RUTE SERRA |
Uma das mais prementes ameaças à sustentabilidade da biodiversidade dos ecossistemas, à segurança nacional (ambiental, humana e económica) e ao desenvolvimento económico, reside no tráfico de vida selvagem. Com efeito, este comércio transfronteiriço ilegal é já considerado o terceiro maior negócio ilícito do mundo, no âmbito do qual todos os anos será transacionado um volume financeiro considerável.
Constitui-se assim um autêntico desafio global, que urge, de modo concertado, debelar. A ignorância dos consumidores, a impavidez dos governos e a inércia dos controlos oficiais, contribuem fortemente para o incremento substancial da atividade ilegal. Aquela que Garrett Hardin, em 1968, denominou a “tragédia dos bens comuns”, ao referir-se à ação autónoma, e de acordo com interesses privados, dos indivíduos, condenando assim ao esgotamento, um recurso comum, acorre como uma premissa fundamental, no combate à precariedade das condições de vida das gerações vindouras.
Na definição de tráfico de vida selvagem – verdadeiro crime ambiental – incluem-se atividades como o comércio ilegal, a captura ou coleção de espécies em vias de extinção ou protegidas, a caça furtiva, o contrabando. A demanda crescente dos consumidores, seja para fins medicinais (com incidência na procura desbragada de chifre de rinoceronte), alimentares, entretenimento ou decoração, a par dos elevados lucros gerados, associados ao baixo risco, justificam que este se tenha tornado num dos mais rentáveis ilícitos praticados.
Em 2012 as Nações Unidas reconheceram pela primeira vez, o tráfico de vida selvagem como uma ameaça ao Estado de Direito. Por outro lado, a União Europeia (UE) continua a ser o maior mercado de destino de produtos ilegais de vida selvagem, apresentando ainda uma tendência crescente na procura, de acordo com a EUROPOL. Para tal, contribuem fortemente os reduzidos níveis de sanções aplicadas. A regulação desta problemática na UE existe através de um conjunto extensivo de normativos, dos quais se destacam o Regulamento (CE) n.º 338/97, relativo ao comércio da fauna e da flora selvagens, o Regulamento (UE) n.º 995/2010, relativo à madeira, o Regulamento (CE) n.º 1005/2008, contra a pesca ilegal, a Diretiva 2009/147/CE, relativa à conservação das aves selvagens, e a Diretiva 92/43/CEE, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens.
Em fevereiro deste ano, a Comissão Europeia adotou um plano de ação, para combater o tráfico de animais selvagens na UE e reforçar o papel daquela, na luta mundial contra estas atividades ilegais.
Os instrumentos jurídicos europeus conformam-se às disposições da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES), ou Convenção Washington, cujo objetivo é garantir que o comércio internacional de cerca de 35 000 espécies protegidas de animais e plantas não ameaça a sua sobrevivência e à qual o Estado Português aderiu em 1980. Nessa sequência, foi publicada legislação nacional, que assegura a execução daquela Convenção – Decreto-Lei nº 211/2009 de 3 de setembro.
A natureza das sanções previstas é, porém, de cariz contraordenacional. Com efeito, não está tipificado nem no Código Penal, nem tampouco em legislação penal extravagante, o crime de “tráfico ilegal de vida selvagem” quo tale. A única referência existente, no nosso ordenamento jurídico, àquele crime, é a que consta do artigo 2º do Decreto-Lei nº 65/2003 de 3 de abril, referente ao mandado de detenção europeu, e que inclui o tráfico da vida selvagem, nos crimes onde este é aplicado.
Por isso, encontramos apenas a previsão do artigo 278º do Código Penal – “danos contra a natureza”, que, não obstante, restringe-se à previsão e punição do comércio de espécies protegidas. Consultadas as Estatísticas da Justiça, verifica-se que no ano de 2015, foram registados em território nacional apenas 153 inquéritos de “danos contra a natureza”, cujo bem jurídico protegido é, ainda assim, mais amplo que o tráfico de vida selvagem. Por outro lado, constituirá um crime aduaneiro, o “contrabando” de espécies protegidas, atendendo às disposições conjugadas dos artigos 92º e 97º, alínea g), do Regime Geral das Infrações Tributárias.
Em Portugal são várias as entidades policiais e com competências de fiscalização, que se dedicam ao combate a este fenómeno. Desde 1999 que a UE, através da Diretiva 2008/99/CE, (relativa à proteção do ambiente através do direito penal), requer que todos os Estados-Membros garantam que o comércio ilegal de vida selvagem seja considerado uma infração penal no âmbito da lei nacional e exige que aqueles apresentem sanções penais efetivas, proporcionais e dissuasivas. Nem todos têm, contudo, cumprido este desiderato.
Se queremos continuar a ver tartarugas nas Galápagos, rinocerontes e elefantes na Gorongosa, (ainda que apenas através do “National Geographic”) e permitir que estes animais continuem a contribuir para a sustentabilidade da vida na Terra, encetemos esta missão comum: protege-los.
Park Douro Selvagem - Douro Birds congratula-se com intenção de Rute Serra
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