HELDER BARROS |
Estamos no limiar de uma nova era, quase sem nos apercebermos começamos a introduzir hardware nos animais e seres humanos, sendo que a Internet, uma das descobertas mais fantásticas do final século passado, vai sendo integrada em todos os equipamentos eletrónicos, domésticos e não só; os drones substituem cada vez mais o ser humano em situações de risco, essencialmente ao nível da video-vigilância e de operação em ambientes hostis por controlo remoto, ao mesmo tempo que se invade e limita cada vez mais a nossa privacidade, colocando em risco os nossos limites éticos.
Como em tudo o que tem a ver com a evolução científica e tecnológica, começam a ser colocadas questões ao nível deontológico, da moral e da própria subsistência do ser humano, enquanto espécie, ao nível da biologia. Já é comum em Medicina falar-se em colocar chips no cérebro para controlar doenças do foro neurológico, colocar próteses que podem ser controladas do exterior, no fundo, quase cenas de filmes com andróides, que assistíamos em filmes de ficção científica dos anos oitenta, em que os Homens, se é que se podem ainda designar como tal, são constituídos por uma misto de hardware integrado nos processos biológicos. Cada vez mais se assiste à diminuição em massa de empregos, em portagens sem pessoas, em centros de abastecimento de combustíveis em que o próprio condutor se serve, em operações da banca sem bancários, o homebanking; compra-se comida em regime de self-service, fazemos declarações fiscais sem termos de nos deslocar às instalações das finanças; temos carros que quase já se conduzem remotamente; um mundo de pessoas, para pessoas, mas em que cada vez mais se reduz a intervenção humana ao mínimo possível. E aos poucos, julgando que tudo controlamos na perfeição, cada vez mais somos é mais controlados...
E, será escusado ficarmos muito espantados com as mudanças do Mundo que se perspetivam, que nos estão a bater à porta a um ritmo alucinante, que nos invadem nas nossas vidas por mais comuns que sejam. Nada pode parar a evolução científica e tecnológica, a sua trajetória segue em frente e a grande velocidade e nada a poderá impedir o impulso de criação da espécie humana, numa curva de tempo com tendência exponencial. O Homem, enquanto ser racional procurará sempre novos caminhos, novos portais para dimensões sobre-humanas, querendo mensurar e controlar tudo, quase aspirando a uma condição Divina, em que dominando as máquinas, controlamos o essencial, pois tudo depende, sobretudo, destas. Mas neste caminho inexorável rumo ao futuro, o que deixaremos para trás… o que teremos de abdicar da nossa condição humana… seremos controlados como são já atualmente os animais com chips introduzidos de forma subcutânea. Já o somos de alguma forma, mas não passaremos a ser meros números de uma engrenagem (geringonça, termo mais atual no mainstream mediático) que pensamos conduzir, mas da qual já há muito perdemos o controlo, não passando de meros peões de um jogo de xadrez, que se consubstancia nas nossas simples vidas. Enquanto isso, apesar deste avanço científico e tecnológico, os exemplos de barbárie na raça humana, continuam a proliferar. Jovens que lutam em ringues de boxe repletos de apostadores histéricos, que são como as antigas arenas romanas, onde se morria gratuita e selvaticamente, imitam comportamentos ancestrais, não revelando qualquer espécie de consciência ética, de urbanidade e de progresso civilizacional.
A geração de sessenta do século XX conseguiu uma reviravolta sociocultural, no sentido da melhoria generalizada das condições de vida na Europa e na civilização anglo-saxónica, que liderou este processo de revolução que nós, europeus, mimetizamos de forma adaptada às nossas características sociais. Então, as utopias da geração hippie, estribadas nas drogas, sexo e rock and roll, portanto numa grande festa da alienação, foram traduzidas em reais mudanças no nosso estilo de vida, enquanto todo social. No entanto, desde o início da década de noventa, começou-se a inverter o nosso ciclo evolutivo, tendo o liberalismo selvagem exponenciado as suas consequências, com o rebentamento de bolhas financeiras, investimentos não traduzidos em moeda real, mas em projeções de hipotéticos lucros que nunca se consumariam; em futuros e em paraísos fiscais, como diz a malta da máfia financeira.A grande migração continua, pessoas fogem de zonas de guerra, sem destino, ou pelo menos, com poucas certezas no futuro, em barcos mais frágeis que as caravelas dos antigos conquistadores ibéricos, que velejavam em barcos que eram como cascas de nozes, por esses mares adiante, contra ventos e marés. Mas, os progressos científicos continuam a servir uma míngua de gente privilegiada. Continuamos a querer ser robôs, a ser muito produtivos e eficazes, enquanto as máquinas nos vão roubando o trabalho que nos dignifica enquanto condição existencial. Uns poucos, cada vez trabalham mais, outros tantos não terão ocupação e farão assim crescer a grande massa de desocupados, de indigentes, de doentes e de vencidos da vida. Já se começa a falar em reformas no sistema laboral, no sentido de conferir um rendimento mínimo garantido a todas as pessoas, pois o emprego vai escassear de forma muito acentuada, principalmente, nos postos de trabalho de baixas qualificações, criando um fosso ainda maior, entre os que têm acesso à formação e informação privilegiada, aos centros de poder e todos os outros, cada vez mais orientados para uma vida de meros espetadores de tudo o que se passa à sua volta em grande velocidade…
Já ninguém liga aos que cá ficarão, esgotamos todas as riquezas da Terra, num banquete sem fim, como herança só deixaremos queixumes, fome, doença e dor; é esta verdadeiramente a nossa grande desesperança: estamos numa espécie de liquidação total do nosso planeta e das nossas consciências enquanto cidadãos do Mundo. Nenhuma expansão de hardware poderá salvar a nossa Alma vendida a um consumismo desenfreado, acompanhado de uma indiferença generalizada, perante o outro. Entretanto, a vida corre a grande velocidade, já estamos em contagem decrescente e a malta segue contente!E assim estamos a viver a maior crise de sempre da sociedade ocidental, caminhamos alegremente para uma catástrofe ecológica, a que se seguirá a humanitária. Somos cada vez mais egoístas, as famílias estão em declínio, as religiões perdem terreno, a sociedade está, verdadeiramente, doente. O abismo está á nossa frente e à vista, porque seguimos em frente rumo à queda, quase que num registo de tragicomédia, em que quanto mais nos aproximamos dele, mais aceleramos e, nisso, a tecnologia pode-nos ajudar, para o bem e para o mal... estamos num caminho sem retorno rumo ao Apocalipse, a que muitos chamam pretensamente, o fim dos tempos, como se fossemos assim tão importantes no Universo. Os homens lá fora, já não cortam as ervas dos seus quintais e jardins. Mais fácil que nos campos da morte de Hitler, compramos herbicidas e sulfatos que nos envenenam lentamente, entrando na nossa cadeia alimentar. O mar está mais ácido e repleto de lixo, o que ficará como marca da nossa geração. Os rios, outrora santuários de frescura e de pureza estão quase todos contaminados por nós... há cidades em que se anda de máscara, devido aos elevados níveis de poluição a que foram sendo acometidas por nós... os nossos esgotos correm em muitos sítios alegremente para os lençóis de água que vamos beber, cheia de químicos que a desinfetam de bactérias nocivas resultantes da eutrofização que os nossos rios comportam... mas beber lixiviantes será saudável... os alimentos são repletos de conservantes, que nos provocam riscos de cancro e de outras doenças...
“O homem é um castelo feito no ar. O que ele tem de não existente, é que lhe dá existência. O engano em que ele vive, é que lhe dá vida. Toda a realidade do seu corpo se firma na mentira da sua alma.” ― Teixeira de Pascoaes
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