JOANA BENZINHO |
No Leste da Guiné-Bissau, entre Bafatá, cidade berço de Amílcar Cabral, e Gabu, existe uma pequena Tabanca (aldeia) que transpira musicalidade por todos os seus poros e propaga sons através de todas as partículas de pó ali existentes.
Esta tabanca, Tabatô, tem a particularidade de todos os seus habitantes estarem, de uma forma ou de outra, ligados à música, sendo o mais musical dos locais que conheci até aos dias de hoje. É das mãos dos seus habitantes que sai o famoso Balafon, um instrumento idêntico ao xilofone, feito com pau sangue atado com fios coloridos sobre cabaças que lhe ampliam o som e a cana de bambu que lhe serve de base. Este instrumento é feito após 3 meses de submersão da madeira em água e afinado ao som das vozes das mulheres da aldeia, que lhes determinam com o seu tom os acordes, desde agudo ao mais grave.
Também das mãos das gentes de Tabatô nasce a famosa Kora, uma viola adaptada a uma cabaça, um instrumento tipicamente Mandinga com 21 cordas e que tem um papel de destaque em grande parte das cerimónias tradicionais deste povo.
Para além destes dois instrumentos, a musicalidade também ganha vida nas vozes, de miúdos e graúdos, de homens e de mulheres. Os habitantes de Tabatô são músicos e agricultores em simultâneo. Todos cantam, todos aprendem a tocar desde tenra idade e todos cultivam a terra.
Cheguei a Tabatô ao final da manhã, depois de duas horas e meia de viagem desde Bissau, e fui acolhida pelo chefe da aldeia, Moutaro Djabaté, que nos recebeu com um rasgado sorriso e um caloroso abraço. O objectivo era conhecer as raízes desta aldeia Mandinga, um enclave entre Fulas que ocupam grande parte do Leste da Guiné-Bissau, e que aqui resiste há vários séculos.
A disponibilidade para nos dar a conhecer a história foi imediata mas aqui, terra de Griots, há a particularidade de se contar tudo através da música, como não poderia deixar de ser. O Chefe da aldeia, um Griot por excelência, senta-se numa esteira rodeado por dois balafons, dois tambores e por toda a aldeia. Do seu lado esquerdo, o responsável por confirmar tudo o que vai contando ou por lhe chamar a atenção caso se afaste do fio condutor da história ou deturpe os factos. Do seu lado direito, a Mariama, mulher grande da aldeia que também canta e conta (como outros habitantes da aldeia), como foram as batalhas dos antepassados, as missões de paz levadas a cabo por estes verdadeiros emissários diplomáticos que são os Griots, como chegaram até aos dias de hoje.
A aldeia está toda ou quase toda ali sentada connosco, a ouvir cantar a história que é a sua e dos seus antepassados, sob a batuta dos balafons e o rufar dos tambores. Cada melodia que acompanha a voz do Griot tem um nome, um sentido, uns acordes que se envolvem numa dança entre as palavras e o som que exalam e dão corpo a este cenário de uma beleza extraordinária.
O Griot Moutaro Djabaté, conta-nos a história por capítulos distintos e com pausas propositadas que pedem palmas. Descreve a chegada dos seus antepassados ao território que hoje é a Guiné-Bissau, as guerras e batalhas, os tratados de paz e as recompensas dadas aos respeitados griots em caso de sucesso na resolução das contendas (uma vaca oferecida por cada uma das partes do conflito) e os dias de hoje em que orgulhosamente preservam as tradições e as quais têm orgulho em nos dar a conhecer.
Tabatô tem uma casa onde mostra e preserva os instrumentos ali fabricados e mestres de Balafon e de Kora com reputação além fronteiras. Tocar estes instrumentos não é para todos. Eu que o diga pois experimentei-lhe a dificuldade. É para dedos privilegiados e iluminados, para gentes de sublime valor como aquelas que encontrei em Tabatô, que aliam com extremado amor o duro trabalho de amanhar das terras ao dedilhar das 21 cordas da Kora ou ao toque do Balafon, preservando assim com enorme orgulho a riqueza da sua musicalidade e esta tradição secular dos Griots.
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