segunda-feira, 20 de junho de 2016

QUEM TUDO DEU PELA GUINÉ-BISSAU

CRÓNICA DE JOANA BENZINHO
Em junho de 1980 chegaram à Guiné-Bissau as primeiras missionárias da Congregação das Irmãs Adoradoras do Sangue de Cristo, com sede em Roma. Andavam todas nos trinta / quarenta anos e uma ou outra já tinha experiência em África mas desconheciam totalmente o terreno, a língua e as dificuldades que iam encontrar.


Montaram uma primeira Missão Católica, a partir do zero, com muitos contratempos e alguns obstáculos mas desde então até aos dias de hoje foi sempre a crescer e com provas dadas no terreno. Num país fortemente muçulmano e ainda mais animista, estas Missionárias ganharam o respeito da sociedade e através da educação e da saúde foram e continuam a ser cruciais na vida de milhares de guineenses. Hoje em dia estão implantadas em Ingoré e Bula, onde construíram escolas que estudam largas centenas de alunos desde o primeiro ao 12º ano e dinamizam dois centros nutricionais que recebem grávidas e jovens mães com os seus bebés a necessitar de cuidados especiais. A má nutrição é uma realidade dura na Guiné-Bissau e a morte infantil e à nascença atinge números que já não deviam existir no século XXI. Além disso edificaram uma maternidade de raiz e criaram as farmácias de Tabanca (aldeia), capacitando em cada uma delas pessoas para prestar os primeiros cuidados e darem a medicação adequada aos casos menos graves. Palmilharam estes anos todos os caminhos mais difíceis, entraram nas aldeias mais escondidas, submeteram-se às reservas e desconfianças mais diversas para levar um pouco de qualidade de vida a quem pouco ao nada tem. E conseguiram ganhar o respeito e a consideração de todos os que com elas se têm cruzado. Em Bissau dedica-se essencialmente à educação e dinamizam jardins infantis a par do apoio a jovens adolescentes. É um trabalho duro que tem como rostos as missionárias dos primeiros dias dos idos anos 80. As Irmãs chegaram, fixaram-se e não mais quiseram abandonar este país que as acolheu. Quando a malária ou uma doença complicada as ataca, são evacuadas para Itália, a sua terra natal, mas poucos dias depois já querem regressar, nem que para isso seja necessário assinarem um termo de responsabilidade. Hoje estas irmãs a caminho dos 80 anos são já parte do património comum na Guiné-Bissau. A sua perseverança, a vontade de servir, de salvar vidas, de capacitar, de ajudar, sempre com um sorriso aparentemente frágil mas carregado de força no rosto, são o exemplo da existência de um verdadeiro espirito missionário.

Mas este fim de semana, o grupo de “pioneiras” foi irremediavelmente afectado por um acidente de viação que ceifou a vida a duas delas: a carismática Irmã Romana, enfermeira e mulher de todo o terreno e a Irmã Esperia, dotada de uma grande doçura que era a capa de muita persistência. A Guiné ficou mais pobre mas nós, os que tivemos o privilégio de privar com estas forças da natureza, perdemos uma referência e um exemplo de vida. Estes dois seres excepcionais corriam todos os corredores, batiam a todas as portas, importunavam todos os que pudessem, de alguma forma, ajudá-las a contribuir para melhoria da qualidade de vida da sociedade guineense. E conseguiam mobilizar e congregar vontades para que as coisas realmente acontecessem. A Irmã Romana, recentemente regressada da sua Roma natal, queixava-se da vida citadina na sua terra, do ruído, do excesso de carros, de uma sociedade alienada que ela não compreendia. Confessava já não conseguir deixar a Guiné-Bissau, mesmo se as maleitas provocadas por um acidente de viação em Itália lhe proporcionassem fortes dores nas costas e não a deixassem voltar a conduzir, como tanto gostava e sempre fez. E foi na Guiné-Bissau que aconteceu o que talvez intimamente já tivesse desejado, Pereceu aos 78 anos na terra em que se instalou em 1981 e que tanto amou. Um acidente fatal traiu-lhes o caminho. Uma perda irremediável, sem dúvida, mas dois exemplos de que a vontade move montanhas e contagia quem teve a felicidade de as conhecer.



Fica aqui hoje uma sentida homenagem a estas duas mulheres que trabalharam sempre em prol de uma Guiné-Bissau melhor, agora claramente mais pobre com a sua partida abrupta. E para sempre na memória a sua bondade e os seus sorrisos invariavelmente estampados no rosto, mesmo em tempos de adversidades.

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