sexta-feira, 3 de junho de 2016

CARTA POR PONTOS

GABRIEL VILAS BOAS
Durante décadas, Portugal liderou o ranking europeu dos países com mais acidentes rodoviários e anualmente morriam bem mais de mil pessoas nas estradas portuguesas. Alguma consciencialização da população e a melhoria das infraestruturas rodoviárias fizeram descer o número de vítimas mortais, mas o mau comportamento dos condutores continuou a ser a norma padrão, que sucessivas campanhas de sensibilização/prevenção nunca conseguiram derrotar.

Nos últimos seis anos instituiu-se um sistema de cassação da carta de condução de maneira a alterar o comportamento dos condutores na estrada. Esse sistema (cassação da carta após três infrações muito graves ou cinco graves, num período de cinco anos) revelou-se um autêntico fiasco porque apenas “caçou” trinta e cinco infratores em seis anos, apesar de ter produzido mais de seis milhões de processos contraordenacionais.

Havia que mudar! A carta por pontos pretende ser a resposta eficaz a um problema comportamental dos portugueses, na estrada, que se arrasta há décadas.

Neste novo sistema, todos os condutores partem com doze pontos, mas perderão 2,3,4,5 ou mesmo 6 pontos de uma só vez, conforme as infrações sejam graves ou muito graves.

A nova lei é mais punitiva, pois o condutor tanto perde pontos por exceder o limite de velocidade dentro das localidades, como por passar um semáforo encarnado ou por conduzir sob o efeito do álcool ou de drogas.

Numa única semana, um condutor habituado a cometer pequenas infrações pode perder a sua carta e ter de esperar dois anos para poder fazer novo exame de condução e de código. Cometer a inconsciência de conduzir após uns copos a mais com os amigos equivale a perder seis pontos dos doze disponíveis inicialmente. Se conjugarmos isso com o excesso de velocidade ou o pisar um traço contínuo, rapidamente concluímos que um condutor inconsciente pode, numa só noite, pôr em risco o seu futuro social e profissional.

É verdade que pode recuperar alguns dos pontos perdidos em ações de formação (pagas e bem pagas!) quando atinge números críticos (3/4 pontos), mas infrações várias em simultâneo podem-no fazer perder a carta antes de poder recuperar qualquer ponto.

A carta por pontos vai exigir muito mais dos condutores ao nível comportamental e mental. Um mau condutor não precisa de ter um acidente para ver toda a sua vidinha andar para trás. Ser um condutor negligente e inconsciente passará a pesar na carteira e, sobretudo, na vida de cada um. Possuir carta de condução é um fator essencial para a vida de milhões de portugueses. Só assim conseguem chegar ao emprego a horas, levar os filhos à escola, passar férias fora de casa, ir a consulta médica, fazer compras… Basta imaginar que isso deixará de ser possível para cada um perceber o grau de independência que perde, bem como o seu dia-a-dia sofrerá alterações significativas. 

Acho que este prazo de dois anos sem possibilidade de aceder a nova licença de condução é muito duro e, por ventura, excessivo face à necessidade económica e social de uma carta de condução. No entanto, esta pena limite só será aplicada se o condutor persistir num comportamento padrão errado.

Lamentável é termos tido a necessidade de implementar uma lei potencialmente tão dura. Quem recusa mudar por si acaba sempre a mudar brutalmente por vontade alheia.

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