu Reina Sofia, Madrid
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MARCOS PORTO |
Guernica é mais do que um quadro. É a prova do poder da arte como agente denunciante de uma injustiça, programada e concretizada por um poder impune perante uma Europa dividida, inerte e medrosa que nada fez, mas o artista fez dos seus pincéis armas e transformou a destruição em criação e construiu uma obra-prima, infelizmente, actual.
No início de 1937, o Governo Republicano Espanhol, encomendou a Pablo Picasso, uma obra com o intuito de ser apresentada na Exposição Internacional de Paris desse mesmo ano. A peça deveria ser capaz de traduzir o sentido e o drama de uma pátria assolada pelo fascismo durante a Guerra Civil Espanhola.
Já então aclamado com um dos mais importantes artistas do século XX, Picasso, na altura a residir na capital francesa, começa por realizar os primeiros esboços que visavam denunciar as atrocidades impostas pelo regime, aos quais deu o nome de Sonhos e Mentiras de Franco.
Porém a 26 de Abril, a Legião Condor, nome dado à intervenção aérea que a Alemanha Nacional-Socialista enviou secretamente para apoiar o General, com objectivo principal de testar o poderio e a eficácia da Luftwaffe, acompanhada por alguns bombardeiros italianos, arrasou a pequena vila de Guernica, símbolo da pátria e cultura basca. A destruição foi total, 2500 civis foram vitimados durante este ataque surpresa.
Sendo um território não militarizado, estaria isenta de qualquer represália bélica.
Quando soube através do jornal L'Humanité, o artista espanhol decidiu fazer deste acontecimento o tema da sua obra, que ficaria concluída a 4 de Junho, para se tornar num símbolo da destruição e não num retrato da vila bombardeada.
Guernica, não se apresenta como sendo uma representação dos acontecimentos reais. O bombardeamento ocorrido naquele que é considerado o berço da etnia basca, não esta representado fisicamente na pintura. Ao analisar os diversos elementos pictóricos que a compõe, não é possível reconhecer indícios, tais como as paisagens ou a arquitectura dos edifícios representados. Informações que facilmente remeteriam directamente à pequena vila espanhola que dá nome à obra. Trata-se antes de uma interpretação pictórica do drama e dos horrores a que o povo espanhol foi sujeito durante a Guerra Civil e em simultâneo um símbolo da luta do Homem pela Vida com tudo que esta palavra representa.
É uma narrativa que não deve ser entendida através do olhar, mas apartir dos factos tal como são pensados, imaginados, sentidos e portanto interpretados e traduzidos pelo observador. Assim sendo, as figuras são transportadoras de metáforas e conceitos, interagindo com o público não pelo seu aspecto formal mas através do seu simbolismo e significado.
Passadas aproximadamente oito décadas, Espanha sobreviveu ao regime ditatorial de Franco e a atentados terroristas, mas chega ao dia das eleições gerais como o país que possui a segunda maior taxa de desemprego da Europa, com uns impressionantes 21% registados em Abril deste ano, ficando atrás apenas da Grécia, a Dívida Pública cresceu de forma explosiva, passando de 35,5% do PIB em 2007 para 99,2% do PIB em 2015, e viu a sua Renda per Capita cair de 31.300€ em 2007 para 28.900€ em 2014, assinalando assim uma queda de 7.5 pontos percentuais.
Nas manifestações de 15 de Maio de 2011, apenas uma semana antes das eleições autonómicas e municipais, “los indignados” saíram de casa e invadiram as praças de todo o país numa clara demonstração do descontentamento social e descrédito nas instituições públicas e agentes políticos, provocando uma onda de apoio que se fez sentir em toda a Europa.
Ao longo dos últimos cinco anos, verificaram-se muitas mudanças nos ventos da política espanhola. Saiu do poder o PSOE, chegou o PP, cresceu o número de "indignados" e "descontentes" e apareceram dois novos partidos nacionais que canalizaram, de forma muito diferente, esses protestos: o Podemos e o Ciudadanos de Albert Rivera.
As eleições de Dezembro passado, são exemplo da turbulência política vivida em Espanha, o Partido Popular (PP) sumou 28% das intenções de voto, enquanto que o partido liderado pelo então primeiro-ministro, Mariano Rajoy (PSOE), perdeu cerca 2 milhões de votos, ficando com 22% em termos percentuais. Os dois novos partidos, Podemos (20%) e Ciudadanos (14%) foram os responsáveis pela maior fragmentação política desde a morte d’El Generalísimo.
Após seis meses de tentativas falhadas para a formação de um governo, a população espanhola é novamente chamada às urnas para depositar a sua confiança naqueles que assumiram o leme do já muito remendado galeão espanhol.
Alvo das mais distintas interpretações, desde a vida até à morte, do desespero até à esperança, porém, inequivocamente Guernica é mais do que um quadro. É um grito de revolta que viaja acordado, ao sabor das ondas, no porão da memória castelhana.
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