SÉRGIO LIZARDO |
Olá, eu. – Eu podia escrever uma carta que começasse assim. Seria uma carta de saudade, e um convite para um reencontro. E seria mesmo para meter num envelope, com selo e tudo, e levar aos correios, sem antes deixar de confirmar que o endereço do destinatário estava igual ao do remetente.
Olá, eu. Há quanto tempo…! Para onde tens ido? Sabes, eu? Podes ver-me pela manhã, e pela tarde, e pela noite – sempre a correr. No trânsito, a ter que ser paciente. No trabalho, a tentar ser competente. A comer depressa, muitas vezes de pé, muitas vezes mesmo a andar. A olhar repetidamente para o relógio, como que a pedir desconto de tempo, num jogo-verdade. A coçar a testa com os dedos, no meio de uma tarefa comichosa. Com o olhar distante. Com semblante que é dentes e unhas, e parece mesmo que rói. Raramente no meio de nada. Nunca sem pensar em nada – pelo menos nunca sem pensar nas coisas mortais da vida. Só trabalho mata, quanto mais não seja, mata ócios. Sabes, eu? Tenho saudades das coisas imortais da vida – o que só nos faz bem não morre. Tenho saudades de ti, eu. Tenho saudades das coisas de que gostas, das coisas de que precisas, das coisas de que te alimentas, das coisas com que cresces e com as quais nos fazemos um. Tenho saudades de ter ver de pijama e chinelos mais vezes, com o ouriçado no cabelo de quem dorme até mais tarde e depois descansa do dormir. Tenho saudades de te ver a correr só pelo desporto, de te ver fazer quilómetros de carro só para ir assistir a um evento ou ir a um almoço com a tua gente, a usar apenas as coisas do tempo numa brincadeira de quem ri primeiro ou depois. Tenho saudades de não ter um tem-que-ser para fazer, de olhar para o que houver para olhar, e entreter-me com a imortalidade das palavras de um livro ou a perenidade de um sorriso que vale por tudo, ainda que surgido de algo pelo qual eu não dava mesmo nada.
Olha, eu… precisas mesmo de vir só nas férias e nos domingos? Eu… tu precisas tanto do calendário como eu do relógio! Tu precisas tanto de ser do calendário como eu preciso de ser do relógio! Não deixes que o calendário mande em ti, por favor… O meu relógio, que uso no pulso esquerdo, não é à prova dos dedos da minha mão direita e, se eu quiser, posso permitir que eles o tirem e o deixem sobre a mesa – posso mesmo! Posso arranjar, para ti, o tempo que as máquinas marcam e, dentro desse tempo, o tempo que as máquinas não marcam mas o corpo conta, numa unidade de medida chamada ‘história de uma vida’.
Eu…! Por favor, aparece mais vezes…! Faz assim: [TENHO TANTAS SAUDADES TUAS…!] sempre que der, aparece nos intervalos das coisas; [TENHO TANTAS SAUDADES TUAS…!] sempre que der, aparece numa graça, mesmo que numa graça tonta; [TENHO TANTAS SAUDADES TUAS…!] sempre que der, aparece com aquelas pessoas e coisas imortais das quais até o que é mortal, para surpresa, te lembra às vezes; [TENHO TANTAS SAUDADES TUAS…!] sempre que der, tira-me daqui; [TENHO TANTAS SAUDADES TUAS…!] sempre que der, leva-me a viajar com as malas carregadas dos amanhãs que queres para ti. [TENHO TANTAS SAUDADES TUAS…!] Aparece mais vezes por amor, e por ócio. Mostra-te por cima do que pareço ser, do que tenho que ser, e do que não sou – principalmente do que não sou. Vem! Vem acompanhado de palavras de autor e da tua autoria, de risos dados e respondentes, e com estas pernas, este tronco, estes braços, esta pele e esta vontade, diz: ESTE SOU EU! Espero por ti! Palavra que te espero… No final desta carta, por amor ao ‘querer ser’ que carregas, vou escrever um poema para o meu próximo livro, com felicidade quase tão grande como a que se me estampa no rosto quando recebo um abraço da mulher que amo (que amamos), depois de dias longe. – Preciso-te, preciso-me – tanto! Sempre! A qualquer instante! Dependo de ti.
Até todos os jás!
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