sábado, 7 de maio de 2016

PARA CÁ DO MARÃO

JORGE NUNO
O dito popular “Para lá do Marão, mandam os que lá estão” [na ótica de quem vive no litoral] poderá ter alimentado a ideia generalizada – e o ego de alguns transmontanos – com toda a carga simbológica que representa, que devido ao seu isolamento de longos séculos, com difíceis acessos, isso remetia-os para uma sensação de poder e de “independência”, sendo implícita a rejeição do poder centralizado da muito afastada capital do país. E foi esse poder centralizado que, por demasiado tempo, pareceu desconhecer a realidade e as necessidades “para lá do Marão”, agudizando o fosso entre o litoral e esta região do interior.

Em boa hora, em plena monarquia, nos anos de 1885 e 1886, o ministro Emídio Navarro, com a tutela das pastas das Obras Públicas, Comércio e Indústria, deu indicações para se avançar “com o estudo de todas os caminhos de ferro de via estreita na zona de Trás-os-Montes”, que viria a dar origem, anos mais tarde, às linhas do Douro, Tâmega, Corgo, Tua e Sabor. Foram obras gigantescas, em termos de esforço orçamental, para um país muito debilitado economicamente. Mas também é certo que foram obras que vieram facilitar a vida às populações próximas de tais vias e desenvolver a região e o próprio país, já que permitia o escoamento de variados produtos, com incidência nos produtos agrícolas e nos provenientes da extração mineira e florestal. Nos anos oitenta, do século passado, tudo se desmoronou, por opção política e desinvestimento neste tipo de infraestruturas, levando a novo retrocesso e a algum marasmo, aqui e ali com algumas iniciativas autárquicas pontuais dignas de registo, já em plena democracia, como que a querer reavivar a ideia do citado dito popular.

Foi este território apelidado de “Reino Maravilhoso”, pela mão e genialidade de Miguel Torga, que referiu nos seus escritos “(…) De repente, rasga a crosta de silêncio uma voz de franqueza desembainhada: Para cá do Marão, mandam os que cá estão!... [claro, na ótica de um transmontano] Sente-se um calafrio. A vista alarga-se de ânsia e de assombro. Que penedo falou? Que terror respeitoso se apodera de nós? Mas de nada vale interrogar o grande oceano megalítico porque o nume invisível ordena: - Entre!

A gente entra e já está no Reino Maravilhoso.”

Hoje, precisamente neste sábado, é inaugurada uma importante obra que fura, durante cerca de seis quilómetros, o “oceano megalítico”. Eu chamar-lhe-ia “encrespado e tortuoso oceano megalítico”, ao centrar a atenção na conhecida Estrada Nacional 15, quando tinha necessidade de a percorrer, acompanhando aquele serpentear na Serra do Marão. É certo que vai perder a importância estratégica que deteve durante imensos anos, e que deixarei de ver, lá bem no alto, aquela panorâmica inesquecível de cortar a respiração. Apesar das derrapagens orçamentais, das peripécias que levaram à suspensão das obras e a que tivessem uma duração final de sete anos… também é certo que, a partir de domingo, o Túnel do Marão passa a ter um importante papel na aproximação entre o litoral e o interior transmontano, mesmo com a decisão das portagens definidas por quem está “para lá do Marão” [na ótica de um transmontano].

Acredito que, com este túnel, não fará mais sentido continuar-se a debater e a rebater: “Para lá…” ou “Para cá do Marão (…)!”

Outra coisa também acredito: quando atravessar o túnel no sentido Porto – Vila Real, irei lembrar-me sempre que estou a entrar no Reino Maravilhoso! E pensar como Torga: “Esta terra é a própria generosidade ao natural. Como um paraíso, basta estender a mão”.

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