domingo, 4 de setembro de 2016

SOFRIMENTO OU LAMENTAÇÃO?

CARLA SOUSA
Haverá alguém que nunca tenha passado por um estado de sofrimento?



Na minha prática clínica deparo-me muitas vezes com pessoas que estão em sofrimento e não o identificam.

É importante saber distinguir o que é normal do patológico. Se algo mau nos acontece é possível que nos afete negativamente, é possível que o “sentir” seja vivido e encarado de uma maneira negativa. 

O que me doí?

Sentir-se triste, ansioso, angustiado, com raiva, com medo é perfeitamente normal. Existe uma desordem psico-emocional quando os nossos diversos papéis sociais: a família, a profissão, os amigos são contaminados e comprometidos.

Muitas das vezes estes sentimentos são acompanhados por reacções psicossomáticas que devem ser valorizadas.

Porque é que estou a sofrer? 

Estas pessoas não sabem porque sofrem. Ouço muitas vezes “doutora, doí-me a alma… doí-me aqui dentro”, levando as mãos ao peito, “só me apetece desaparecer, fugir”, “nuvens cinzentas bem escuras nas cabeças”, “sinto pontadas no peito”, “parece que tenho um caroço na garganta, não passa nada”. Choros, soluços, silêncios...

Os familiares, os amigos e outros já lhes deram imensos feedbacks, reforços positivos e tentativas de injecção ao ego:

“És espectacular”, “não sei porque estás assim”, “olha para tudo o que tens”, “vai passar”, “vamos dar uma volta”, “olha que gosto muito de ti”, “amo-te”… 

Ou reforços negativos “és um menino (a)”; “sempre a inventar”, “lá estás tu com as tuas coisinhas, com as tuas fitas “, com uma certa intenção de abanar o mundo interno da pessoa. 

No entanto, a pessoa continua a sentir-se assim e na maioria das vezes sofre calada porque não se sente compreendida. Só procura a ajuda de um psicólogo quando surgem crises de ansiedade, ataques de pânico, ideações suicidas ou até medos e dores físicas que até à data não existiam (quando a mente expressa através do corpo o que sente).

O choro alivia mas não resolve, os afetos aliviam mas não resolvem, a ida ao psicólogo ajudará a pessoa a encontrar as razões do sofrimento. 

Mais do que saber para onde fugir, é preciso saber-se do que se foge. É preciso remexer nas feridas abertas do passado ou do passado recente. É necessário permitir-se sentir.

Nem sempre é fácil expor o que se sente. Falar dos sentimentos, medos, angústias, confusões mentais, muitas vezes surge associado à vergonha ou a sentimentos de inferioridade. No entanto, o importante é perceber que ninguém é perfeito, lembrar-se que não é um “super-homem” e que toda a gente passa por dificuldades e por sentimentos negativos.

Vivemos numa sociedade que cada vez mais recorre aos antidepressivos e ansiolíticos, e até, a outras substâncias psicoativas lícitas (álcool) e ilícitas (heroína) para poder continuar a sofrer em silêncio. 

Procurar acompanhamento psicológico é importante. É normal que possa sentir-se assustado, com medo, e até achar que nada está a fazer sentido. Deverá permanecer no processo terapêutico, contrariar-se e deixar que seja possível aos poucos encontrar a luz ao fundo do túnel, o conforto e a pacificação necessárias para a evolução pretendida. 

É claro que isto não vem num estalar de dedos, não existem poções mágicas, mas é possível restabelecer a auto-confiança e melhorar as relações consigo e com os outros numa postura de crescimento e maturidade.

O sofrimento pode funcionar como uma espécie de sensor para regular o nosso funcionamento. Passar pelo sofrimento é normal porque nos ajuda a crescer, e crescer realmente pode doer. 

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