segunda-feira, 9 de maio de 2016

ORANGO: A ILHA EM QUE REINAM AS MULHERES E OS HIPOPÓTAMOS SÃO SAGRADOS

JOANA BENZINHO
A Guiné-Bissau guarda em si talvez o maior tesouro natural dos tempos modernos. Um arquipélago de cerca de 90 ilhas – o Arquipélago dos Bijagós - entre o Atlântico e a costa deste país situado na África Ocidental, classificado em 1996 como reserva da Biosfera da UNESCO.

Chegar aqui não é fácil, aliás, nunca foi, talvez por isso conservem tanta beleza e tão intacta. Se hoje, as dificuldades se prendem com escassez de meios marítimos que nos permitam ir até lá de forma segura e pouco dispendiosa, no tempo em que a Guiné era ainda uma colónia, estas ilhas dos Bijagós governadas pela Rainha Okinka Pampa, uma verdadeira heroína nacional, que se dizia andar sobre as águas, foram um verdadeiro bico de obra para os portugueses. Os Bijagós, conhecidos por ser um povo guerreiro e do mar, sempre defenderam os seus domínios e eram temidos por quem aqui queria fazer-lhes frente, tendo sido os últimos no território a capitular perante o jugo colonialista. 

A Rainha Okinka Pampa era originária de Orango, a ilha mais distante do continente, onde ainda hoje se pode visitar o seu Mausoléu e a sua descendência ainda reina. Entre os Bijagós, etnia que povoa o arquipélago e que representa pouco mais de 2% da população guineense, o regime matriarcal é a regra. Aqui, é a mulher que escolhe o o marido, que toma a decisão do divórcio, fica com a guarda das crianças, dita o início e o fim das colheitas, tem a propriedade das terras e, no fundo, regula toda a vida social da comunidade. 
HIPOPÓTAMOS ORANGO
É nesta Ilha de Orango que habita uma comunidade de cerca de 200 hipopótamos marinhos, merecedores de uma especial atenção. Este simpático mamífero, que nos faz esquecer por momentos ser um dos maiores causadores de mortes humanas em África, convive paredes meias com habitantes da ilha e os campos de arroz que até há bem pouco tempo teimava em invadir para dar um gostinho ao dente. Esta ousadia, estava aliás a colocar em causa a coabitação saudável pois colheitas inteiras eram devastadas e a segurança alimentar das gentes colocada em perigo, mas agora, tudo voltou ao normal com a colocação de vedações a proteger os arrozais (bolanhas). De assinalar neste contexto a particularidade de os Bijagós, um povo de fortes crenças animistas, considerar o hipopótamo um animal sagrado, a quem não podem afrontar ou matar. Conta a lenda que um habitante da ilha ousou ferir um hipopótamo na boca com uma lança e a desgraça acabou por lhe bater à porta aquando do nascimento do seu filho, portador de uma deficiência localizada no mesmo local em que este homem tinha ferido o hipopótamo. 

A chegada a Orango, seja pela praia ou percorrendo os canais de mangais que nos levam até ao interior da ilha, é um momento inesquecível. A paleta de cores, composta pelo azul das águas, o branco do extenso areal, o verde, muito verde, dos mangais e da vegetação ribeirinha, animada pelo canto das aves que aqui encontram um habitat rico em tudo o que necessitam, fica-nos para sempre gravada na memória. 

No percurso que nos leva do mar até ao coração da ilha e à Lagoa de Anôr que serve de lar aos hipopótamos, a paisagem convida a um passeio demorado que permita absorver sem cerimónia todos os cheiros, os sons e as imagens que a retina pode captar. Não é raro encontrar um ou outro “lagarto” (crocodilo) a tomar banhos de sol na margem de um lago sem prestar grande atenção a quem passa, um agricultor na tradicional queimada a preparar os campos para a sementeira, ou crianças entre algumas brincadeiras e a ajuda reclamada pelos adultos nas tarefas agrícolas e do dia a dia. E eis-nos finalmente chegados a este pequeno paraíso da vida animal, escondido no meio do Atlântico. Esta lagoa, pintada aqui e ali por nenúfares é casa de dezenas e dezenas de hipopótamos que alertados pelo ruído da nossa chegada, emergem pachorrentamente das águas para contemplar as visitas, de forma mais ou menos desinteressada. Um espetáculo único, que pode ser apreciado a partir de um posto de observação em madeira, ali instalado, numa perfeita harmonia entre o nosso mundo e o mundo selvagem.

Ao longo da ilha, os trilhos desenhados pela pesada passagem dos hipopótamos, que podem pesar entre 1 a 2 toneladas são notórios. Explica um responsável deste Parque Natural de Orango que estes, com os corpos infestados de sanguessugas apanhadas na lagoa, se dirigem até ao oceano ao cair do dia para se deliciarem com um banho de água salgada que tem a particularidade de os livrar destes bichos incomodativos. Aliás, uma característica específica dos hipopótamos marinhos Bijagós é o facto de tanto morarem em terra e nas suas lagoas de água doce, como no mar onde são capazes de percorrer grandes distâncias entre as ilhas do Arquipélago, apenas necessitando de vir a terra para beber água doce.

A visita a Orango constitui uma experiência única, altamente recomendável a todos os corações sensíveis. Acreditem. É que ali ainda mora uma natureza em estado totalmente puro capaz de nos encher a alma.

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