terça-feira, 9 de agosto de 2016

OS TERRORISTAS (O MEU PRIMO JORGE, OS SALTADORES DA ÁRVORE PARTIDA E O ENCAPUZADO)

SÉRGIO LIZARDO
[Dá-se demasiado tempo de antena a terroristas, por estes dias. Não defendo que se deixe de noticiar atentados, que se deixe de passar mensagens de ameaça, que se faça de conta que o terrorismo não existe – nada disso! Defendo é que se abandone a “estrelização” de terroristas, que não se caia na armadilha de potenciar a imitação da barbárie em nome de sabe-se lá bem o quê. Noticie-se, alerte-se, eduque-se – e dê-se rosto a quem, de acordo com qualquer Credo ou Fé, faz o bem. Faz-se o bem em nome dos deuses todos, de qualquer deus. Não eternizemos os terroristas! Jamais serão de deixar saudade. Estes, não.]

Dei por mim a sentir saudades de outros terroristas – dos que deixaram saudades desde os tempos em que não havia demasiada televisão: do meu primo Jorge, dos saltadores da árvore partida e do encapuzado. Que terroristas, esses! [Provocam-me agora um sorriso.]

O meu primo Jorge (que terrorista!) era, na família, sempre apontado como o culpado por qualquer coisa que se partisse; de tanta coisa que partia, só podiam pensar nele como o responsável por vasos ou vidros quebrados; chegou a levar um tabefe do meu avô, quando eu mesmo parti um vidro da janela da cozinha de sua casa, com um pontapé da marca de grande penalidade que me saiu claramente ao lado. Quando assumi a autoria da asneira, o meu avô passou-nos a mão pela cabeça: a mim, disse-me “acontece” (raramente me acontecia); ao meu primo (muitas vezes lhe acontecia), pediu desculpa, e disse-lhe que descontava o tabefe para a próxima asneira, que certamente aconteceria em breve, fosse ela mais um vidro partido, dar vinho ao cão ou abrir a água da presa (nascente) que estava a ser guardada para regar as batatas e as hortaliças do campo na manhã seguinte. Que terrorista, o meu primo Jorge!

Os saltadores da árvore partida (que terroristas!) eram amigos meus da escola primária. Juntavam-se sempre para inventar coisas novas. Num desses dias inventivos, transformaram uma árvore plantada pelo “Dia da árvore” numa barreira, e fizeram corridas saltando sobre ela até a terem partido. Dissera-me a funcionária da escola, que me vira muito quieto, que fosse para junto deles brincar, e eu fui. Fomos todos castigados nesse dia, eu incluído. Que terroristas, esses meus amigos (e a funcionária da escola)!

O encapuzado era outro terrorista da minha aldeia (que terrorista!). Eu e alguns amigos, especialmente nas férias de Verão, pelo fim da tarde, quando o calor já diminuía, íamos para o monte andar de bicicleta numa pista de motocrosse desactivada ou jogar à bola num descampado. Quase sempre ali nos aprecia o mesmo personagem: vestido como qualquer um de nós mas bem mais sujo, e com um capuz e um chapéu que lhe ocupavam a cabeça e o rosto. Nunca falava, apenas berrava, gesticulava como um louco, pontapeava as rodas das bicicletas e atirava a bola para longe, ribanceira abaixo (era o responsável por quase sempre terminarmos o dia, fazendo escalada). Contavam-nos muitas histórias sobre o “encapuzado”: era “drogado”, era filho do demónio, era louco e perigoso. Tínhamos medo! Éramos mais em número, mas uma maioria de cinco ou seis com medo de uma minoria de apenas um. Continuámos a ter medo dele, mesmo depois de termos descoberto quem era, onde vivia, o seu nome, quem era o pai, quem era o irmão, e que era uma rapariga! Tínhamos medo do pai e do irmão da miúda maluca. Que terroristas!

Estes sim, são terroristas que deixam saudades…

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