sexta-feira, 24 de junho de 2016

EDUCAÇÃO SEXUAL, JÁ

MANUEL DAMAS
Sendo o tema desta crónica periódica as Sexualidades, é mandatório abordar, uma vez mais, o tema da Educação Sexual.

Este é um tema que se vem arrastando desde 1984 quando, pela Lei Nº3/84 ficou estipulado, no seu art. 1, al.1, que “O Estado garante o direito à Educação Sexual, como componente do direito fundamental à Educação”. Mais de trinta anos passados e com os mais diversos avanços e recuos por parte das entidades responsáveis e que a História comprova, a situação voltou a regredir, de forma gravosa, com a decisão tomada em Janeiro de 2012, por parte de Nuno Crato, atual MEC, de fazer desaparecer a Formação Cívica, assim assumindo, pretensamente, a transversalidade da Educação Sexual.

Se com a publicação da Lei nº60/2009, de 6 de Agosto, a qual estipulava que a Educação Sexual seria integrada na Educação para a Saúde, sendo-lhe atribuída uma carga horária anual de 6 a 12 horas, consoante a faixa etária, a situação se tornou grave, hoje ela está, sem dúvidas, bem mais gravosa e preocupante. A integração/diluição da Educação Sexual na Formação Cívica nunca me pareceu a estratégia mais correta e a carga horária anual então atribuída, de 6 a 12 horas, revelava-se manifestamente insuficiente e, acima de tudo, incapaz de assegurar a abordagem, de forma séria, credível, responsável e produtiva daquelas que considero as questões mais prementes das Sexualidades e dos Afectos. Todavia a consignação da suposta transversalidade piorou a situação. Não acredito, por extensa experiência no terreno, que um professor de Português, por exemplo, não “fuja da situação a sete pés”, como soi dizer-se, alegando, inclusive, que o programa extenso da sua disciplina e a carga horária reduzida justificam a escolha, ergonomicamente preferencial, de outras temáticas, mais supostamente consensuais. E esta estratégia defensiva poderá ser utilizada à exaustão pelos diversos docentes, das mais variadas disciplinas, fazendo, desta forma, esboroar a tão referida “transversalidade”.

Hoje, mais de trinta anos passados após o início da discussão, defendo cada vez mais acerrimamente e sem delongas, a criação de uma disciplina de Educação Sexual, obrigatória, presente em todos os graus de Ensino, com carga horária de 1h/semana e com avaliação formal.

Esta disciplina de Educação Sexual deveria ter um programa curricular constituído por um tronco basilar comum de temas, noções e conceitos que, depois, consoante a progressão no grau de ensino, veria as suas ramificações programáticas alargadas e aprofundadas, em consonância com o aumento da idade e consequente despertar da atenção/motivação dos adolescentes e jovens para estas questões. Esse programa curricular foi elaborado ao detalhe, não se justificando aqui explaná-lo, inclusive por gestão espacial e encontra-se, há já algum tempo, no Ministério da Educação e Ciência, pelo que não colhe a justificação do suposto desconhecimento do mesmo. Estará enterrado numa qualquer gaveta, certamente.

O intuito da criação desta disciplina será a abordagem de conceitos, pré-conceitos e a desconstrução de estereótipos, à luz do binómio Informação/Formação. Até porque há bolsas dramáticas de ignorância na literacia das Sexualidades e dos Afectos na juventude portuguesa que urge alterar.

Se necessário fosse explanar argumentos justificativos para a introdução, já no ensino básico, da abordagem programática das Sexualidades e Afectos, os mesmos vêm plasmados nos mais diversos estudos internacionais, fruto de extenso e exaustivo processo de investigação académica, os quais evidenciam, à exaustão, que a aquisição de competências na área das Sexualidades não estimula o início mais precoce das relações sexuais, nem sequer o aumento da frequência das mesmas, bem pelo contrário e tal estratégia assegura, inclusive, a diminuição dos comportamentos de risco. Chamo à colação, a título exemplificativo, que é no Ensino Básico que são criados grande parte dos estereótipos de Género, inclusive as formatações estereotipadas, supostamente correctas, das roupas a vestir e dos comportamentos a ter, consoante o género.

Para um País que se quer da Modernidade em Dignidade e Cidadania é imperativo não desvalorizar a formação em Sexualidades e Afectos o que se afiguraria como uma atitude de extrema gravidade, de consequências apenas mensuráveis a médio prazo, quando mais uma geração tiver perdido a possibilidade de adquirir os conhecimentos e desenvolver as adequadas competências.

Se a formação científica das crianças e dos jovens deve consignar as mais diversas áreas do Saber, a montante terá, obrigatoriamente, que figurar a formação em Sexualidades e Afectos. Basta, no que a isto se refere, ter presentes os mais recentes dados estatísticos da Violência de Género em Portugal.

Para a formação global do Ser Humano, previamente à formação profissional, terá que estar a formação pessoal, nomeadamente em Cidadania, tornando-o capaz de interagir, de forma pró-activa, com os seus pares. Só assim o Cidadão ficará munido de competências para a prevenção correcta e eficaz dos comportamentos de risco, para o abandono de atitudes preconceituosas, discriminatórias ou violentas no estabelecimento das mais diversas formas de relacionamento e, acima de tudo, dotado das adequadas ferramentas para a construção de relações afectivas saudáveis.

Convém não esquecer o enorme e pesado custo, nas vertentes pessoal, social e inclusive económica, de cada gravidez não desejada, por exemplo, de cada novo caso de HIV/SIDA ou de cada nova vítima de violência doméstica, apenas para citar as vertentes mais problemáticas. Para além do benefício social da população, também em termos financeiros a Educação Sexual gera, quer de modo directo, quer em termos de benefícios concretos, uma diminuição efectiva da despesa, nomeadamente nos gastos directos e indirectos provocados por situações concretas como a gravidez não desejada, particularmente na Adolescência, as DST’s ou a SIDA, apenas para referir alguns casos.

Mesmo que em época de crise mas também por causa dela, é compreensível a inevitabilidade da aplicação de diversas medidas sectoriais que consigam conter a despesa pública mas é inaceitável que as estratégias economicistas atinjam uma das áreas mais sensíveis da formação da Personalidade, nomeadamente o aprender a Ser Pessoa, especificamente no que concerne à formação em Sexualidades e Afectos. E não colhe a argumentação de que os custos com a Educação têm que ser reduzidos obrigatoriamente porque, a ser assim, então qual a justificação para a manutenção, inalterada, em todos os curricula, da Educação Moral, principalmente num País que se afirma como laico?

É imperativo não esquecer que são as questões das Sexualidades e dos Afectos, porque estruturantes, que são a base da construção do Ser Humano em Dignidade e Cidadania e capazes de o tornar o principal promotor da Universalidade do Direito à Felicidade.

Até porque, não podemos nem devemos esquecer nunca que é, principalmente, com a formação credível e sustentada das gerações vindouras, que se assegura um Futuro para Portugal.

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