DR «MAISFUTEBOL.IOL» CRÓNICA DE GONÇALO NOVAIS |
Um longo percurso até à aventura de 2000
Pela primeira vez na história da competição, seriam dois os anfitriões do mesmo evento, havendo portanto duas selecções previamente qualificadas para a fase final. Os restantes 14 contendores seriam os 9 primeiros classificados dos 9 grupos de qualificação, o melhor dos segundos, e os restantes quatro eram apurados de quatro «play-offs», disputados entre os oito segundos classificados ainda não apurados.
No Grupo 1 a Itália, sem encantar, teve em jovens como Del Piero, Inzaghi, Buffon, Fabio Cannavaro ou Panucci, e num processo defensivo formado por bons jogadores e bem trabalhado, a razão fundamental do seu sucesso num grupo em que, apesar de tudo, foi perseguida bem de perto pela Dinamarca e pela Suíça, sendo que os dinamarqueses até venceram no seu jogo derradeiro os transalpinos fora de portas (3-2), apesar de essa vitória já praticamente não permitir a retirada da liderança à “squadra azurra”.
Praticamente impecável foi a campanha do primeiro apuramento da Noruega, no Grupo 2, para a fase final de um Europeu. Foi a campanha em que se evidenciaram dois talentos emergentes que já jogavam em bom nível na liga inglesa, os avançados Solskjaer (Manchester United) e Tore André Flo (Chelsea). A Eslovénia fica com o segundo lugar.
Sem surpresas, a campeã europeia Alemanha, mostrando a sua habitual eficácia concretizadora e processos bem trabalhados, vence o Grupo 3, com a Turquia a conseguir tranquilamente o segundo lugar. Trata-se de uma selecção germânica competente mas sem grande magia e beleza estética no seu jogo, ainda com veteranos como Lothar Matthaus ou Oliver Bierhoff, a tentarem esconder o facto de a Alemanha não ter lançado propriamente nenhum jovem talento ou um conjunto de novos jovens talentos durante um ciclo desportivo de quatro anos, não estando provavelmente em tão boa forma como em edições anteriores.
Vinda de uma fantástica conquista do título mundial, a grande França teve de se aplicar para evitar cair logo na fase de apuramento – é preciso sublinhar aqui que após a derrota gaulesa em Paris contra a Rússia (2-3) e o empate na Ucrânia (0-0), os franceses só mantiveram o primeiro lugar do grupo pois no último jogo entre Rússia e Ucrânia o jogo terminou empatado, quando qualquer uma das duas, caso tivesse ganho, teria passado directamente à fase final. Numa defesa que deixou algo a desejar, valeu o génio de Zidane e a competência no processo ofensivo de jovens como Patrick Vieira, Robert Pires ou Nicolas Anelka, com Djorkaeff ainda como o principal finalizador lá na frente.
Algo distanciado da exuberância exibicional de 1994, a Suécia manteve uma competência defensiva altíssima que lhe permitiu dominar à mesma o Grupo 5 a grande distância da Inglaterra e da Polónia, com Henrik Larsson como figura de destaque de uma campanha em que a Suécia sofreu apenas um golo em oito jogos.
Igualmente claro foi o domínio da Espanha no Grupo 6, munida de um ataque demolidor, onde não só o avançado do Real Madrid Raúl se sagrou o melhor marcador de toda a fase de qualificação, numa selecção valorizada pela experiência de Hierro, Guardiola ou Luis Enrique, e onde iam despontando jovens valores como Michel Salgado ou Morientes. Para a história, fica um impressionante registo de 42 golos marcados em oito encontros, numa campanha em que as deslocações a Espanha foram um autêntico inferno para os adversários. Que o digam a Áustria, sujeita a uma tremenda humilhação (0-9), São Marino (derrota também por 0-9), ou o Chipre (que saiu vergado por oito golos sofridos sem resposta).
No Grupo 7, apura-se a líder Roménia e o melhor segundo classificado Portugal, num jogo cuja liderança foi decidida nos jogos disputados entre si, com a Roménia a surpreender os portugueses com um golo ao cair do pano por Munteanu nas Antas, e com um empate a uma bola em Bucareste que não alterou a disposição final da classificação. A campanha portuguesa foi apesar de tudo muito positiva, na qual, além da derrota e do empate supracitados, Portugal venceu sete encontros e empatou apenas mais um, numa selecção que surgia com a sua “Geração de Ouro” na sua máxima forma. Além do experiente Munteanu, a Roménia iria levar ao Euro’2000 um influente médio de transição Constantin Galca (em bom nível no Espanhol), começando a aparecer outros jogadores de maior margem de progressão como Ganea (Estugarda), Ilie (Valência) ou Moldovan (Fenerbahçe), em bom plano nesta fase.
O Grupo 8 fica marcado pelo regresso da Jugoslávia a uma fase final passados 16 anos. Óptima oportunidade para ver nos grandes palcos alguns bons futebolistas do país em bom plano na liga italiana – Stankovic, Mijatovic, Kovacevic ou Mihajlovic – numa equipa em que também era opção regular o extremo do FC Porto Drulovic. Surpresa para o afastamento da Croácia, que tão boa impressão deixara em 1996 e ficara em 3º lugar no Mundial de 1998.
No Grupo 9, o “carrasco” de Portugal em 1996, a República Checa, não podia ter feito qualificação mais irrepreensível. Dez vitórias em dez jogos dão uma imagem esclarecedora de uma selecção com um sector ofensivo recheado de talento e competência que hoje qualquer adepto de futebol recorda com alguma saudade. Era sempre um prazer ver homens como Poborsky, Nedved, Berger, Smicer ou o gigante Koller a jogarem juntos e a espalhar o pânico nas defesas adversárias.
Olhemos agora para a fase de «play-off», na qual oito vice-líderes dos seus grupos iriam discutir as quatro vagas que ainda restavam.
Numa delas a Dinamarca não teve dificuldade em acabar com o sonho israelita, numa eliminatória que ficou logo resolvida em Tel Aviv na primeira mão. Jon Dahl Tomasson (com dois golos), Tofting, Martin Jorgensen e Brian Nielsen foram os autores de uma expressiva goleada (5-0), completada com três golos sem resposta no jogo da segunda mão.
A Turquia não precisou de ganhar nenhum jogo para se apurar para a sua segunda fase final consecutiva. Um golo de Havutçu no empate na República da Irlanda (1-1), juntamente com um nulo em casa, levaram os turcos à fase final, por força do desempate através dos golos marcados fora de casa. Pela segunda vez Hakan Sukur ia ser a “estrela” de uma equipa que tinha evoluído bastante em termos de qualidade colectiva, e onde já surgia no meio-campo um tecnicamente muito evoluído médio-ofensivo Okan Buruk, também ele um jogador muito interessante.
A Eslovénia também garantiu perante a Ucrânia a sua primeira, e até agora única presença na fase final de um campeonato europeu, com Zahovic (antigo jogador do FC Porto, Benfica e Guimarães) a ser de longe a mais destacada figura da selecção. A magra vitória caseira (2-1) foi bem gerida pelos eslovenos na Ucrânia, bastando o empate a uma bola na segunda mão para garantir nova estreia em Europeus.
O duelo britânico entre Escócia e Inglaterra era o embate mais aguardado destes «play-offs», e o primeiro jogo era dificílimo, em terreno escocês. A Inglaterra, rejuvenescida para melhor, com uma geração de novos futebolistas de bastante qualidade, tinha apenas Seaman e Shearer como representantes da veterania regularmente utilizados por Kevin Keagan. Mas acabaria por ser um dos jovens, de nome Paul Scholes, a dar uma vitória fundamental aos ingleses com um «bis» sem resposta. No Wembley, Don Hutchinson reduziria a desvantagem na eliminatória e criaria um grande desconforto nas bancadas, que se agudizava com a falta de inspiração dos ingleses. Deve ter sido um alívio quando Pierluigi Collina levou o apito à boca, e deu por finalizado um encontro que acabaria com uma vitória escocesa (1-0), mas com a Inglaterra na fase de grupos do Euro’2000.
Rumo à Bélgica numa grande campanha lusa
Entre os dias 10 de Junho e 2 de Julho as 16 apuradas chegavam pela primeira vez a um campeonato europeu co-organizado, situação que se viria a repetir em 2008 e 2012. As cidades holandesas de Amesterdão, Roterdão, Eindhoven e Arnhem, bem como as belgas Bruxelas, Bruges, Liège e Charleroi iriam acolher outro grande evento futebolístico, quarenta anos depois da primeira edição.
O Grupo B é que abriu a competição, com a Bélgica a estrear-se da melhor forma, com uma vitória sobre uma Suécia mais apagada do que o esperado (2-1). Com Henrik Larsson surpreendentemente no banco (entraria apenas aos 50’), Bart Goor e Émile Mpenza seriam os autores dos golos belgas, enquanto Mjallby seria o autor do golo de honra sueco. No outro jogo a pragmática Itália vence discretamente uma combativa e interessante Turquia (2-1), com Okan Buruk, Hakan Sukur e Sergen Yalçin a mostrarem uma evolução competitiva relevante na equipa turca. Na segunda jornada, os golos de Totti e Fiore selariam a passagem da Itália aos «quartos» (2-0) sobre a Bélgica, até porque Turquia e Suécia empataram a zero no outro jogo.
Sem contemplações, a Itália, mesmo apurada, venceria o terceiro jogo frente à Suécia, novamente pela margem mínima (2-1), e os turcos estragariam a possibilidade de comemoração dos belgas, que nem precisavam de estar surpreendidos pois a Turquia tinha jogadores e equipa de qualidade. Entraria em cena Hakan Sukur, que com dois golos colocava a Turquia nos quartos-de-final.
Bem melhor esteve, no Grupo D, a outra anfitriã, a Holanda, que num grupo bem complicado, contou por vitórias todos os jogos realizados, qualificando-se a par da França. No primeiro jogo Frank de Boer marcou o golo solitário da equipa “laranja” só aos 89 minutos, e de penalty. Já a França superiorizou-se de forma mais clara, vencendo numa exibição consistente a Dinamarca (3-0), jogo em que se começou a destacar um jovem avançado do Arsenal, de nome Thierry Henry, que apontou um golo juntamente com Laurent Blanc e Sylvain Wiltord.
Na segunda jornada franceses e holandeses garantiriam o apuramento graças a vitórias sobre a República Checa e Dinamarca respectivamente, e no último jogo a Holanda, num bonito jogo de futebol, venceria o duelo contra a campeã mundial França (3-2), quando chegou a estar a perder duas vezes. Mas uma boa segunda parte dos homens orientados pelo antigo internacional Frank Rijkaard deu o primeiro lugar do grupo à “Laranja Mecânica”, fazendo a festa com os gauleses.
No Grupo C, a Espanha começaria a sua bem-sucedida campanha com um “susto”, acabando derrotada pela Noruega em Roterdão (0-1), num golo de Iversen que teve a assistência do guarda-redes Myhre. Num jogo bem mais emocionante, Jugoslávia e Eslovénia empatariam a três bolas, com o nosso bem conhecido Zahovic a justificar o seu grande estatuto na equipa, batendo por duas ocasiões o antigo guarda-redes portista, o gigante Kralj.
Na segunda jornada, não fosse o golo ao cair do pano de Joseba Etxeberria, e talvez a Espanha ficasse em apuros nas contas finais do grupo. Assim, graças a esse golo, acabou por conseguir uma vitória suada (2-1), com o outro golo dos espanhóis a ser marcado por Raúl, e o golo esloveno a ser da autoria da “estrela” Zahovic. Frente à Noruega, a Jugoslávia daria um passo importante rumo à continuidade da prova com um golo solitário do artilheiro Milosevic. Na derradeira jornada, a Espanha garantiu o primeiro posto após vitória em mais um excelente espectáculo diante da Jugoslávia (4-3), com os dois últimos golos dos espanhóis a serem apontados para lá dos noventa minutos de jogo! Ao empatarem a zero no outro jogo, Eslovénia e Noruega terminam a sua participação.
Costuma-se dizer que o melhor fica para o fim, e de facto a prestação portuguesa neste Europeu foi do melhor que já vimos de Portugal em todo o historial da selecção nas diversas edições. A extraordinária reviravolta no jogo inaugural diante da Inglaterra (acompanhada de um golo particularmente assombroso de Figo), o “ajuste de contas” frente à Roménia (vitória por 1-0), e o «hat-trick» de Sérgio Conceição na lição dada à irreconhecível Alemanha são imagens marcantes do mais do que justo vencedor da prova. E quem acompanhou a esquadra lusitana foi a Roménia, que derrotou (3-2) os ingleses em Charleroi, com um golo de Ganea de grande penalidade aos 89’, quando já se pensava que seriam os ingleses a passar aos «quartos». Grupo, portanto, de “semi-surpresas”, em que duas potências do futebol europeu ficam de fora ainda na fase de grupos.
A partir dos quartos-de-final: objectivo Roterdão
No dia 24 de Junho seria precisamente Portugal a dar o pontapé de saída da nova etapa do certame, tendo pela frente a Turquia. Não foi fácil travar a combatividade e o ímpeto ofensivo dos turcos, que ainda criaram alguns apuros à defesa portuguesa e obrigaram Vítor Baía a boas intervenções. Nem mesmo quando o central Alpay é expulso após meia hora de encontro a Turquia deixa de procurar criar perigo. No entanto, já Portugal começava a libertar-se da pressão a que chegara a ser sujeito, sendo o golo de Nuno Gomes reflexo disso mesmo, aos 44 minutos. Sem deitarem a toalha ao chão, os homens de Mustafa Denizli ainda beneficiaram de uma grande penalidade aos 45’, mas Vítor Baía superiorizou-se a Arif Erdem. Depois volta a intervir Nuno Gomes, aos 56 minutos de jogo, a marcar o tento da tranquilidade, no adeus turco à prova.
Idêntico resultado conseguiria a Itália frente à Roménia. Muito fortes defensivamente, os italianos revelaram-se eficazes no aproveitamento de espaços defensivos para cavar a diferença no marcador, graças aos golos de Totti e Inzaghi.
No jogo mais desnivelado dos «quartos», Kluivert e Overmars foram os principais obreiros da tremenda goleada aplicada pela excelente equipa holandesa sobre a Jugoslávia (6-1), cujo goleador Milosevic não deixaria a prova sem fazer um último golinho.
Dramático foi em Bruges o França-Espanha. Depois de golos franceses de Zidane e Djorkaeff, e golo espanhol de Mendieta, Raúl falharia uma grande penalidade aos 89’ que poderia ter levado o jogo para prolongamento. Estava assim encontrado o novo adversário de Portugal na fase seguinte.
Nas meias-finais não se poderia pedir mais drama. Em Amesterdão, a tremenda falta de aproveitamento das oportunidades de golo leva a uma mais do que justa eliminação de uma Holanda que, com um jogador a mais desde os 34 minutos de jogo (expulsão de Zambrotta), e tendo toda a iniciativa de jogo, conseguiu falhar duas grandes penalidades no tempo regulamentar e mais três no desempate por grandes penalidades, onde foi herói o guardião Francesco Toldo.
No outro jogo, França e Portugal protagonizaram um grande jogo de futebol, provavelmente uma final antecipada entre as duas melhores equipas da prova. Ao golão de Nuno Gomes na primeira parte responde um oportuno Henry, aproveitando os poucos metros de espaço de que dispôs para finalizar com sucesso, respondendo da melhor maneira ao cruzamento de Anelka. Já no prolongamento, uma mão na bola de Abel Xavier na grande-área dá a Zidane a oportunidade perfeita de evitar que o jogo fosse desempatado antes da marcação de grandes penalidades. Vitória dos franceses, num jogo em que qualquer das equipas fez o que pôde para passar a eliminatória.
Não desiludiu a final de Roterdão. Num jogo bem disputado entre as duas equipas, os golos também não defraudaram. Aos 55 minutos Totti lança Pessotto pela direita, que com um primoroso cruzamento rasteiro serve Delvecchio, que finaliza com um remate forte e de primeira, sem hipótese para Barthez. Quando a Itália estaria prestes a festejar a conquista do título, Wiltord aproveita o facto de a defesa de Itália não conseguir neutralizar uma investida do ataque francês, e com pleno sentido de oportunidade bate Toldo com um remate cruzado. Já no prolongamento as honras da autoria do golo decisivo iriam para Trezeguet, que responderia com um golo de belo efeito ao cruzamento do luso-francês Robert Pires, após uma excelente iniciativa individual deste. Festa para os franceses e desalento para os italianos, num bonito final de um campeonato europeu muito bem disputado, e onde a “Geração de Ouro” deixaria uma grande marca na história da competição.
Ao soar do apito final, todos os caminhos iriam desembocar a partir de então no nosso país, naquela que seria a edição seguinte do certame.
Nota: Este artigo foi realizado graças à informação facultada publicamente pela UEFA, no seu site oficial.
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