terça-feira, 20 de setembro de 2016

APRENDA A DIZER «OBRIGADO»

SÉRGIO LIZARDO
Quando dois vizinhos se conhecem, e enquanto se conhecem, agradecem. Agradecem por tudo: por um segurar de uma porta, por um «tenha um bom dia», por um «se precisar, é só chamar». Mas vem o tempo, vai passando, e vai apagando a palavra do léxico. Quando as duas pessoas de um casal se conhecem, e enquanto se conhecem, agradecem. Agradecem por tudo: por um elogio, por um café, por um jantar, por uma apanhar algo que a outra deixou cair no chão – por existirem, por coexistirem, por se existirem. Mas vem o tempo, vai passando, e vai apagando a palavra do léxico. Talvez o «obrigado» que se diz seja como o «obrigado» que se escreve na praia com a ponta de um dedo: vem o vento, vai soprando, e vai apagando a palavra da areia. Ou então os vizinhos deixam de segurar a porta, de desejar que tenham um bom dia e de fazer saber que estão ali para o que se precisar – também acontece. Ou então as duas pessoas de um casal assumem que, depois de alguma convivência, apesar de todo o amor que sentem uma pela outra, tudo passa a ser feito por obrigação (e não se agradece a quem cumpre o dever) ou natural (e ninguém agradece pelo ar que respira) – também acontece. Antes de mais: deve agradecer-se pelo ar que se respira, sim – por se acordar, por se viver; e deve agradecer-se a quem cumpre o dever, sim – obrigado, médicos e enfermeiros; obrigado, professores; obrigado, jornalistas; obrigado, autores, actores, pintores, fotógrafos, músicos e outros artistas; obrigado, gestores; obrigado, agricultores; obrigado, pescadores; obrigado, carpinteiros; obrigado, conselheiros; obrigado a quem faz alguma coisa, qualquer coisa que seja – obrigado, pela minha parte, a quem faz a sua parte e assim contribui para que eu faça a minha. Depois, bem: só porque o tempo passa, tudo muda na gente? Muda-se a gente, agente muda, é isso? Nunca ouvi falar do que as ondas fazem às rochas aplicado ao que o tempo faz às qualidades das pessoas; nunca ouvi falar de erosão neste contexto; nunca ouvi dizer que o tempo transforma a educação e a gentileza em pequenos grãos, ou em pó, ou pior: na palavra «obrigado» apagada do léxico. Dizer «obrigado» tem que ser intemporal, e tem que ter um som que se vai passando. Dizem que os «obrigados» são como os «amo-te» e como os «gosto de ti», e que estão nos olhares e nos gestos. É verdade! Mas sabe bem ouvir... Diga obrigado. Obrigado!

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