sexta-feira, 2 de setembro de 2016

CONVERSAS PRIVADAS COM A JUSTIÇA

MANUELA VIEIRA DA SILVA
Ontem, dia 1 de Setembro, inaugurou-se mais um ano judicial pautado, como sempre, com os melhores valores e declarações de boas intenções, onde não faltaram os eruditos discursos de orientação e a apresentação de novidades para o sistema, tendo na assistência as mais altas personalidades do governo e do sistema judicial, inclusive advogados e a respectiva Ordem.

A justiça é o maior pilar da democracia que rege o país na sua necessidade de ordem e respeito pelas leis. Vivemos numa sociedade onde o desequilíbrio é maior que o equilíbrio numa balança torta e mal calibrada. Por isso, todos os anos o sistema acerta a agulha da balança procurando calibrar o sistema, sobretudo nos discursos. Com efeito, a balança estava e continua dobrada, independentemente do Ministro da Justiça que estiver à frente, apesar de todos os esforços. 

O ser humano não é perfeito, mas devia viver pensando na sua perfeição. Queremos liberdade, queremos direitos, queremos estabilidade, queremos paz e, sobretudo, queremos prosperidade. São direitos que todos os seres humanos almejam e por isso lutam incansavelmente. 

A liberdade pode proporcionar os maiores bens da terra, mas também se arrisca a fazer nascer os maiores males. Infelizmente é isso que está a acontecer. Há novas leis diariamente… leis a corrigir leis, códigos a corrigir códigos anteriores, ao longo de anos, mudanças de procedimentos constantes… e nunca mais se acerta a balança. Há os advogados de defesa e os advogados de acusação, o Ministério Público e o juiz que tudo determina e julga, conforme as testemunhas, além das instâncias superiores, cada um com as suas leis e manipulações. É muita gente a raciocinar e a inquirir sobre um só processo (não falo aqui de outros meios, nomeadamente policiais, que também fazem parte do sistema). E todos querem ganhar… e todos querem ter razão – o que acusa e o acusado, servindo-se, às vezes, vergonhosamente do sistema, através de todos meios possíveis e até imaginários. As vítimas são e serão sempre vítimas, traumatizadas para o resto da vida e os acusados usufruem dos direitos humanos, da generosidade do sistema nas pessoas que mexem e decidem sobre os processos. O acto de se cometer um crime deve-se ao carácter e à má-formação da pessoa de quem o comete, mas também à liberdade do sistema que o permite. O sistema está a criar uma onda de psicopatas e de corruptos como nunca. Sempre houve, é verdade. Mas onde entra a educação, a literacia, o respeito pelos outros, pelo sistema, pelas leis? Seria suposto que com tanta liberdade, educação e bem-estar, o Português evoluísse noutro sentido. Dizem que sempre houve crimes de todo o tipo, inclusive violência doméstica, mas que não se via, não se sabia. Tenho de discordar. O número aumentou exponencialmente, assim como a violência nas escolas, para não falar de outros crimes. 

A sociedade está dividida em dois e não sei para que lado pende a balança. Vejo ao meu redor pequenas transgressões à lei e faltas de respeito pelos outros por tudo e por nada. Hoje não tem importância, terá com certeza dentro de alguns anos, quando o excesso de confiança for o estado psicológico predominante. A mentalidade é formada pelos actos e pensamentos e de todo o seu conteúdo, que é transportada ao longo da vida para outros níveis de actuação, conforme as necessidades. Passa de pais para filhos e estes, chegada a altura, podem melhorar a sua forma de vida em sociedade, ou podem agudizar ainda mais a estrutura egoísta e egocêntrica, fazendo da vida um pequeno inferno para eles e para os outros. Se a tentação pelo proibido, a cobiça, a inveja, a ganância, a mentira… e, hoje, a falsa necessidade de adrenalina, ou o pseudo-stress que gera perturbações mentais, ou a insegurança nas relações que desestrutura a família, ou a falta de controlo das emoções, ou a corrupção, muito pequena, pequena, média e grande, provocam o entupimento dos tribunais, ou a ineficácia dos serviços públicos, então todos os que cometem actos (a dar ou a receber) que contenham aqueles pressupostos são transgressores, criminosos ou potenciais criminosos. No fundo, fazer um jeito ao amigo não é grave… como se fosse o compincha da carteira do lado, na escola, que lhe mostra por baixo da mesa a cábula que trouxe de casa. Tudo é normal. E depois é adulto e quer ser igual e ter o mesmo que os outros, que aprenderam a lição, e pede ao antigo colega de escola, bem posicionado na administração, até da justiça, que lhe faça um favor sem importância.

Desde cedo estruturei-me tendo por base valores cristãos, cristalizados mais tarde numa consciência de cidadania cívica com conhecimento dos direito e dos deveres. Considero-me uma pessoa civilizada e determinada, no respeito pelos outros e assim vivi até hoje. Embora, ao longo da vida me tenha deparado com algumas situações que me desagradaram, preferi seguir em frente do que dar importância e querer justiça à minha ofensa. Achava que a justiça seria para os casos mesmo graves. E deixei em aberto, a quem me ofendeu, a possibilidade, ou oportunidade, de olhar para a sua consciência e ver o que fez. A isto chama-se, acho eu, um modo de fazer a paz. Acreditava e via a justiça como uma valor superior. Hoje, já não consigo pensar assim. 

A minha linguagem é diferente da linguagem dos meus vizinhos. Para eles tudo é uma brincadeira e um desafio. Se perdem um processo, vingam-se e ainda fazem pior. Se ganham (ninguém sabe como) vangloriam-se e ganham confiança para continuar. Roubar e mentir, manipular funcionários públicos e até juízes, e difamar, com uma apurada engenharia mental de estrategas, tudo faz parte das regras deste jogo, que forma a doença, de que toda a gente prefere ignorar.

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