Primeira fase: a projecção holandesa e a surpresa vinda de Gales
GONÇALO NOVAIS |
No Grupo 1, quem visse o jogo inaugural da Checoslováquia na fase de grupos nunca imaginaria a campanha de tremendo sucesso desta equipa até ao desfecho da competição. Com efeito, os 3-0 com que a Inglaterra brindaria os checoslovacos em Wembley auguravam uma campanha promissora que poderia levar os britânicos aos «quartos» sem grandes problemas. Nada disso se veio a verificar. Dois empates contra Portugal e derrota em Bratislava colocaram os ingleses no segundo posto da classificação final do grupo. Os checoslovacos aplicaram-se para tentar anular os efeitos deste percalço final, apenas empatando em solo lusitano no Estádio das Antas e vencendo, com uma regularidade acima de qualquer suspeita, os restantes quatro jogos.
No Grupo 2, o País de Gales estava apostado em mostrar dentro de campo vontade de, à semelhança da Inglaterra, querer tornar-se um digno representante das ilhas britânicas nas fases finais das grandes competições internacionais. Numa selecção onde se destacavam o médio do Wrexham Arfon Griffiths e o avançado do Liverpool John Toshack, o começo da campanha também ficou marcado por uma derrota na Áustria. Os cinco jogos seguintes, no entanto, acabaram todos com vitórias galesas, que empurraram para a eliminação não apenas os austríacos, como também a Hungria e o Luxemburgo. Destaque para o húngaro Tibor Nyilasi, avançado do Ferencvaros, que foi o segundo melhor marcador de toda a fase de grupos.
No Grupo 3, claro domínio da Jugoslávia. É certo que não havia uma «estrela» que conseguisse cintilar à medida de um Dzajic (que também participou na fase de grupos), mas o colectivo e os princípios de jogo bem trabalhados estavam lá. Irlanda do Norte (já com George Best em curva descendente), Suécia e Noruega não tiveram hipóteses face a uma adversária que ganhou cinco dos seis desafios.
Num Grupo 4 difícil, valeu à Espanha a irregularidade de Roménia e Escócia, que perderam demasiados pontos para equipas que não só tinham aspirações a algo mais, como até conseguiram sair de Espanha sem serem derrotadas. O problema é que a Roménia empatou cinco dos seis desafios, e a Escócia perdeu em casa frente aos espanhóis, que contra a Dinamarca aproveitaram para, com duas vitórias, consolidarem o primeiro lugar no grupo.
No Grupo 5 a “Laranja Mecânica” de Johan Cruijff, Neeskens ou Rensenbrinck parecia querer projectar-se finalmente nos campeonatos europeus, já que nos Mundiais essa afirmação fora conquistada dois anos antes com a chegada à final de 1974. A campanha no grupo não foi fácil para os holandeses, que perderam dois dos seus seis encontros. Porém, a irregularidade da Polónia e o pouco brilhantismo da Itália, também com bastantes pontos perdidos, facilitaram o acesso dos holandeses aos quartos-de-final, coroado com uma vitória por 3-0 frente à Polónia em Amesterdão.
No Grupo 6 nem a inspiração do irlandês Don Givens (autor de 8 golos na fase de grupos) impediu que a URSS chegasse à fase seguinte. Com um conjunto de opções que incluíam vários jogadores de alto nível (destacar a qualidade dos mais experientes Viktor Kolotov e Vladimir Onisjenko, e o aparecimento do jovem Oleh Blokhin), e apesar de não ter a categoria de outrora, a turma soviética aproveitou a dependência irlandesa do seu maior goleador, e o facto de Turquia e Suíça ainda não estarem a um nível que lhes permitisse lutar pelo apuramento, para fazer valer a sua maior consistência, equilíbrio e maior número de opções de bom nível para conseguir o apuramento.
No Grupo 7 a Bélgica faz valer a sua veterania para conseguir, sem brilho mas com eficácia, impor-se num grupo que continha também a República Democrática Alemã, a França e a Islândia. Foi um grupo algo nivelado por baixo em termos qualitativos, formado por quatro equipas inconsistentes, e no qual a vencedora também pouco mais longe iria chegar.
A campeã europeia RDA impôs-se no Grupo 8, numa campanha que apesar de tudo não foi um passeio, com três vitórias e três empates nos seis jogos disputados. Jupp Heynches assumiu na ausência de Gerd Muller a função de “matador”, numa equipa em que o guarda-redes Sepp Maier, o líbero Beckenbauer ou o avançado Herbert Wimmer continuavam, entre muitos outros, a garantir a grande competitividade desta selecção. Uma palavra de consideração para a Grécia, que ficaria no segundo lugar final, à frente da Bulgária.
A primeira vez da Holanda e queda da URSS
Dos quatro jogos dos quartos-de-final, o confronto entre dois campeões de edições anteriores, Espanha e RFA, seria o duelo de maior cartaz de entre um leque de desafios aliciantes. Na primeira mão, realizada no Vicente Calderón, Santillana abriu o activo logo no primeiro minuto de jogo, mas valeu aos germânicos a eficácia de Erich Beer para garantir o empate com que se partiu para o segundo jogo. Em Munique Uli Hoeness e Klaus Toppmoller, com um golo cada um, recolocam a RFA na fase final para tentar a revalidação do título.
Pela primeira vez de fora ficou a URSS, caindo perante a Checoslováquia, que em Bratislava começou por bater os soviéticos por dois golos sem resposta graças aos tentos de Medvid e do bem conhecido Panenka, tendo Medvid continuado inspirado em Kiev, marcando os dois golos que deram um tão importante empate a duas bolas, com sabor a vitória.
Após Rensenbrick (com um «hat-trick»), Wim Rijsbergen e Neeskens terem “esmagado” a Bélgica em Roterdão, o jogo em Bruxelas serviu apenas de confirmação da primeira presença de sempre da “Laranja Mecânica” na fase final de um campeonato europeu. A Bélgica ainda se adiantou aos 27’ por Roger van Gool, mas Johnny Rep (62’) e Johan Cruijff (78’) deram nova vitória aos holandeses.
Por fim, saudar o regresso da Jugoslávia a uma fase final, deixando pelo caminho o País de Gales. Em Zagreb, os jugoslavos construíram uma vantagem muito importante, com Vukotic e Popivoda a darem à sua selecção uma vantagem de dois golos para gerir na segunda mão. Em Cardiff os jugoslavos manteriam essa vantagem algo confortável, com Katalinski a marcar o golo inaugural da partida para os forasteiros. O máximo que os galeses conseguiram foi empatar por intermédio de Ian Evans, empate a uma bola que se manteve até ao final do jogo.
Herói Panenka na festa da Checoslováquia
Entre 16 e 20 de Junho de 1976, Zagreb e Belgrado recebiam quatro contendores de grande qualidade, todos eles merecedores da chegada à fase final, e dos quais se podiam esperar momentos de bom futebol.
A prova começaria com um emocionante e polémico Checoslováquia-Holanda em Zagreb, no qual o defensor do Slovan Bratislava Anton Ondrus marcaria os dois golos do tempo regulamentar. O problema é que um deles foi na baliza indesejada, daí a necessidade de prolongamento. A Holanda já jogava com dez desde os 76’ por expulsão de Neeskens, e viu a sua tarefa a complicar-se quando aos 114’ Zdenek Nehoda marca o 2-1 para os checoslovacos. Passado um minuto Wim van Hanegem é expulso e a Holanda passa a jogar com nove. Vesely dá o golpe de misericórdia à Holanda aos 119’, fazendo o 3-1 final, ele que já tinha feito a assistência para o segundo golo da sua equipa.
No dia seguinte, em Belgrado, a competitiva Jugoslávia prometeu uma grande festa durante a primeira parte, com Popivoda e o já suspeito Dzajic a darem uma vantagem de dois golos à sua equipa. Na segunda parte, contudo, a história foi outra. Heinz Flohe reduziu a desvantagem alemã aos 65’, e a partir daí foi hora de “Show Muller”, Dieter de seu nome e não o mais conhecido Gerd. Tendo entrado aos 79’ para substituir Herbert Wimmer, o avançado do Colónia marca o 2-2 apenas um minuto depois de ter entrado. O prolongamento teve-o como grande protagonista e autor de dois golos que deram o apuramento alemão para a final.
No jogo de atribuição da «medalha de bronze» a Holanda conquista o terceiro lugar num confronto renhidíssimo com a selecção da casa Jugoslávia. Num jogo sem muito público, os holandeses chegaram a usufruir de uma vantagem de dois golos por força dos golos de Ruud Geels (27’) e Willy van de Kerkhof (37’). Katalinski ainda facturaria antes do intervalo, e Dzajic empataria aos 83’. Mas Rudd Geels estava apostado em brilhar, e fê-lo com a autoria de mais um golo, aos 107’, que deu o terceiro lugar à selecção holandesa.
A 20 de Junho tem lugar então a grande final, com a RFA a aparecer como clara candidata à revalidação do título. Mas foram os checoslovacos que se começaram a impor em Belgrado, com Jan Svehlik e Karol Dobias a apontarem os dois primeiros golos do encontro, quando ainda não estavam decorridos 25 minutos de encontro. Dieter Muller reduziria aos 28’ para a RFA, e o médio ofensivo Bernd Holzenbein impediria a festa checoslovaca com um golo bem perto dos 90’, o que viria fazer com que a final da prova não destoasse dos outros três jogos desta fase, todos eles empatados no final do tempo regulamentar.
Foi preciso chegar aos penalties para decidir o vencedor, e aqui o herói, imortalizado até hoje, foi Antonín Panenka, que com um penalty marcado em jeito, com um ligeiro toque por baixo do esférico, engana completamente Sepp Maier e dá a vitória e o título à Checoslováquia, que beneficiou da grande penalidade falhada por Uli Hoeness na quarta penalidade. O «score» final foi de 2-2 (5-3 após penalties) favorável à Checoslováquia.
A participação portuguesa no Euro’ 1976
Aos portugueses restou a consolação, se é que a houve, de no rescaldo da prova verificarem que ficaram pelo caminho diante da nova campeã europeia, que até perdeu pontos no nosso país.
Mas comecemos pela primeira jornada, onde Portugal tinha logo uma deslocação bastante difícil, nada mais nada menos do que ao carismático Wembley. Apesar do claro favoritismo dos ingleses, e do domínio absoluto exercido no jogo, o nulo foi o surpreendente resultado final, mas por muito boa que tenha sido a exibição de Damas e por muita que fosse a frustração inglesa, o certo é que o resultado talvez tenha sido o único motivo de festejo, porque a exibição talvez mostrasse que não seria fácil a Portugal ombrear com selecções do calibre da Inglaterra ou da Checoslováquia.
O desastre veio na ronda seguinte, onde Damas foi impotente para travar o poderio ofensivo dos checoslovacos e para esconder as debilidades defensivas lusitanas. Bicovsky e Nehoda bisaram em noite de festa em Praga, com Petras a marcar o outro golo da vitória expressiva (5-0) com que os checoslovacos brindaram os portugueses, praticamente arredando-os da luta efectiva pela passagem à fase seguinte.
A primeira vitória surgiu na deslocação ao Chipre, onde o talentoso avançado do Benfica Nené e o seu colega de equipa Moinhos marcaram os dois golos da vitória lusa em solo cipriota. Para Moinhos, este seria o seu único golo ao serviço do nosso país, em todos os sete jogos realizados na “equipa de todos nós”.
O empate a uma bola nas Antas diante da Checoslováquia arrumou com as já reduzidas esperanças de passar esta fase. Ondrus inauguraria o marcador aos 6’ e Nené empataria dois minutos depois. Uma semana depois, seria a vez de Alvalade ver a selecção portuguesa quase a surpreender a Inglaterra, onde Kevin Keagan aparecia como um dos jogadores mais proeminentes da selecção na altura. A equipa nacional orientada por José Maria Pedroto ainda fez sonhar Alvalade com o 1-0 apontado por Rui Rodrigues aos 15’, mas o avançado do Southampton Mick Channon igualaria a contenda aos 42’. O jogo acabaria empatado a uma bola.
No jogo de encerramento da campanha portuguesa, recepção ao frágil Chipre no Bonfim (Setúbal), já em clima de mera formalidade, em que Portugal cumpriu a sua obrigação graças a um golo solitário de João Alves aos 20 minutos.
Não era de facto um grupo fácil para fazer história, contrariamente a grupos anteriores em que Portugal, até por força da presença de uma geração de grandes futebolistas que encantou o Mundo em Inglaterra, teve melhores condições para o conseguir. Mas o mais preocupante era a já aparente grande dificuldade de Portugal, mesmo orientado por um dos melhores treinadores portugueses da história, ser capaz de ombrear competitivamente com as melhores selecções da época.
É claro que a esperança, já na altura como agora, era sempre a última a morrer, e o futebol é sempre dado a surpresas. Porém, ainda se teria de aguardar uns longos oito anos para que finalmente Portugal regressasse aos grandes palcos internacionais. Ainda havia, portanto, muito para sofrer, antes da regularidade da presença portuguesa nas grandes decisões, à qual estamos tão acostumados nos nossos dias.
Nota: Este artigo foi realizado graças à informação facultada publicamente pela UEFA, no seu site oficial.
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