HELENA COUTINHO |
Neste comboio, semelhante a tantos outros, viajavam pessoas iguais no desespero e insensatez da sua existência. Pessoas apressadas, à entrada, mas que se arrastavam no momento da saída. Pessoas que se apoiavam numa bengala chamada telemóvel, onde consultavam as actualizações e alucinações mais recentes, minuto a minuto. Todos pareciam hipnotizados por um pequeno ecrã, que seguravam como ouro – a única razão, sem razão, capaz de lhes roubar algum tipo de expressão humana.
Inesperadamente, quando o comboio já se abeirava da estação terminal, eis que uma jovem se levantou, com um sorriso recheado de Sol, e, sem pedir licença, começou a preencher os espaços outrora ocupados por sentimentos desalinhados com a harmonia das suas palavras. Como por obra de um poder superior, todos escutaram atentamente o seguinte: “Se as palavras fossem notas musicais, os sentidos tocariam sinfonias. E, em cada uma, as histórias fluiriam, como os rios que correm em busca do mar, ou os filhos que buscam o regaço da sua mãe. Se as palavras fossem notas musicais, o pensamento seria um maestro inspirado, a comandar a orquestra do coração. Se as palavras fossem notas musicais, os sentimentos pairariam nas pupilas dos amantes, iluminando os dias, como estrelas. Se as palavras fossem notas musicais, a vida seria uma partitura mais simples e mais feliz. Se as palavras fossem notas musicais, as dúvidas e os medos jorrariam livres, como borboletas, nos dedos de quem as soubesse tocar, por dentro. Se as palavras fossem notas musicais, vocês dançariam ao som de um tempo chamado liberdade!”Entre aplausos, sorrisos, lágrimas e abraços, aquela viagem chegou ao fim. Mais rápida do que a própria sombra, a jovem saiu do comboio, e desapareceu, com a cumplicidade da noite. Ninguém a conhecia e alguns duvidaram da veracidade do que ali haviam presenciado. Reza a história que nunca mais a viram, mas o certo é que nunca mais a esqueceram e, pelo menos, naquela noite, cada um seguiu o seu rumo um pouco mais leve e feliz.
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