REGINA SARDOEIRA |
É preciso ser capaz de escrever de modo sintético, ir direito ao assunto, esquecer metáforas e outras figuras de estilo e dizer somente o que há para dizer.
Nascemos todos de um pai e de uma mãe, irrefragavelmnente. Eles são os motores da nossa vida e deles colhemos as marcas físicas que nos identificam e ainda a educação e os valores que nos transmitem. Os pais dão-nos irmãos; e, se eles próprios tiverem irmãos, dão-nos tios e muitas vezes primos e também os avós que foram, que são, os seus pais.
Nesta rede de inter-relações gera-se a família, na qual encontramos a nossa razão de ser e com a qual buscamos identificação. E tudo estaria certo, não fosse o caso de inúmeras vezes a família, da qual somos parte, os pais, de quem somos oriundos, os irmãos, que connosco partilham essa mesma génese e todos os outros poderem ser a condição do nosso sofrimento e desequilíbrio.
Nascemos, enquanto filhos, de um homem e de uma mulher que nada sabem da paternidade e da maternidade, no que nos diz individualmente respeito. Eles não exploram a nossa peculiaridade porque acreditam firmemente terem que nos carimbar com a sua marca e levar-nos por caminhos que são deles - e não nossos. Fazem-nos entrar no círculo já construído das suas próprias relações de parentesco, crendo que o melhor para nós é sermos unos com eles - por força do sangue.
Quando, um certo dia, viermos a perceber que aquele pai e aquela mãe, aquele irmão, primo ou avô não representam nada para nós e a eles estamos obrigatoriamente ligados, por causa do parentesco sanguíneo, num nó demasiado apertado, nada podemos fazer. E vamos vivendo, desse modo convictos de que a família é o nosso melhor arrimo e o nosso grande consolo, quando, afinal, os elementos que a constituem podem ser-nos estranhos, podem ser-nos perniciosos e a causa suprema da nossa infelicidade.
Falo assim porque observo o mundo das pessoas e as relações urdidas sob o signo do sangue; encontro aí muita perversão, falsidade e compromissos firmados apenas no alicerce genético - que pode significar muito pouco. E depois observo ainda que fugimos, constantemente, para a companhia de outros que não são pais, irmãos ou primos mas outras pessoas que, vindas da estranheza, se tornam mais íntimos e nos dão mais felicidade do que aqueles de quem nascemos na circunstância biológica da existência.
Qualquer um pode corroborar o que acabo de escrever, se o desejar. E talvez possa perceber que a família, de que somos parte, é a condição necessária para a não menos necessária fuga em busca da nossa condição de seres individuais.
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