quarta-feira, 22 de junho de 2016

PODE O «BREXIT» SERVIR PARA ALGUMA COISA?

MIGUEL TEIXEIRA
Um voto dos britânicos a favor de uma saída da União Europeia no referendo de dia 23 “constituiria um choque para a UE a seguir ao qual seria necessário assegurar mutuamente que a União seria preservada e que um processo conseguido de integração de várias décadas não acabe numa desintegração” do bloco, declarou à agência France Presse o ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, Frank-Walter Steinmeier, durante uma conferência de imprensa em Brandeburgo, depois de um encontro com o homólogo francês.

Não é possível olharmos para estas declarações do chefe da diplomacia de Berlim sem nos interrogarmos qual o papel que a Alemanha de Merkel e Shauble tem desempenhado ao longo dos últimos anos no processo de integração e reforço da união europeia. E o resultado é, a meu ver, “The road to hell” (Estrada para o inferno) , parafraseando o nome do álbum do cantor inglês Chris Rea de 1989.

Com efeito, os alemães, nos últimos anos, têm sido verdadeiros arquitetos da desintegração europeia. Não há como disfarçar. A possibilidade de um" Brexit" é uma péssima notícia para a Europa e, consequentemente para Portugal. Mas os "alemães", cujos líderes (como este Steinmeier) agora vertem" lágrimas de crocodilo" por um eventual resultado que “empurre” o Reino Unido para fora da União, trabalharam para isso como ninguém, estimulando com as suas políticas cegas e inconsequentes de “austeridade” os eleitores do “centro” para os “extremos” até chegarmos ao projeto de egoísmos, individualismos e falta de solidariedade entre Estados que temos presentemente.

Em Espanha é quase certo que o “Podemos” (esquerda) ultrapassará o PSOE (socialistas do centro esquerda) e lutará por uma vitória nas eleições legislativas do próximo dia 26 de Junho com o PP de Mariano Rajoy (centro direita). Na Áustria, o “xadrez político” é dominado pelo partido “espetro” da extrema-direita, relegando os tradicionais partidos do centro para papéis secundários. Na Alemanha , à medida que se aproximam as eleições ganha força nos governos regionais e nas pesquisas de opinião a “Alternativa para a Alemanha”, um partido mais à direita do que a CDU (democratas cristãos de Merkel), e uma espécie de "gémeo siamês" da “Frente Nacional” em França com um discurso nacionalista, protecionista e xenófobo. Precisamente em França, onde neste momento , a única certeza que existe é a de que Marine Le Pen, estará na segunda volta das eleições presidenciais.

E, na realidade, como recorda muito bem Ana Sá Lopes, no Jornal I de 17 de Junho, “o que sobra da Europa é a miséria. A União falhou na crise do euro - veja-se o estado da Grécia e a vingança aplicada a Tsipras depois do referendo para se perceber como a chantagem de poderes não eleitos pode rebentar com um país e um povo. E veja-se como, depois de cumprida escrupulosamente a receita que aplicaram a Portugal, os poderes não eleitos vêm agora ameaçar com sanções, não sem que o próprio presidente da Comissão, Juncker, admita a existência de dois pesos e duas medidas quando diz que, em termos de sanções, “a França é a França”. E mais à frente: “A europa é incapaz de lidar com a crise dos refugiados (a Europa de 1939-45 foi mais eficaz a fazê-lo e estava em guerra) e, dos seus lautos gabinetes de Bruxelas e Estrasburgo (um insulto aos pobres que “dominam”), é incapaz de ultrapassar o ciclo da produção de memes inúteis que a realidade se encarrega de desmentir, como aquele que anuncia desde 2008 que “é preciso mais crescimento e mais emprego”.

A eventual saída do Reino Unido da Europa vai dar ainda mais força aos atuais movimentos de direita e de extrema-direita, xenófobos e racistas, que percorrem o continente desde a Hungria à Finlândia, passando pela Polónia e de que a crise dos refugiados é o exemplo mais terrível. E será provavelmente esse factor que poderá originar uma “pedrada no charco” numa Europa há muito tempo sem rosto e que traiu os seus princípios fundadores e estadistas como Robert Shumman, Konrad Adenauer, Jean Monnet, Joseph Beck ou Winston Churhill, entre tantos outros. Um pequeno “cataclismo” que poderá despertar finalmente esta unidade política incapaz e paralisadora do crescimento e emprego. Por incrível e indesejável que possa parecer, pode ser que sirva para alguma coisa.

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