DR UEFA CRÓNICA DE GONÇALO NOVAIS |
Um Europeu no contexto de uma Europa em transformação
Entrava-se numa nova campanha europeia no meio de um ambiente agitado a nível político, que iria moldar muito daquilo que é o retrato actual da geografia e política do continente. Face a uma União Europeia em crescimento permanente, assistia-se ao colapso da grande potência soviética e a queda do Muro de Berlim traz consigo a unificação de duas selecções, RFA e RDA, agora debaixo do mesmo emblema, já em acção nesta fase de qualificação. Outro acontecimento tenebroso na história europeia tem início em Abril de 1992, com a Guerra da Bósnia a ter implicações no próprio Europeu, com a então apurada Jugoslávia a ter que ceder o seu lugar à Dinamarca.
A qualificação para o Euro’ 92 ficou marcada pelo primeiro apuramento da Escócia, que após tantos anos de tentativas frustradas, consegue impor-se num grupo 2 apesar de tudo difícil e equilibrado, com Roménia, Suíça, Bulgária e o mais frágil São Marino. Os competentes médios do Leeds United Gordon Strachan e Gary McAllister, juntamente com os preciosos contributos dos valiosos elementos do dominador absoluto do campeonato escocês Glasgow Rangers (Andy Goram, Stuart McCall ou Ally McCoist), e sem esquecer os muito capazes finalizadores Gordon Durie (Tottenham) ou John Robertson (Hearts), formaram o núcleo de uma equipa com algumas figuras de proa com ainda alguma margem de progressão pela frente.
No Grupo 1 quem passa é a França, que oito anos depois da conquista do título europeu, dizima a concorrência no grupo, conquistando um fantástico pleno de vitórias, não dando grandes esperanças à Checoslováquia ou à apagadíssima Espanha. O grande médio do “quadrado mágico” Luis Fernandez, agora com 30 anos e a jogar no Cannes, ainda era um importante jogador de uma selecção onde começavam a brilhar a grande altura Laurent Blanc, Didier Deschamps e Éric Cantona, mas onde a grande figura foi o avançado do Marselha Jean-Pierre Papin, que apontou 9 golos em toda a campanha.
Na sua despedida definitiva dos relvados europeus, a URSS faz no Grupo 3 uma campanha de excelente nível, voltando a reencontrar a Itália, que eliminara na fase final do Euro’ 88. Mostrando uma competência defensiva assinalável, os soviéticos mostraram-se com uma equipa de qualidade acrescida no que ao seu processo ofensivo diz respeito – com efeito, a juntar aos já excelentes Mykhaylychenko, Aleinikov e Protasov, surgiam os benfiquistas Yuran e Kolkov, e o incontornável Mostovoi, que iniciava o seu excelente percurso internacional numa selecção, numa carreira que também passaria pelo clube da Luz. Tendo soviéticos e italianos empatado a zero os jogos entre si, acabaria por ser o maior número de empates e a derrota transalpina na Noruega (1-2) a ditar o apuramento soviético.
É curioso constatar que foi por força das implicações de um pavoroso conflito bélico que se criaram as condições para a ocorrência de uma das maiores surpresas dos campeonatos europeus. No Grupo 4 foi a Jugoslávia que garantiu o primeiro lugar, mas foi a Dinamarca a chegar ao Europeu, por força da não participação dos jugoslavos, a braços com um grave conflito armado. Mas que não se pense que estes dinamarqueses caíram na fase final por obra e graça de forças sobrenaturais! Uma selecção que tinha à disposição um guarda-redes da categoria de Peter Schmeichel, os talentosíssimos irmãos Laudrup (Michael e Brian), ou avançados como Bent Christensen ou Flemming Povlsen (ambos em bom plano no campeonato alemão), não era uma equipa a desconsiderar, e da qual se podia esperar futebol de bom nível. Talvez tenha sido essa a percepção de Michael Laudrup que, insatisfeito com o segundo lugar no grupo, assumiu que não voltaria a representar o seu país enquanto a selecção continuasse a ser orientada por Richard Moller Nielsen. Manteve-se irredutível mesmo quando a Dinamarca foi repescada à última da hora para substituir a Jugoslávia. Quanto à campanha em si, a Dinamarca foi a única equipa a levar de vencida a Jugoslávia (2-1) graças a dois golos de Bent Christensen em Belgrado. Tendo a Jugoslávia ganho já anteriormente em solo dinamarquês (2-0 favorável aos jugoslavos), acabaria por ser o empate da Dinamarca no terreno da Irlanda do Norte (1-1) a definir as contas finais do grupo, uma vez que à excepção da derrota em casa frente à Dinamarca, a Jugoslávia não perderia mais pontos.
No Grupo 5 o apuramento da Alemanha, agora unificada, chegou a estar “tremido” aquando da derrota em Gales (0-1). Os germânicos viriam contudo a rectificar o mau resultado com uma goleada em Nuremberga (4-1), numa selecção em que alguns dos seus melhores jogadores (Voller, Matthaus, Riedle, Thomas Doll, Andreas Brehme, Stefan Reuter ou Jurgen Kohler) militavam no então fortíssimo campeonato italiano.
No Grupo 6 a Holanda até começou da pior maneira a fase de grupos, quando saiu vergada do Estádio das Antas com uma derrota perante Portugal, por força de um golo solitário de Rui Águas. Porém, a irregularidade portuguesa nos jogos fora de casa (derrotas com a mesma Holanda e a Grécia, e empate na Finlândia) acabaram por dar aos holandeses (onde van Basten era figura num conjunto onde se ia destacando o promissor Dennis Bergkamp) a oportunidade de que necessitavam para impor a sua regularidade e subsequente presença na fase final.
Finalmente no Grupo 7 a Inglaterra, mesmo sem fazer uma campanha brilhante, acaba por usufruir dos muitos empates consentidos entre si pela República da Irlanda e Polónia (principais adversários no grupo) para, com 3 vitórias e outros tantos empates, numa selecção não muito brilhante, com Lineker a disfarçar alguma falta de magia, valendo pelo menos o aparecimento de alguns defensores que, não sendo necessariamente muito jovens, ainda tinham uma possível meia dúzia de anos de alto rendimento, casos dos arsenalistas Lee Dixon e Tony Adams, ou da dupla Stuart Pearce/Des Walker, vinda do Nottingham Forest.
Da repescagem ao título
Foi entre 10 e 26 de Junho que as cidades suecas de Estocolmo, Gotemburgo, Norrkoping e Malmo receberam uma competição que iria estar recheada de surpresas praticamente do início ao fim do evento.
A primeira surpresa ocorreu logo no jogo inaugural, quando a anfritriã Suécia impôs um empate à poderosa França, que vinha de uma fase de qualificação imaculada. E o escândalo não foi maior por força da veia goleadora de Papin, que aos 59’ restabelece a igualdade quando Jan Eriksson tinha inaugurado o marcador. Michel Platini, agora seleccionador francês, assistia seguramente desagradado com a perda de um ponto precioso num jogo que teoricamente estaria ao alcance dos franceses. No outro da primeira jornada do Grupo 1, dinamarqueses e ingleses protagonizaram um espectáculo discreto, no qual o nulo assentou muito bem.
À partida para a segunda jornada, ingleses e franceses saberiam que uma vitória podia ser decisiva para possibilitar a chegada às meias-finais. Mas a falta de inspiração completa de parte a parte, traduzida em mais um sensaborão 0-0, foi aproveitada da melhor forma pela Suécia, com Tomas Brolin a ser o autor do golo que permitiu aos suecos sonharem com umas meias-finais cada vez mais próximas.
O primeiro lugar sueco do grupo acaba por ser confirmado perante uma Inglaterra a precisar urgentemente de uma injecção de novos talentos de modo a reforçar a qualidade da equipa. David Platt ainda “gelou” as bancadas do Estádio Rasunda em Estocolmo, com um golo aos cinco minutos da primeira parte. Jan Eriksson e Tomas Brolin deram a “cambalhota” no marcador, em jogo de festa dos anfitriões, com a arbitragem a ter ficado a cargo do português José Rosa Santos. E quando se pensaria que a França ainda iria a tempo de rectificar as perdas de pontos nos dois jogos anteriores, eis que surgem Henrik Larsen e Lars Elstrup como os “heróis” de Malmo, de nada valendo o golo solitário de Papin. Sai ingloriamente de cena a selecção treinada por Platini, apontada a priori como uma das mais sérias candidatas ao título.
No Grupo 2 surge em substituição da URSS a CEI (Comunidade de Estados Independentes), estrutura que garantia a transição da antiga União Soviética para as múltiplas federações e selecções que, anteriormente afectos à URSS, iriam passar a existir doravante de forma independente, com estruturas e instituições próprias. A CEI terá sido a forma encontrada pela UEFA de garantir a participação de uma selecção que conquistou desportivamente o direito de estar na fase final.
Sem alguns jogadores importantes, como Mostovoi ou Protasov, a campanha da CEI até começou de forma positiva, com o empate frente à Alemanha (1-1), com o alemão Thomas Hassler a marcar o golo do empate aos 90’. No outro jogo, Dennis Bergkamp assume o papel de “artilheiro”, e é ele que, já perto dos dez minutos finais do jogo, faz o golo que derrota a Escócia.
Na segunda jornada, Riedle e Effenberg selam praticamente o destino da Escócia, que fica praticamente à beira da eliminação, valendo-lhe mais um empate entre a CEI e a Holanda para manter mínimas aspirações.
Bastaram os golos de Rijkaard, Witschge e Bergkamp na vitória (3-1) dos holandeses sobre a Alemanha, para nem a vitória escocesa sobre a CEI (3-0) impedir os britânicos de regressarem a casa mais cedo.
O sonho sueco terminaria nas meias-finais aos pés da Alemanha em Estocolmo. Um livre primorosamente marcado por Hassler (11’) e um remate certeiro de Riedle (59’) após cruzamento rasteiro de Sammer deram uma importante vantagem à Alemanha, que ainda assim se tornou menos cómoda por força da conversão eficaz de uma grande penalidade pelo insuspeito Tomas Brolin, à passagem dos 65 minutos de jogo. O suspiro de alívio chegou aos 89’, quando Riedle, numa excelente desmarcação após passe em profundidade de Helmer, fixaria o resultado em 3-1. Num final de jogo frenético, a Suécia ainda marcou aos 90’, mas o golo de Kennet Andersson não evitou a eliminação dos anfitriões, que ainda assim deixaram uma muito boa imagem.
Na outra meia-final, realizada em Gotemburgo, e com os olhos da Europa postos em van Basten e Bergkamp, a figura acabaria por ser o dinamarquês Henrik Larsen (não confundir com o Larsson sueco), que marcaria metade de todos os seus golos ao serviço da Dinamarca neste jogo, mais concretamente dois. Os holandeses, melhor trabalhados no processo ofensivo, não tiveram vida fácil perante os dinamarqueses, vendo-se em desvantagem no marcador em duas ocasiões. Contudo, Bergkamp e Rijkaard forçaram o empate no final do tempo regulamentar. Só nos penalties é que a eliminatória ficou decidida, ficando para a história a defesa de Peter Schmeichel ao penalty de um dos heróis de 1988 Marco van Basten, cabendo a Kim Christofte a marcação do 5-4 que arrumaria de vez a questão.
Com um seguríssimo Peter Schmeichel na baliza, e jogando “olhos-nos-olhos” com a poderosa Alemanha, a Dinamarca, que numa primeira fase do jogo conseguiu recuperar algumas bolas ainda no meio-campo germânico (comportamento que valeu aos dinamarqueses o lance da obtenção do primeiro golo, marcado por Faxe Jensen aos 19’), aproveitou o balanceamento ofensivo dos alemães para desferir alguns perigosos contra-ataques em direcção à baliza de Bodo Illgner. Esse espaço defensivo deixado pelos alemães criou a oportunidade para Kim Vildfort, num bonito lance individual, aninhar a bola pela segunda vez na baliza da Alemanha, consumando dessa forma uma das conquistas mais surpreendentes na história da competição.
A participação portuguesa no Euro’ 1992
Talvez um pouquinho mais de qualidade e consistência pudessem ter criado condições para Portugal ter surpreendido a própria Holanda, até tendo em conta alguns resultados verificados.
Na ronda inaugural Portugal de facto poderia ter feito melhor diante da Finlândia abrilhantada por Litmanen, não indo além de um empate a zero. Mas foi a grande vitória nas Antas sobre a Holanda (1-0), com os holandeses a jogar com van Basten, Bergkamp ou Gullit, que tornou o grupo mais interessante.
O problema foi que, depois de ter feito o mais difícil, Portugal volta a perder pontos fora de casa, com os golos de Rui Águas e Futre a não impedirem a derrota perante a Grécia, na capital Atenas.
E se os portugueses cumpriram a sua obrigação nos dois jogos contra a frágil Malta (1-0 fora e 5-0 em casa), a derrota em Roterdão (0-1) acaba definitivamente com as aspirações lusitanas, de nada valendo as vitórias caseiras pela margem mínima nos últimos desafios contra a Finlândia e a Grécia, ambas por 1-0.
Para a história fica a última eliminação de Portugal numa fase de qualificação. Não mais a nossa selecção deixaria de marcar presença nas fases finais do certame, que regularmente vão acabando com prestações bastante dignas.
Nota: Este artigo foi realizado graças à informação facultada publicamente pela UEFA, no seu site oficial.
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