sábado, 3 de setembro de 2016

ALUGUER EXISTENCIAL

HELENA COUTINHO
Quando, por motivos de sobra, alguém cede à tentação de alugar o que detém sob a pele, em troca de migalhas existenciais, vende a alma ao diabo, sem saber. Num abrir e fechar de olhos, ocupam e reivindicam cada milímetro do que somos, até que, por fim, a alma deixa de reconhecer o seu dono, moldando-se às vontades e aos sonhos dos outrosQuando alguém se ilude, acreditando que basta aumentar o tamanho da janela para que a gaiola do costume se torne num lugar mais amplo e iluminado, acaba atado pelas próprias asas, na redoma invisível do tempo. Os que se debatem, mais do que o recomendável, com o pior dos inimigos (o pensamento), ou sucumbem à loucura ou à solidão - sinónimas na dor e implacáveis no ataque. Uma vez cedido o tempo e o espaço, não  caminho de volta e, por fim, o pensamento perde o rasto da alma, e da calma, murchando por desgosto e desânimo. 

Por vezes, bastaria que os humanos fossem capazes de limpar as suas dúvidas com a habilidade e flexibilidade de gato, desintoxicando, assim, o pensamento com a astúcia dos que higienizao próprio pêlo e vomitam o que sobeja ou causa asco. Talvez ajudasse se a maioria não orbitasse à volta do seu umbigo, como a Lua em relação à Terra, parindo injustiça e estupidez. Quiçá, tudo se tornaria mais simples se a maioria preferisse descodificar-se, em vez de tentar definir o que os outros deverão ser, diariamente. Na verdadeo que faz realmente falta, além de animar a malta, é aprender a domesticar a razão e os excessos do coração. 

Na peregrinação da vida, acreditar e proclamar que o tempo é uma viagem, cuja bagagem se deverá ir descobrindo, em vez de carregar certezas vãs, é uma luta hercúlea emuitas vezes, inglória. Porém, pouco haverá dotado de mais nobreza e valentia, na actual demanda humana, do que a arte de colher beleza e sapiência dos dias embruxados pela dor e pelo azar.  
Viajemos, em nós e por nós, com a eloquência e a liberdade das andorinhas! E se, um dia, faltar tempo para continuar a viagem até ao amanhecer seguinte, que nunca nos falte vontade de lá chegar. 

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