RUTE SERRA |
Todos os anos a história repete-se. O abandono das nossas gentes das zonas rurais, e por conseguinte dos trabalhos duros e precários (precário por precário, antes o de secretária), tem motivado, para fazer face às campanhas agrícolas sazonais, elevados fluxos migratórios de mão-de-obra intensiva. São trabalhadores provenientes do espaço europeu, nomeadamente Roménia e Bulgária, mas também de países em vias de desenvolvimento, como Nepal, Bangladesh, Índia, Paquistão. São livremente explorados: até aqui, não existia legislação específica que acautelasse a sua dignidade, e portanto assistimos vezes de mais, a situações criminosas por tráfico de seres humanos, para exploração laboral e outra criminalidade conexa. Sim, em pleno séc. XXI. E sim, em Portugal.
Desde os anos 30 que a Organização Mundial do Trabalho (OIT) demonstra preocupação com a problemática em torno dos trabalhos forçados. Desde 1956, que Portugal é signatário da Convenção nº 29 da OIT, sobre “trabalho forçado ou obrigatório” o que não impede que, de acordo com o Índice Global de Escravatura, publicado em 2014, pela Walk Free Foundation, se estime a existência, em território nacional, de cerca de 1400 pessoas escravas.
Frequentemente estes trabalhadores são rotulados não como vítimas de crimes, mas como ilegais que escapam à malha jurídica sobre migração. O sucesso das operações dos órgãos de polícia criminal e das autoridades fiscalizadoras esbarram amiúde nas intrincadas cadeias de contratação e subcontratação de mão-de-obra, diluentes das responsabilidades sociais e laborais, nomeadamente em matéria fiscal e contributiva.
Dentro de 30 dias entrará em vigor a Lei nº 28/2016 de 23 de agosto, que altera o Código do Trabalho e dois regimes jurídicos específicos, promulgada pelo Presidente da República, com renitência, mas em concordância quanto ao objetivo invocado pela Assembleia da República.
Precedeu a este passo importante, uma querela, inevitável, em conformidade com a velha clivagem social, entre confederações empresariais e representantes dos trabalhadores. Isto porque não é por ambos defensável a utilidade da, agora prevista, responsabilização de toda a cadeia de contratação, ao longo da qual se verifica – e isto é um facto - a exploração indevida.
Durante anos, as naus coloniais beberam léguas e léguas de mar, com guarnições de escravos economicamente viáveis. Hoje, existem pessoas, forçadas por outras, sempre com o mesmo objetivo (que ao longo dos séculos, afinal, não desvaneceu, apenas se transformou), forçadas a aceitar todos os termos e condições, de transporte e de trabalho. De tal modo é grave este fenómeno, que o tráfico de trabalhadores é o terceiro maior negócio do crime organizado.
Defender os direitos humanos, passa também por travar este combate.
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