quinta-feira, 8 de setembro de 2016

A VIOLÊNCIA DE SER JOVEM

HÉLDER BARROS
Corria o final da década de setenta em Amarante e dois jovens deslocavam-se de uma freguesia vizinha, para Fregim. Nada de anormal, numa altura em que as crianças eram muitas e se deslocavam a pé, diariamente, da escola para sua casa, ou para a de familiares, em qualquer freguesia do interior de Portugal. Um era mais novo e magrito, de cabelos entre o castanho e o loiro, o outro mais velho e mais alto, de cabelo negro, tinha um atraso cognitivo que não era percetível fisicamente. Os caminhos que mais não eram do que atalhos sulcados nos montes, então bem povoados de árvores, o que lhes conferia uma certa aura de mistério e de imensidão: caminhos de floresta.

Os irmãos viveram os seus primeiros anos na cidade do Porto e toda aquela ruralidade era algo inóspita para eles, de tal forma que, não conseguiam como os meninos da aldeia, trepar pinheiros, correr e saltar por entre bordas e montes, jogar à bola em qualquer pedaço de terreno improvisado, ter a força e a destreza deles em qualquer situação. Só brilhavam um bocadinho na Escola, onde a sua mundovisão era mais alargada, fruto de convivências precoces com livros, televisão, música, cinema; algo que não era tão comum na aldeia. E, é uma verdade científica largamente comprovada: o meio afeta as aprendizagens nas complexas imbricações mentais que o cérebro humano comporta e despoleta, perante os estímulos exteriores.

Na escola, no recreio, os dois irmãos era alvo de chacota fácil, pois não tinham, nem de perto, nem de longe, a capacidade e a destreza dos outros meninos, sendo praticamente humilhados em todos os jogos e brincadeiras mais rudes que se faziam então. Nas provas de confrontação pela força, os meninos da aldeia tiveram ali duas presas fáceis, pois que os dois irmãos não estavam habituados a tais níveis de agressividade, quer verbal, quer na dimensão física. Como os irmãos não se deixavam ficar, apesar de mais fragilizados, tinham que suportar as esperas fora da escola, com ameaças rudes, humilhações e atos de intimidação física. Quanto finalmente se libertavam daqueles apertos, fugiam às pedras que os rapazes da aldeia lhe mandavam, como balas disparadas de espingardas, usando fisgas, objetos que os primeiros nunca tinham visto.

No final da tarde, pelo caminho para Fregim, onde iam lanchar a casa de familiares, encontravam outros meninos de outras escolas existentes naquela altura, muito mais do que atualmente, sendo intercetados por rapazes que não conheciam, aqueles dois irmãos lá tinham que se defender da melhor forma possível das ameaças e das ofensas corporais e psicológicas, e, mal se libertassem do grupo, toca a correr, fugindo das pedradas. 

Segundo Thais Pacievitch “Bullying é um ato caracterizado pela violência física e/ou psicológica, de forma intencional e continuada, de um individuo, ou grupo contra outro(s) individuo(s), ou grupo(s), sem motivo claro.”. Foi necessário este estrangeirismo para descrever um fenómeno que sempre existiu, nos meios escolar e sociais, e que sempre fez sofrer pessoas, mormente, quando se está perante seres diferentes, com deficiências físicas e/ou cognitivas. Estávamos no inicio da década de oitenta, e, esses rapazes atuavam em grupo, sendo que, só um ou dois tentavam agredir de alguma forma, os dois irmãos e, as pedradas nunca eram mandadas na direção destes, sendo apenas para os assustar. Ademais, os dois irmãos depressa se integraram, com as suas provas de coragem a enfrentar uma ou duas criaturas mais cruéis e ficaram a gostar da escola e dos seus amigos, alguns para toda a vida.

Hoje, em pleno século XXI, e em que putativamente somos mais evoluídos, mas que até nas faculdades se vivem rituais que se dizem de integração dos caloiros, em que a humilhação e a degradação do ser humano atinge proporções, muitas vezes, catastróficas, será que estamos melhor?... Na minha experiência de vinte anos de docente do terceiro ciclo e ensino secundário, não posso estar muito otimista. A violência psicológica e física entre alunos é recorrente, as tecnologias criaram novas formas de assédio moral e não é raro ver alunos abandonados, sozinhos, solitários, no interior espaço escolar. E jovens já assassinam outros jovens com grande violência, por problemas de namoricos mal resolvidos! É igualmente de preocupar a violência verbal e até física entre alunos e Pais. Os velhos são maltratados pelas próprias famílias como não há memória. Quantos são abandonados em urgências de hospitais no período de férias dos familiares diretos?...

Ora, as crianças absorvem as primeiras noções de educação, as noções do Bem e do mal, no seio familiar. Numa casa sabemos que o desenvolvimento estrutural da sua construção, assenta nos bons alicerces que se fizeram previamente. A Escola tem na sociedade atual uma tarefa hercúlea: educar filhos, pais, e, às vezes avós que, coitados, têm muitas vezes que suportar a educação dos netos, pois os pais são ausentes, pelos mais diversos motivos: emigração, toxicodependência, prostituição, desemprego, pobreza, etc.. Há alunos que não se conseguem adaptar a turmas e a escolas, por motivos de Bullying. Algo que é muito difícil de ultrapassar pois, muitas das vítimas, remetem-se ao silêncio com receio de retaliações. No entanto, a sua situação tende sempre para o isolamento, estados depressivos e comportamentos desajustados. Enquanto se detetam e não detetam estas situações, decorre muito tempo que deixa marcas físicas e psicologias, indeléveis: o Bullying mais perigoso não se vê, não é como uma briga de meninos que, depois de separados, fica tudo bem…

Mas também temos a televisão e a Internet como difusores privilegiados de informação no mundo em que vivemos, e, então, em prime time temos a violência mais atroz, servida em doses múltiplas, repetida vezes sem fim, quanto mais sangue e imagens cruéis contenha, mais audiências a notícia goza… sou, sempre fui, algo pessimista, mas enquanto não me provarem o contrário, penso que uma sociedade que não tem por base sólida, a família, nunca poderá deixar de ser um edifício que vive num equilíbrio muito precário. E é verdade, o Bullying antigo das nossas aldeias, até servia para fortalecermos a nossa personalidade enquanto jovens em crescimento e para fomentar muitas amizades… para a vida!

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