MARGARIDA BRASIL |
Quase sempre ver, é muito diferente de enxergar.
A primeira vez que eu , conscientemente conheci a Caatinga, fiquei estarrecida de ver como uma terra totalmente seca, pedregosa, poderia abrigar um povo sob um sol causticante.
Para mim aqueles garranchos secos, sobre morros de pedregulhos, e enormes pedras, não é uma terra habitável. E o mais admirável é, QUE SIM! É uma terra habitável. Tanto que é habitada.! E por um povo feliz.
Minha família vinha do Maranhão (Terra verde de palmeirais, que tem apenas duas estações, inverno = chuva, e verão, estação seca,) para visitar os parentes no sertão do Ceará, em pleno mês de outubro - novembro, pico da estação seca..
Eu ia olhando, estarrecida desolada e triste, pela janela do ônibus, aquele cenário ressequido. Ali não tinha nenhum verde, nenhum ser vivo, pelo menos que eu visse. Como poderia ser habitado.?
Andei perguntando aos parentes, como conseguiam sobreviver ali. Nem eles sabiam explicar. Até hoje não encontro respostas satisfatórias, escritas em lugar algum.
Mas hoje eu sei que estudiosos e biólogos, um dia vão explicar às nossas crianças que a vida está na água. Entendi que há microbiomas invisíveis a olho nu, na caatinga. Basta chover que as sementes germinam, os ovos eclodem, os peixes,os anfíbios, toda a fauna e a flora, em pouquíssimo tempo tudo reverdece. Os pássaros cantando, os bichos brincando...E a vida reaparece no Sertão.
Os sertanejos, Profetas da Chuva, através da observação minuciosa da Caatinga, reúnem-se nas principais cidades do Sertão, para discutir e prever como vai ser o inverno do próximo ano. baseados em suas observações da natureza.
Segue-se um poema elucidativo dessa linda sabedoria popular..
PROFETAS DA CHUVA NO CEARÁ
Tonha se levanta se benzendo e rezando o Pai Nosso...
Olha pro Fogão de lenha Apagado..Panela Emborcada...
Abre a porta e vai deitar na tucum, armada no alpendre.!
Não demora a ver o Olho do Sol a beber na última nesga Dágua...
Onde era antes, o Açude do Xerém...Hoje é lama esturricada...
Com garranchos ressecados, por 4 anos de sol inclemente.
Mas hoje o tempo está diferente. O sol está meio embaçado...
As núvens não são mais aqueles pequenos flocos espalhados
pelo céu..Brinquedo dos ventos. Hoje elas estão enchendo...
Ficando escuras, grossas, pesadas..Mais parecem couros do
gado curtidos, vindo das bandas do Sul, para o Sertão, Se
espalhando em busca do mar.
Ela analisa o tempo, observa as formigas...Estão criando asas...
Ela recebe do marido a caneca de café, e a tampa com uma fatia
de cuscuz, e desce pro açude, observar o formigueiro...Não está
mais lá, se mudou.! De repente o Zé grita...Oia Tonha..Oia Muie.!
A Maria e o João- de- barro fizeram a casa roxeada, daquele jeito
que não molha..E que chuva nenhuma derruba.!
De noite o homem da televisão, lá na venda, diz que vai chover ...
No Nordeste...No Ceará.. Tonha e Zé se deitam na tucum e ficam
trocando esperanças, antevendo o milharal lá na baixa, botando
as espigas... o macacheiral verdinha e o feijão florando.! Pés de
abóbora, maxixe, quiabo, melancia melão..As sementes estão ali... esperando a chuva, A baixa está preparada
Os dois agarradinhos, ali, olhando pro tempo e sonhando..Vez por
outra trocam um chamego ou uma palavra gostosa... Mas dormir mesmo ...
Não dormem.! .Já de madrugada, começa um vento mais forte, vai
balançando o juazeiro...e aumenta... e aumenta. Eles se levantam ...
Vão olhar o céu...As núvens tão desfiando...Caem grossos pingos..
.Começa a chover grosso.! Eles ficam no terreiro. Correm, riem...
Gritam de alegria.!..Brincam, se abraçam, se beijam na correnteza que se forma no terreiro...São crianças com seu brinquedo preferido... Água.
Antes do sol nascer...
A semente da esperança...
Começa a crescer.!
Uma descrição perfeita, rica em detalhes, proporcionando um ambiente tão perfeito como se deveras estivesse fazendo parte do cenário em que, hipotéticamente, estaríamos inseridos. Amei, porque senti... e senti, porque amei, simples, assim.
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