sexta-feira, 10 de junho de 2016

EDUCAR PARA A IGUALDADE

MANUEL DAMAS
Quando pensamos em Igualdade de Género abordamos conceitos, pre conceitos, poderes, estereótipos, tabus, que a Sociedade, a Cultura, a Família e as Religiões vêm inculcando, principalmente na Escola, em termos de desigualdade e de discriminação.

Acima de tudo falamos das Sexualidades e da sua contextualização na medida em que devem ser entendidas como um conjunto de crenças, comportamentos, relações e identidades socialmente construídas e historicamente modeladas, até porque os comportamentos sexuais não são, habitualmente, resultado de uma evolução natural, tendo sido construídos no interior de relações de poder. E o Poder é, ainda hoje, falocêntrico. Basta chamar à colação, se necessário fosse comprovar, o enorme desnível quantitativo, dos governantes por género em Portugal.

Estas questões acima de tudo advém das conceções pré-formatadas e dos comportamentos estereotipados em torno das masculinidades e das feminilidades e das relações de poder advenientes.

Falamos do binómio Estatuto/Papel, em termos sociais, culturais e profissionais no que aos Géneros se refere.

Assim como tudo o que transcende uma suposta normalidade social, e que gerando, só por si, conflitos intra e interpessoais, como tal, propicia Violência(s) de toda a ordem.

A Escola, enquanto espaço social global de formação dos atores tem um papel primordial e inalienável a cumprir, que vai, muito para além da Informação, passando pela Formação e pela construção, principalmente em Cidadania, no sentido global. Quando falamos de Cidadania é incontornável abordar a Igualdade de Género. Assim sendo a Escola não pode eximir-se da responsabilidade fundamental que lhe cabe na discussão e desconstrução de temas como as desigualdades de género e as diversidades sexuais que a Modernidade, especialmente através de veículos incontroláveis como os media e, atualmente cada vez em maior nível a internet e os seus advenientes, as redes sociais, colocaram, inegavelmente, na Agenda da Igualdade.

Quando se fala em Igualdade de Género vem ao de cima, sem dúvidas, a questão da Violência de Género que passa, muito, pelas questões da Violência Doméstica, especificamente contra a Mulher, nomeadamente a violência de cariz psicológico e que, supostamente, não deixa marcas, ainda que vá sendo altura de trazer à discussão, também, as questões da Violência Doméstica exercida sobre o Homem. E neste contexto também não podem ser esquecidas a violência, direta ou indireta, sobre os descendentes. Deve, ainda, ser questionado, com sentido de responsabilidade, porque é que tantas e tantas vítimas de Violência Doméstica não são detetáveis, ainda hoje. Principalmente porque não apresentam queixa e, como tal, deixam de ter visibilidade e perdem valor estatístico o que traz à tona o facto de, muito provavelmente, os dados estatísticos existentes em Portugal mais não serem do que a ponta de um iceberg que poderá vir a ser de incomensurável vastidão.

Acresce, ainda, que estes fenómenos de agressão quase nunca são isolados, revelando, na maioria das vezes, fenómenos de reincidência, o que agrava a questão.

E quando falamos em violência é mandatório equacionarmos as suas diversas formas, nomeadamente a física e a psicológica, ainda que outras sub formas devam ser equacionadas, como a económica, também referenciada como patrimonial e a sexual. Até mesmo a laboral não pode ser esquecida, principalmente quando o índice de PME’s, nomeadamente de cariz familiar são, em Portugal, uma realidade vigente.

É indispensável refletir, também, o porquê de muitas das queixas não serem levadas até ao fim, assim como deve ser abordado o alto índice de aceitação, por parte das vítimas, do regresso a casa dos agressores.

Assim como o, felizmente cada vez menor, silêncio envergonhado e cúmplice da Sociedade, resumido emblematicamente na vox populi…”Entre Marido e Mulher, não metas a colher”…

Ainda neste contexto não devem ser esquecidos os altos índices de contaminação pelo HIV/SIDA e todas as outras DST’s, sendo maioritariamente contaminantes os cônjuges, com os quais coabitam.

Como tal, urge trazer para a Escola todas estas questões.

Mas quando falamos das questões de Género e seus satélites, em termos de Educação Sexual, assim como de prevenção dos comportamentos violentos, é de referenciar que a montante da vivência em conjugalidade, se equaciona, a questão ainda pouco visível da Violência no Namoro.

Mas é fundamental equacionar, também, as questões da Formação, inicial e continuada, dos Agentes Educativos, que deve extravasar os Docentes agregando, também, os Auxiliares Educativos que, muitas vezes, estão em situação de maior proximidade com os Discentes e, como tal, devem estar sensibilizados, preparados e formados para diagnosticar e gerir os mais leves indícios que fluem, infelizmente com a maior naturalidade, nos mais diversos momentos e cenários.

Até porque os próprios discursos, certezas e convicções dos Educadores não estão isentos de problematizações. É fundamental comprometer os Educadores com a mudança, através de formação especializada, inclusive com as diferentes linguagens que constituem os currículos escolares os quais constroem, ajudam a manter ou redefinem posições sociais de Género e de Sexualidade(s).

A equacionar, também, de forma reflectida e consequente o desenvolvimento de projectos estruturados, enquadrados e escalonados no sentido da aplicabilidade a Crianças, Adolescentes e Jovens. Um dos pontos fundamentais na educação das Crianças, Adolescentes e Jovens é problematizar e desconstruir o sexismo, a heteronormatividade e outros tipos de preconceito, os quais começam no núcleo familiar e são reforçados, muitas vezes, dentro da própria Escola. Dessa forma, as actividades lúdicas que a Escola proporciona, as atividades pedagógicas que empreende, os espaços que disponibiliza, os discursos apresentados, os gestos, os comentários, os olhares de repreensão lançados perante os mais diversos cenários e nos mais diversificados contextos, estão repletos de representações a respeito daquilo que é entendido, nem sempre da forma mais correcta, como o mais adequado. Portanto, discutir de que forma se constroem as relações de Género e como se vão construindo ao longo da vida as identidades sexuais torna-se crucial, também, nesse momento e nesse processo formativo. Além dessas questões, devem ser trazidos para o debate questões como a construção da homofobia, da misoginia e da transfobia na composição de uma masculinidade que se pretende hegemônica desde a mais tenra idade, a história do corpo, a idealização do amor/paixão romântico, a história do casamento e novas formas de conjugalidade, a maternidade como causa de abandono ou prejuízo da carreira profissional, a paternidade e consequente diminuição da erotização, a cada vez mais precoce sexualização do corpo infantil e o abuso sexual de crianças e de jovens, muitas vezes em contextos incestuosos .

Mas esta atitude, em contexto escolar, tem que ser pro activa no sentido de mais do que detectar, actuar em termos de prevenção. Até porque a Escola desempenha um papel importante na construção das identidades de Género e das identidades sexuais, pois, sendo parte de uma Sociedade que, só por si discrimina, também ela Escola produz e reproduz só por si e no seu seio desigualdades de Género, Raça, Etnia, bem como se constitui num espaço, urge admiti-lo, de discriminação e de violência.

É preciso não esquecer que a Escola tendo como um dos seus principais objectivos ampliar os conhecimentos dos seus atores sociais (alunos, professores e funcionários) deve ser um espaço de produção de saber, mas também de questionamento e de aprofundamento de todo o tipo de questões. Nesse sentido qualquer tema que circule no espaço escolar é passível de problematização. Os efeitos dessa desconstrução minuciosa, contínua e quase imperceptível das identidades de Género e das identidades sexuais podem constituir pequenas peças de um puzzle com enorme reprodutividade.

Neste sentido não será, também, a atitude adequada equacionar projectos desgarrados, mas sem continuidade e sem produtividade, por mais originais e inovadores que sejam mas pensar, de forma integrada, global e estruturante, num projecto para Portugal no que à Igualdade de Género se refere, a longo prazo, não esquecendo, nunca, a enorme e imperativa validade da prevenção.

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