MANUEL DAMAS |
Vinha eu em passo acelerado a subir a rua e, sem me deter, os olhos passaram, instintivamente, pelas capas dos jornais expostos na porta da Tabacaria. Passeei os olhos sem, sequer, refletir, enquanto ia lendo. Mas as letras garrafais saltaram, ecoando…
“Educação Sexual nas escolas portuguesas, este ano”…
O corpo, em movimento acelerado motivado pelo atraso, continuou a avançar, mas a mente processou a informação lentamente e acabei por estacar, em consequência, alguns metros à frente.
Recuei, num segundo tempo, de forma automática, até à Tabacaria…
Em todos os jornais os títulos eram idênticos…”Educação Sexual nas Escolas…”
Fiquei parado, atónito…
Não podia ser mentira de 1 de Abril…era fim de Dezembro. E nem sequer era boato… estava em todos os jornais. Com medo de perder a “prova”, comprei um exemplar, guardei-o, rapidamente, debaixo do braço e arranquei, agora mais apressado.
Enquanto caminhava ia refletindo…Educação Sexual nas Escolas? Já? Em todo o País? Mas como? Bem… Mais vale tarde do que nunca. A minha mente era assaltada por pensamentos duais e contraditórios. Por um lado, a felicidade da conquista. Por outro, a incompreensão e quase incredulidade. Tinham sido 30 anos de combate, de tentativas, de campanhas, de reuniões, de desilusões…
Já sentado, com um café à frente, mais um de muitos e com um cigarro entre os dedos, outro de muitos mais, ataquei as notícias, retendo as frases mais importantes e significativas… ”Educação Sexual em todas as Escolas”. “Um programa curricular comum a todos os graus de ensino, com um tronco comum, evoluindo aprofundada e progressivamente consoante a faixa etária”. “Avaliação obrigatória”. ”Responsabilidade de Docentes com Formação Pós Graduada na área das Sexualidades e dos Afetos.” Outras notícias elencavam alguns dos mais importantes itens programáticos…
Estaquei, de novo, agora atónito.
Seria possível?!...
Estava lá tudo o que sempre defendi, sustentado por anos e anos de estudo, de conferências, de trabalhos académicos internacionais analisados ao milímetro…
Tudo!!!
“Os Afetos. As orientações Sexuais. A Masturbação e o Direito ao Prazer. A Virgindade. A Igualdade de Género. A Inclusão. A Comunicação. A Gravidez não desejada. As Drogas. O Álcool. As DST’s. O HIV/SIDA. A Prostituição. A Violência nas Relações Afetivas. O Bullying. O Ciberbullying. O Sexting. As Redes Sociais. A Sexualidade nos Mais Velhos. A Sexualidade nas Deficiências. O Abuso Sexual. O Assédio Sexual no Trabalho. O Tráfico de Seres Humanos.”
Estava tudo plasmado nos jornais.
Absolutamente tudo, tal como sempre recomendei, não porque me apeteceu ou por qualquer outra estupida questão ideológica, mas porque tinha aprendido e experienciado que era assim. Mais surpreendido fiquei… contente, mas surpreendido e sem querer acreditar… Seria finalmente possível?!
Fervilhava, entretanto, de interrogações, algumas mais importantes do que outras. Todas, em súmula, com o intuito de esclarecer as minhas dúvidas…
Depois de ler e reler tudo à exaustão, linha após linha e, mais importante ainda, nas entrelinhas conclui… ”Está cá tudo! E está tudo correto!”
Pude, finalmente, parar, suspirar de alívio e, acima de tudo, dar-me ao legítimo direito de um enorme sorriso de congratulação. Estava lá tudo, preto no branco! Finalmente! Tinha demorado trinta anos mas, finalmente, Portugal tinha dado o grande salto, no sentido da Felicidade, no sentido da Universalidade do Direito à Felicidade!
Permiti-me finalmente, um berro aliviado de alegria, de prazer, acima de tudo, do sentimento de vitória!
Finalmente!
Conseguimos!
Com o impulso desequilibrei-me, acabando por cair… da cama! Estremunhado, olhei em volta… estava no meu quarto!
Tudo não tinha passado de um sonho. Um maldito sonho que rapidamente me deixou, novamente, com uma enorme sensação de vazio, de frustração, de desânimo, de revolta, de incredulidade, de pesar…
Afinal tinha sido um sonho!
Não mais do que um sonho… Infelizmente!
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