DR UEFA CRÓNICA DE GONÇALO NOVAIS |
Um olhar sobre a fase de qualificação
Com Polónia e Ucrânia já apuradas na condição de anfitriãs, 51 países entravam em acção na fase de apuramento para nova fase final.
Duas fases iriam marcar o desenrolar desta etapa. Numa primeira fase, de grupos, os primeiros classificados de cada um dos nove grupos e o melhor segundo classificado teriam qualificação directa para a fase final, sendo que as quatro restantes vagas seriam ocupadas pelos quatro vencedores do «play-off», no qual estariam envolvidos, agrupados em quatro eliminatórias, os oito restantes segundos classificados.
No Grupo A, campanha impecável de uma renovada Alemanha, que tendo ainda o veterano Klose a manifestar excelente capacidade finalizadora, era sobretudo caracterizada por um colectivo jovem de enorme capacidade, com Podolski, Mario Gomez, Schurrle e Thomas Muller em grande evidência no processo ofensivo, com jovens como Khedira, Toni Kroos e Mesut Ozil a conferir grande qualidade à organização de jogo ofensivo a partir do meio-campo, com Lahm em destaque pelas suas incursões ofensivas e pela competência nas transições ataque-defesa, com a qualidade de desarme de Hummels a começar a despontar, e com a baliza bem entregue a Neuer. A Turquia conseguiu o apuramento para o «play-off», ganhando a sua disputa com a Bélgica, mas a uns bem longínquos treze pontos de atraso dos alemães, construídos em apenas dez jornadas.
Tecnicamente evoluída e refinada, mas já sem a qualidade de processos evidenciada com Guus Hiddink, a Rússia faria o suficiente para, de novo comandada por um holandês (Dick Advocaat), selar mais uma presença numa fase final. Arshavin e Pavlyuchenko ainda eram homens de grande importância numa equipa em que surgia na frente uma grande promessa do futebol russo – com apenas 20 anos, Dzagoev era já um destaque pela qualidade técnica do seu drible, competência no aproveitamento de espaços concedidos pelas defesas adversárias para a criação de perigo, e capacidade finalizadora, tendo marcado quatro golos durante a campanha de apuramento. Na defesa usufruía-se da organização defensiva trazida pelos experientes jogadores do CSKA Moscovo, sendo de sublinhar a afirmação, talvez um bocadinho tardia, da enorme competência criativa de Shirokov ou da “veia goleadora” de Kerzhakov. A República da Irlanda teria de se contentar com o segundo lugar, pagando pela derrota caseira frente aos russos em Dublin.
O Grupo 3 não foi muito difícil para os italianos, novamente com uma enorme qualidade no processo defensivo, e também não dispondo de adversários suficientemente fortes para lhe criar grandes problemas. O defesa-central Chiellini, o médio-defensivo Montolivo e o avançado Giuseppe Rossi eram as novidades mais jovens de uma equipa em que Buffon ou Pirlo mostravam um nível de excelência do alto da sua veterania. Talvez o grande destaque do grupo deva ser atribuído à Estónia, que mesmo sem grandes figuras no futebol internacional, afastou as mais conceituadas Sérvia ou Eslovénia do «play-off».
A grande penalidade marcada por Nasri aos 77’ daria em Saint-Denis (Paris) o empate de que a França necessitava para se apurar directamente para a fase final, em jogo realizado em casa, claro está, frente à Bósnia e Herzegovina. Líderes franceses e vice-líderes bósnios ficariam apenas separados por um ponto, numa campanha gaulesa onde além de Nasri, a França lança na equipa principal Benzema, Loic Rémy, Diaby, Gourcouff, Adil Rami ou Clichy, por exemplo.
O Grupo E qualificou duas equipas directamente. A Holanda, que venceu nove dos seus dez jogos, contraria a sua tradição de apresentação de jovens e promissores talentos, dado que apresentam um «núcleo duro» que transita de campanhas anteriores (Sneijder, van der Vaart, van Bommel, van Persie, Huntelaar ou Kuyt). A Suécia, com oito vitórias e apenas duas derrotas, foi a melhor segunda classificada, e tendo em comum com os holandeses a vasta experiência de elementos importantes, provenientes de campanhas passadas (Ibrahimovic, Kallstrom, Sebastian Larsson, Mellberg, Isaksson ou Elmander), numa equipa em que as novidades foram o jovem central Lustig (Celtic) e Wernbloom (CSKA Moscovo), hoje jogadores bastante competentes nos mesmos clubes.
Orientada por Fernando Santos, actual seleccionador nacional, a Grécia consegue o apuramento, preservando a sua tradição de consistência defensiva e qualidade dos contra-ataques, superiorizando-se à Croácia que, ao perder em solo helénico na penúltima jornada, se vê forçada a ir aos «play-offs».
No Grupo G qualifica-se a Inglaterra, sem no entanto ter mostrado um futebol de encantar. Com processos de jogo relativamente simples e previsíveis apesar da presença de atletas de indiscutível qualidade, os britânicos acabariam comodamente à frente do Montenegro, que iria aos «play-offs». Era o regresso dos britânicos a uma fase final, quatro anos depois de terem sido os grandes ausentes.
Mais emocionante e cheio de surpresas foi o Grupo H, no qual a Dinamarca supera Portugal e Noruega e passa directamente à fase final. Tremida, muito tremida, foi a campanha portuguesa, com Ronaldo, Nani e Hélder Postiga a serem as principais figuras de uma equipa que muito tinha que trabalhar defensiva e ofensivamente, com várias lacunas que conferiam perspectivas pouco optimistas em relação a um eventual apuramento para a fase final.
Quatro anos após a conquista europeia, a Espanha mantinha a sua qualidade colectiva de jogo altíssima, com os jogadores do Barcelona e o seu «tiki-taka» a serem os pilares de um modelo de jogo assente na elevada qualidade da circulação de bola, na capacidade de manutenção da posse da mesma, no permanente assumir da iniciativa de jogo, e na imprevisibilidade dos movimentos de ruptura para finalização. Um colectivo fortíssimo, que não deu hipótese à concorrência, liderada por uma República Checa conformada com a segunda posição.
As últimas quatro vagas
Apurados os dez que se qualificaram directamente a partir da fase de grupos, e estando desde o início em fase de espera os anfitriões Polónia e Ucrânia, quatro «play-offs» seriam jogados para definir os quatro contendores que restariam.
Normalmente emocionante, esta fase foi pelo contrário precocemente resolvida em três das quatro eliminatórias, ainda na primeira mão. Em Ankara Olic, Mandzukic e Corluka fixam o «score» de uma categórica vitória (3-0) que levaria a selecção liderada por Slaven Bilic à fase seguinte da competição. Igualmente evidente foi a vitória da República da Irlanda no terreno da surpreendente Estónia (4-0), que assim vê esfumar-se o seu sonho. E apesar de vitória mais modesta em casa (2-0), os checos bateriam novamente Montenegro em Podgorica (1-0), vencendo de forma evidente a eliminatória.
Apenas o Bósnia-Portugal levou a sua decisão para a segunda volta, após um nulo no sempre difícil Bilino Polje, em Zenica. No Estádio da Luz a selecção nacional arranca contudo uma das melhores e mais aguerridas exibições daqueles anos, conseguindo imprimir uma qualidade e uma intensidade ao seu processo ofensivo que colocou em evidência algumas limitações defensivas dos bósnios, que ainda tiveram de jogar em inferioridade numérica a partir dos 53 minutos, após expulsão de Lulic. Com um bom arranque, Portugal chegaria aos 25 minutos já a vencer por 2-0, após golos de Ronaldo e Nani. Na conversão de uma grande penalidade, Misimovic reduz perto do intervalo, colocando alguma indefinição quanto ao resultado final. Aos 53 minutos aparece novamente Cristiano Ronaldo a repor a vantagem de dois golos, mas os bósnios, reduzindo a vantagem portuguesa aos 65’ por Spahic, mantinham os portugueses sob pressão, que só seria aliviada quando Hélder Postiga, aos 72 e 82, bisava na partida, com Miguel Veloso a completar o resultado final com um golo aos 80’, entre os dois golos marcados pelo actual ponta-de-lança do Rio Ave. A selecção da Bósnia teria de aguardar mais dois anos pela sua estreia absoluta na fase final de uma grande competição internacional, tendo estado presente no Brasil, mas teima em continuar de fora da fase final de um Europeu, no qual não irá novamente participar em França.
Domínio espanhol na última fase final realizada
Era mais uma organização conjunta, na qual a UEFA pretendia fazer da edição de 2012 um símbolo da tentativa de fazer da região mais oriental da Europa a sede dos palcos nos quais grandes decisões teriam lugar. Ao mesmo tempo, procurou promover-se o potencial turístico dos dois anfitriões, que aproveitaram a fase final para mostrar à Europa e ao Mundo bonitas cidades como as polacas Varsóvia, Wroclaw, Gdansk ou Poznan, e as ucranianas Kiev, Kharkiv, Lviv e Donetsk.
O primeiro anfitrião a entrar em campo no Grupo A foi a Polónia, que apesar de superior em termos de qualidade, viu alguns acontecimentos condicionarem a sua possibilidade de se estrear da melhor maneira. A “estrela” Lewandowski ainda inaugurou o marcador, mas Salpingidis empataria o encontro, num desafio que terminou com duas expulsões (uma para cada lado) e um penalty falhado pela Grécia que lhe podia ter dado a vantagem no encontro, falhado por Karagounis. Ainda na primeira jornada, uma competente Rússia, inspirada no seu processo ofensivo, bateria de forma concludente a República Checa (4-1), com Dzagoev, Shirokov e Pavlyuchenko em lugar de destaque.
Na segunda jornada os checos refazer-se-iam da goleada sofrida, conquistando uma importante vitória sobre uma pouco brilhante Grécia (2-1), numa jornada marcada pelos violentos confrontos entre adeptos russos e polacos na outra partida do grupo, que acabaria empatada a uma bola. De nada valeria, apesar de tudo, tanto entusiasmo, uma vez que as vitórias por uma bola a zero de checos e gregos contra russos e polacos, respectivamente, atiraria mesmo a anfitriã Polónia e a Rússia para fora da competição.
Meritória foi mesmo a campanha de Portugal no fortíssimo Grupo B, onde além de ter pela frente Holanda e Dinamarca, teria de se estrear diante da renovada e forte equipa da Alemanha, em jogo que os portugueses acabariam por perder, com golo solitário de Mario Gomez. No entanto a combatividade dos portugueses acabaria por disfarçar a escassez de soluções ofensivas e mesmo de qualidade no processo ofensivo, ajudando ao alcance de duas meritórias vitórias frente à Dinamarca (3-2) e Holanda (2-1), em dois jogos muito equilibrados, mas perante uns dinamarqueses com deficiências na sua organização defensiva e uns holandeses animicamente destruídos por duas derrotas nas duas primeiras jornadas. A Alemanha acabaria o grupo invicta, com Mario Gomez a ser o herói de Kharkiv frente à Holanda (2-1), e Podolski e Bender a serem os autores dos golos que derrotaram a Dinamarca (2-1).
Os dois últimos campeões do Mundo estavam no Grupo C, e passaram os dois à fase seguinte. Itália e Espanha estrearam-se na fase final precisamente uma contra a outra, empatando o desafio a uma bola, com Fabregas e Di Natale a marcarem os golos do desafio. Nos dois jogos seguintes, os espanhóis imporiam a sua maior qualidade a irlandeses (4-0) e croatas (1-0), de nada valendo a estes últimos a inspiração finalizadora de Mandzukic, uma vez que acabaram o grupo atrás da Itália, que empataria igualmente com a Croácia na segunda jornada, antes de vencer a República da Irlanda no jogo decisivo.
O Grupo D esteve pautado pela indecisão até à última jornada, com a Inglaterra, após empate na ronda inaugural contra a França, a conseguir levar a sua jovem equipa aos «quartos», com duas vitórias pela margem mínima diante da Suécia (3-2) e Ucrânia (1-0). Com processos de jogo de uma qualidade não muito alta, a França passaria à fase seguinte com apenas uma vitória contra os ucranianos, tendo mesmo perdido na última jornada frente a uma já eliminada Suécia, que mais uma vez mostra ter um colectivo que, em termos de qualidade de jogo, mostra ter dificuldade em explorar a capacidade desportiva de um jogador de excelência como Ibrahimovic, ou de competentes jogadores como Sebastian Larsson, Kallstrom ou Elmander.
Seria a 21 de Junho que, em Varsóvia, Portugal teria a honra de inaugurar os quartos-de-final, num jogo contra a República Checa que invocou recordações passadas, nomeadamente de 1996, em que os checos sairiam vencedores. Mas desta vez os papéis seriam invertidos, e coube a Cristiano Ronaldo, com um forte e bem colocado cabeceamento em resposta ao excelente cruzamento de João Moutinho a dar a vitória à selecção nacional, que mais uma vez chegaria às meias-finais de um Europeu.
A Alemanha faria o mesmo caminho dos portugueses, eliminando uma Grécia que conservava a eficácia e qualidade dos seus contra-ataques, mas que revelava um défice de agressividade e de capacidade de ocupação adequada de espaços defensivos, o que a impossibilitou de discutir a passagem contra os germânicos. Lahm, Khedira, Klose e Reus marcaram os golos da vitória alemã, com Samaras e Salpingidis a fazerem os dois golos de despedida dos gregos.
Apesar de ter que se aplicar, a Espanha também venceria a França, com os dois golos de Xabi Alonso a fixarem o «placard», num resultado escasso para a demonstração de maior superioridade dos espanhóis em termos de qualidade de jogo.
A pragmática e defensivamente bem organizada Itália faria valer a qualidade do seu processo defensivo na hora de levar o nulo até às grandes penalidades, onde mais uma vez a Inglaterra voltaria a cair oito anos depois, exactamente na mesma fase da competição e da mesma forma.
Nas meias-finais os transalpinos voltariam a fazer cair uma selecção com maior qualidade de jogo. Tendo Buffon e Balotelli como grandes figuras da equipa, nem a grande penalidade marcada por Ozil já aos 90 minutos impediu a eliminação dos alemães, aos pés de uma Itália que conseguiu neutralizar as diversas iniciativas de jogo da poderosa jovem equipa alemã, que mostrou qualidade para chegar mais longe. No outro jogo, o duelo ibérico saldou-se por um jogo equilibrado e de grande exigência, no qual pouco faltou para que a combatividade, a eficácia defensiva e a qualidade das transições ofensivas rápidas dos portugueses não levaria por pouco Portugal a uma nova final oito anos depois. Teriam de ser as grandes penalidades a enviar a comitiva nacional de regresso a casa, com Fabregas a marcar o penalty decisivo.
Na final de Kiev, arbitrada pelo português Pedro Proença, a imprevisibilidade e auto-organização do processo ofensivo da Espanha, aliado a um domínio avassalador da intensidade do jogo e à conservação segura da posse de bola, projectou os homens de Vicente del Bosque para um jogo tranquilo, onde os golos foram aparecendo em correspondência com o domínio verificado dentro das quatro linhas. David Silva (14’), Jordi Alba (41’), Fernando Torres (84’) e Juan Mata (88’) foram os autores dos golos que marcaram a segunda conquista consecutiva da Espanha, que levantaria pela segunda vez consecutiva o troféu de campeã europeia, naquela que é a terceira conquista europeia dos nossos vizinhos, que aparecem em 2016 com uma equipa suficientemente forte para prosseguir com o seu reinado europeu. Será que o vão conseguir?
Nota: Este artigo foi realizado graças à informação facultada publicamente pela UEFA, no seu site oficial.
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