quarta-feira, 25 de maio de 2016

FRANÇA, UM ANO PARA MUDAR

RUI SANTOS
A 12 meses das eleições presidenciais, François Hollande é, de acordo com o barómetro Ifop, o chefe de Estado francês mais impopular de todos os presidentes da V República francesa. Só 14% dos franceses têm opinião positiva sobre o seu trabalho à frente dos destinos de França. Embora a popularidade de Hollande tenha subido após os atentados em Paris ocorridos em Novembro de 2015, o primeiro trimestre de 2016 foi terrível para o executivo. O projecto de lei referente a alterações na legislação laboral apresentado em Março originou uma forte contestação por parte dos trabalhadores, em geral, e dos sindicatos, em particular. Não obstante estes indicadores, tudo indica que o candidato da área política socialista será Hollande. Manuel Valls, Jean-Luc Mélenchon ou Emmanuel Macron estão atentos mas não parece provável que afrontem Hollande. De acordo com as várias sondagens realizadas até ao momento, não é provável que qualquer um dos candidatos que se perfilam possa ser eleito à primeira volta, tal como não é garantido que Hollande possa aceder à segunda volta das eleições presidenciais de 2017.

Alain Juppé, o presidente da câmara de Bordéus, é o candidato do partido Os Republicanos, de direita, que aparece melhor colocado para passar à segunda volta. As sondagens do Ipsos e do Ifop dão-lhe, respectivamente, 51% e 63% de opiniões positivas. Estes resultados indicam que Juppé poderá ser o candidato favorito da direita, uma vez que Nicolas Sarkozy recolhe entre 29% a 32% de opiniões favoráveis.

Do lado da extrema-direita, Marine Le Pen aspira passar à segunda volta e disputar a presidência com o candidato apoiado pela esquerda. A não ser que aconteça algo inesperado, a sua presença na segunda ronda eleitoral é um dado praticamente adquirido.

François Hollande, eleito em Maio de 2012, foi visto por muitos como aquele que iria devolver o socialismo ao espaço político europeu e afastar a chamada «terceira via», do britânico Tony Blair, da prática socialista. Falhou redondamente. O seu governo não conseguiu afirmar o Partido Socialista francês como o grande opositor da Frente Nacional e arrisca-se a deixar que os franceses optem, na segunda volta das eleições, entre um candidato de direita e outro de extrema-direita. Curiosamente, essa poderia ser a melhor solução para impedir uma vitória de Marine Le Pen. Toda a esquerda se uniria em torno do Juppé para impedir a chegada à presidência da Frente Nacional. Caso Hollande dispute a segunda volta, Marine Le Pen é apontada por alguns estudos de opinião como a vencedora das presidenciais de 2017.

Uma França governada por Marine Le Pen seria um péssimo sinal para os restantes países europeus. Marine já provou que consegue atrair muito do eleitorado que tradicionalmente votava à esquerda dos socialistas franceses, como aconteceu na Bretanha, e que não tem problemas em apoiar partidos de outros países colocados no lado oposto da Frente Nacional, como foi o caso do apoio dado aos gregos do Syriza na sua luta contra as políticas europeias. Onde existir o voto de protesto a Frente Nacional está lá a apoiar. Ao tomar para si causas habitualmente pertencentes à esquerda, como é o caso do desemprego ou da oposição à política da União Europeia, a Frente Nacional tem esvaziado por completo a área política à esquerda do Partido socialista francês. Ou seja, chama a si praticamente todo o voto de protesto. Depois da extrema-direita ter chegado ao poder na Hungria e na Polónia, e quase na Áustria, a Europa democrática não pode continuar impávida a assistir a toda esta alteração no xadrez político.

François Hollande ao procurar alterar a legislação laboral – com o argumento que vai promover o crescimento da economia e o emprego – só está a dar um tiro, não no pé mas no coração. É um suicídio político. A alteração à lei actual retira direitos aos trabalhadores e facilita os despedimentos. Hollande devia pensar que quando um trabalhador é despedido, não é este que é afectado pela sua nova condição. É muitas vezes uma família que está em causa, o rendimento que lhe confere alguma expectativa de realização social. Quando essa expectativa é posta em causa, a coesão social dificilmente existe. Promover a convulsão social só beneficia Marine Le Pen, a candidata que representa o anti-sistema, e as suas ideias xenófobas e anti-Europa. Além do mais, está por provar que a flexibilização do direito laboral, só por si, contribua para o crescimento económico de um país. Num mundo globalizado, com uma elevada interdependência entre os países e entre os grandes blocos económicos, muitos outros factores devem ser tomados em conta como por exemplo, os acordos internacionais de comércio – veja-se o impacto que a entrada da China teve na Organização Mundial do Comércio –, o preço da energia/combustíveis, o rendimento disponível dos consumidores, políticas cambiais, etc.

Os últimos anos têm mostrado que na Europa é importante, para o funcionamento democrático dos países, a existência de pelo menos dois partidos que ocupem o centro do espectro político. Quando só um existe, o risco de se cair em regimes autoritários, sejam eles de esquerda ou de direita, é bastante elevado. Por enquanto, a vitória numas eleições presidenciais francesas por parte da direita radical parece difícil. No entanto, já se considera como normal a Frente Nacional passar à segunda volta do plebiscito. Até quando é que a França vai conseguir deter o avanço da extrema-direita?

Espero que Hollande tenha consciência das implicações da sua política e que acima de tudo contribua para a continuação do lema da República Francesa – Liberdade, Igualdade e Fraternidade – e não para o crescimento do extremismo político no seu país.

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