ELISABETE SALRETA |
Frio. Sentia muito frio.
Todo o seu corpo franzino se retesava com o frio. Doíam-lhe todos os músculos do seu pequeno corpo de tanto se encolher com o frio que sentia. Tremia. Esse já era o seu estado mais natural. A tremer. E a cada minuto que passava as suas forças enfraqueciam e davam espaço ao esquecimento. Era assim que estava, esquecido. Encostava-se aos muros dos jardins, pedras tão frias como o seu pequeno corpo, na vã tentativa de se abrigar do vento cortante e dos pingos de chuva semelhantes a facas que lhe açoitavam a pele.
Passavam pés por ele, salpicavam-lhe as gotas das poças para os olhos. Já não via. Só pensava em se aquecer e fazer aquela dor surda passar. Já tinha deixado de sonhar. Já não sentia fome. Cada passo era agora uma agonia. Encharcado, com a pele á vista, dorido e cego. Deixou-se ficar à espera. Do próximo pontapé, da próxima pedrada de uma criança traquina, ou simplesmente de uma chapada de água resultante de um passo apressado. À espera.
É assim que se sente um animal sozinho na rua depois de dias de abandono, de frio, de negligência e de fome. Depois de terem uma casa onde viviam quentes e alimentados, vêm-se perdidos e sem saber o porquê de tanto sofrimento. Não, não sabem procurar abrigo. Não, não sabem procurar comer nem caçar. Resta-lhes ficarem doentes, normalmente com uma pneumonia até que uma morte agonizante os leve. Ou feridos, depois de serem atropelados. Com ossos partidos depois de levarem um pontapé. Porque são sarnentos, dizem, põem em perigo a saúde pública. Mas são exactamente esses que os julgam que tiveram a hipocrisia de os meter na rua.
Muitos são prendas de Natal, tirados às mães muito cedo, muitos deles ainda mal comem comida sólida. São entregues às mãos de crianças ansiosas e mal-educadas, sem a mínima educação em prol do respeito por um animal. Depois, quando se defendem ou quando se cansam porque são bebés frágeis e adormecem a meio de uma brincadeira, são maltratados. Um mês depois são postos na rua porque sujaram o sofá e deixaram de ter graça. Dão muito trabalho e as férias de Natal já passaram. Os meninos estão agora mais entretidos com os livros e na escola.
Aos pais não importa. Afinal, é só um animal…
Lamentavelmente, é verdade!
ResponderEliminarEstas linhas retratam o drama e o sofrimento porque passa um animal abandonado.
Enquanto for tratado como objecto, como simples brinquedo que se usa até cansar e depois se deita fora.
Um abraço
João