JORGE NUNO |
É comum ouvir dizer, e eu próprio o digo, que “não é fácil ser padre nesta freguesia!”, embora fosse mais adequado referir a paróquia. Sem grandes preciosismos, importa a ideia. Muitas vezes por trás do ato até estão as boas intenções, mas os efeitos produzidos acabam por ser perversos, dados a conhecer pelos media, sob a forma de notícias desagradáveis que se vão sucedendo, ininterruptamente, tanto nas capas dos jornais como no abrir dos telejornais, para alimentar a máquina e aquecer o ambiente, como o fazemos com as cavacas que, espaçadamente, vamos colocando na lareira.
Nesta perspetiva, vem à baila o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu (BCE), a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), e até o Banco de Portugal (BdP), que alertam para os riscos de Portugal estar na iminência de violar, no corrente ano, o Pacto de Estabilidade, que tem um teto de 3%. Apontam também para a necessidade de corrigir o défice, e parece só verem mais austeridade, como solução. Perante o mais que previsível incumprimento de Portugal, fica a pairar no ar a ameaça de penalização até 0,2% do PIB, que significa entre 360 a 370 milhões de euros e o congelamento de parte dos fundos estruturais, que deixariam de ser utilizados. Isto acontece quando o atual governo dá mostras de querer atenuar a austeridade, ao pretender devolver aos cidadãos parte dos direitos que lhes foram retirados (com o pretexto da necessidade de promover a austeridade no país, reduzindo a despesa do Estado).
É certo que aprendi, nas minhas aulas de Economia e na vida real, que os défices e dívidas públicas elevados impedem que haja crescimento económico. Qualquer um sabe, mesmo que nunca tenha frequentado a universidade, que não é recomendável gastar-se mais do que aquilo que se tem, ou, se o fizer, a margem de endividamento deve ser mínima, face aos rendimentos previstos. No caso concreto, a dívida pública portuguesa atingiu, em abril, a soma astronómica de 235,8 mil milhões de euros. Qualquer governante, cheio de boas intenções, pode sentir-se tentado em minimizar este enorme problema denotando um enfoque obsessivo no esforço de consolidação orçamental. A verdade é que mesmo assim continua a não se registar o esperado crescimento. E quanto mais se fala em crise mais a crise se torna evidente, menos confiantes ficam os investidores, mais desvalorizadas ficam as empresas cotadas em bolsa, aumenta o número de pequenas e médias empresas a encerrar a atividade, mais pobres ficam as famílias. À falta de ousadia e de tempo, aos sucessivos governos parece restar apenas a solução, bem comum ao longo de séculos, de aumentar a receita por via dos impostos, agravando ainda mais a situação.
Esquecem as três citadas primeiras entidades que se serviram de Portugal, como cobaia, para ensaiar modelos na aplicação de medidas correctivas que pusessem o país nos carris, com governantes “à medida” e apelidados, publicamente, de “bons alunos”. Esquecem que essas medidas foram indevidamente aplicadas num curto espaço de tempo. Esquecem que elas tiveram consequências gravosas na economia do país e na população, com aumento exponencial da pobreza entre a população mais vulnerável, levando a que mais de um milhão de portugueses ficasse no limiar ou abaixo do limiar da pobreza. Esquecem que as suas orientações e imposições para o sector bancário, a par de inadequada supervisão do BdP (como o foi nos casos BPP, BPN, BES e BANIF, a que se juntam empréstimos ao Novo Banco, CGD, Caixa Agrícola e BCP), teve custos altíssimos ao erário público. São tantos e díspares os números divulgados, relacionados com a ajuda pública ao setor financeiro, entre 2007 e 2015 que, ora se situa na casa dos 7,3% do PIB, significando que os portugueses já contribuíram para este “peditório”, para salvar bancos, com cerca de 8,5 mil milhões, ou na ordem dos 13 mil milhões (números divulgados por um jornal económico). Tal facto, exige um esforço anormal ao contribuinte, agrava a dívida pública, e faz aumentar o défice para valores preocupantes. Nos citados anos, de 2007 a 2015, a dívida pública foi agravada em 20,6 mil milhões (ou seja, 11,5 % do PIB) e continua essa tendência. Na calha já estão alinhados o Novo Banco, Caixa Geral de Depósitos (CGD) e Banco Comercial Português (BCP) para receber mais dinheiro, direta ou indirectamente, dos cofres do Estado. Com as ações do BCP a menos de 2 cêntimos e meio, a perder valor constantemente e a cair 25% nos três últimos dias, é fácil ver o desfecho. A CGD, com capital maioritário do Estado e com respetivas orientações estratégicas, serviu de almofada a outros bancos, que tiveram perdas gigantescas. Agora, a CGD necessita, urgentemente, de ver-se recapitalizada em 4 mil milhões, para cumprir rácios de solvabilidade impostos pelo BCE e Comissão Europeia. O governo fica no dilema de, ao querer injetar esse capital, ir contra as regras da concorrência (que impedem a ajuda estatal, por ser considerada ilegal), e agravar o défice, fazendo-o disparar de 2,2% (numa visão bem optimista) para 4,3%. Sempre terá, eventualmente, a possibilidade de jogar com a dívida pública. De qualquer dos modos, o tratamento contabilístico mais favorável terá que ter concertação com a Comissão Europeia e estar sujeito a acérrimas negociações, mesmo que outros países que estão igualmente em derrapagem, como é o caso da França, tenha o descarado beneplácito de Jean-Claude Juncker (presidente da Comissão Europeia), que alega que a França terá tratamento diferenciado, porque é a França. Em jeito de balanço, da imprevisibilidade de há poucos anos, rapidamente chegámos ao definhar e desaparecimento de bancos em Portugal, que está a ser amargo para clientes particulares e empresas e para os contribuintes em geral.
Acredito nas boas intenções quanto à meta de cumprimento do défice, assim como aprecio o optimismo do primeiro-ministro e do presidente da república, que desvalorizam o facto de poder vir a ser preciso um orçamento retificativo. Sabe-se que para equilibrar as contas, ou aplicam-se estratégias para aumentar as receitas, e o investimento é uma das formas mais credíveis – veja-se o caso do investimento e da competitividade na Alemanha, que levou ao crescimento sustentado da economia e originou um superávite de 19,4 mil milhões de euros, no ano passado –; ou então, em alternativa, resta reduzir a despesa. Mas logo que se tenta reduzir a despesa, como aconteceu no Ministério da Educação, com a tentativa de reduzir a despesa com os colégios com contratos de associação, que têm propriedade e gestão privados e escolas públicas na proximidade, parece que o mundo caiu em cima do governo. Não é fácil ser padre nesta freguesia!
Mais difícil é, encontrar, uma escola pública, em Fátima! Gosto disto.
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