quinta-feira, 26 de maio de 2016

ORIENTAÇÕES COMPETITIVAS

GONÇALO NOVAIS
Nesta viagem pelo mundo fascinante da motivação, não deixo de sublinhar três aspectos que, presentes nos artigos anteriores, ajudam a introduzir o tema deste artigo:

a) A motivação é SEMPRE um processo – não existe forma alternativa de a trabalhar adequadamente;

b) Para que o processo motivacional tenha qualidade, é necessário ter presente quais os objectivos de realização de todos os envolvidos no processo;

c) Normalmente os indivíduos apresentam uma propensão ou tendência para se sentirem mais mobilizados no sentido da prossecução de tipos específicos de objectivos, havendo os que se mobilizam mais em prol de objectivos de resultado, e outros de objectivos de performance.

Peguemos no ponto c) e juntemos-lhe uma observação que fiz no artigo anterior, na qual refiro que “, o treinador tem autoridade para tomar decisões, nomeadamente no sentido de implementar um processo motivacional que julgue mais adequado às características e necessidades formativas e pedagógicas dos seus desportistas.”. O que aqui quero transmitir, ao juntar estes dois pontos, é que o treinador, como líder técnico, tem a responsabilidade de definir um determinado processo motivacional que, embora nunca desfasado do conhecimento dos objectivos de realização dos desportistas e demais envolvidos no processo, possa não corresponder necessariamente ao tipo de objectivos que mais mobilizam os mesmos.

Dito de uma forma mais prática para exemplificar o que aqui acabei de escrever, imagine-se um treinador que principia uma época desportiva tendo à sua disposição uma equipa cuja esmagadora maioria dos jogadores define como o principal objectivo de realização para a temporada a conquista do título de campeão da competição em que a equipa está envolvida. No entanto, após a primeira semana de trabalho, o treinador percebe que esses mesmos jogadores, e a equipa no seu todo, apresentam graves lacunas na capacidade de pôr em prática os princípios ofensivos e defensivos específicos da modalidade praticada pela equipa em questão. E agora eu pergunto: será que o treinador, como responsável pela condução do processo, não deve ter uma decisão a tomar no sentido de definir prioridades e objectivos mais adequados à necessidade formativa desta sua equipa? Será que o treinador deve incentivar a conquista de títulos sem que veja na sua equipa o desenvolvimento de características e competências necessárias para tal? Será que não deve exercer uma certa autoridade no sentido de ajustar os objectivos de realização dos seus jogadores e equipa às possibilidades e necessidades da mesma?

Aquilo que eu penso é que SIM, o treinador DEVE fazer valer a sua autoridade no sentido de, como responsável pela condução do processo desportivo, intervir na definição do rumo do processo motivacional em função das necessidades que ele perceba na equipa ou nos atletas sob a sua liderança. Isto não invalida, DE MANEIRA NENHUMA, que possamos admitir que, afinal de contas, os objectivos de realização das pessoas que lideramos num processo de trabalho sejam negligenciáveis, bem pelo contrário. Desconhecer e negligenciar os objectivos de realização daqueles que lideramos constitui o primeiro passo para a falta de qualidade do nosso processo motivacional, que emergirá rapidamente mal os resultados e o rendimento desportivo não sejam os desejados.

No entanto, antes de tomar qualquer decisão sobre o processo motivacional que se está a desenvolver, há que conhecer vários factores associados a este processo, como sejam os objectivos de realização, as percepções de competência, os envolvimentos motivacionais e um outro factor, a abordar neste artigo, ao qual se dá o nome de orientação competitiva.

O que é a orientação competitiva?

É nada mais nada menos do que uma predisposição para abordar situações de natureza competitiva com um tipo específico de envolvimento, seja com o ego, seja com a tarefa.

As orientações competitivas caracterizam-se pela sua relativa durabilidade e estabilidade, mas também pelo facto de serem passíveis de ser trabalhadas e modificadas em função das exigências do contexto. Embora possam ser trabalhadas, é necessário reter que as orientações competitivas não se alteram de um momento para o outro, sendo parte importante da forma como o desportista estrutura o desenvolvimento da sua prática desportiva.

Existem dois tipos de orientação competitiva, que são a orientação para a tarefa(orientação competitiva está canalizada para o aperfeiçoamento da qualidade da execução da tarefa ou conjunto de tarefas) e a orientação para o ego (orientação competitiva canalizada para a obtenção de resultados e performances de qualidade superior relativamente aos demais praticantes), podendo haver muitos casos nos quais características de ambos os tipos estejam presentes em simultâneo.

As orientações competitivas trazem consigo numerosas implicações em vários aspectos, que podemos analisar separadamente para cada uma das orientações.

Eis as implicações da orientação para a tarefa:

● PERCEPÇÃO DE COMPETÊNCIA- tendência para conceber a competitividade baseada numa percepção de competência auto-referenciada; prioridade é a expressão de mestria na execução das tarefas propostas; maior conhecimento em torno das potencialidades e limitações que apresenta.

● CRENÇAS SOBRE AS CAUSAS DO SUCESSO- crença de que o esforço e o trabalho árduo são fundamentais na obtenção de sucesso, percepção especialmente importante nos estádios iniciais de desenvolvimento desportivo, no qual o esforço e a persistência no trabalho realizado podem conduzir à melhoria da performance; valorização da cooperação e trabalho árduo como bases sustentadoras do sucesso e da competência apresentada.

● OBJECTIVOS DA PRÁTICA- associados à crença de que os objectivos da prática são a promoção da auto-estima, integração social, mestria na prática de uma modalidade específica, encorajamento da implementação de um estilo de vida fisicamente activo e saudável, e estimulação de valores pró-sociais como a responsabilidade social, cooperação, e o respeito pelas normas e regras sociais implementadas.

● AFECTOS E INTERESSE INTRÍNSECO- mais experienciação de sentimentos como o divertimento, satisfação com a prática e vontade de continuar envolvido com a prática; fontes de satisfação são a expressão de mestria e o compromisso e o envolvimento com a modalidade em si.

●ANSIEDADE- menor probabilidade de surgimento de ansiedade pré-competitiva, ansiedade cognitiva e/ou somática, menor preocupação com aspectos irrelevantes no âmbito da tarefa a executar, menos probabilidade de abandonar a prática, e menos receio do erro ou da crítica externa; orientação associada a uma maior capacidade de manutenção da concentração e de utilização de estratégias de coping efectivas, em contexto de alta competição.

● ESFORÇO E PERFORMANCE- mais esforço dispendido na melhoria da qualidade da execução nas tarefas, sendo que tal esforço corresponderá a uma maior persistência no alcance de um nível de competitividade cada vez mais aproximado de níveis de excelência; recolha de informação e instrução considerada relevante no sentido de ajudar a melhorar a qualidade de execução.

●FUNCIONAMENTO MORAL- melhor funcionamento moral ao nível de aspectos específicos como o julgamento moral de diversas situações, o «fair-play», o respeito pelas normas e valores éticos e morais instituídos; menos agressividade; de notar o maior respeito e cumprimento das regras.

Já as implicações da orientação para o ego:

● PERCEPÇÃO DE COMPETÊNCIA- estes atletas orientados para o ego sentem-se competentes quando se comparam favoravelmente em relação aos outros atletas da mesma modalidade, o que faz oscilar a sua percepção de competência, pois os resultados dos outros também oscilam; menor capacidade para perceber o sucesso e a sua competência, pois essa varia com os resultados obtidos; o dispêndio de esforço é variável, podendo ser alto quando o atleta está fortemente empenhado em superar os opositores e obter bons resultados, ou baixo quando o atleta não se percebe a si próprio como capaz de alcançar os objectivos de realização previamente definidos.

● CRENÇAS SOBRE AS CAUSAS DO SUCESSO- a perspectiva destes atletas está associada à crença de que o sucesso é alcançado através da expressão de um alto nível de qualidade e de utilização de estratégias "sujas", ilícitas, como "engraxar" o treinador ou tentar impressioná-lo, através da expressão de comportamentos que visem tentar chamar a atenção do treinador.

● OBJECTIVOS DA PRÁTICA- os atletas querem obter por intermédio do desporto estatuto social, popularidade, mobilidade social (alargamento de horizontes pessoais e profissionais), mentalidade competitiva, e superioridade em termos de qualidade relativamente aos outros.

● AFECTOS E INTERESSE INTRÍNSECO- menos frequência na vivenciação de sentimentos como o prazer e o divertimento na prática das modalidades; fontes de satisfação são a demonstração de superioridade e sucesso no sentido normativo do termo e a capacidade de ajudar atletas e treinadores na resolução de certos problemas práticos; menos experienciação de afectos considerados positivos como a satisfação, o divertimento, a felicidade e o bem-estar subjectivo e psicológico.

● ANSIEDADE- atletas orientados para o ego podem vivenciar maiores ou menores níveis de ansiedade cognitiva e somática consoante a existência de valores maiores ou menores de percepção de competência (quanto maior a percepção de competência, menores índices de ansiedade cognitiva e somática); a orientação para o ego está positivamente relacionada com maiores índices de ansiedade-estado e ansiedade-traço, com ansiedade cognitiva manifestada sob a forma de preocupação, com níveis de actividade fisiológica superiores aos recomendáveis, e com perdas de concentração durante a competição.

● ESFORÇO E PERFORMANCE- estabelecem uma diferenciação entre esforço e performance, sendo que regulam o esforço dispendido na execução das tarefas mediante os resultados obtidos, dispendendo apenas o esforço necessário para ganhar jogos. Contudo, no caso de estes atletas apresentarem uma P.C. Baixa, a regulação dos níveis de esforço dispendido é pouco relevante, pois os atletas têm medo da respectiva exposição a situações competitivas; as oscilações de esforço e persistência face aos desafios e obstáculos, aliada à falta de estabilidade de aspectos emocionais e motivacionais ligados à performance desportiva dos atletas, condiciona negativamente a qualidade e a evolução qualitativa da performance desportiva dos atletas, que por norma é inferior à apresentada pelos atletas orientados para a tarefa.

● FUNCIONAMENTO MORAL- menos «fair-play»; maior agressividade; pior funcionamento moral; menos respeito pelas normas e convenções, bem como pelos agentes do jogo; comportamentos desadaptativos mais frequentes em indivíduos do sexo masculino; não é a cultura competitiva que está na origem destes comportamentos mais desadaptativos, mas sim a própria forma de o atleta se envolver com o contexto competitivo no qual se integra.

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