REGINA SARDOEIRA |
Na vida, enfrentamos muitos desafios, avanços e recuos, aparente estabilidade (e depois, súbitas revoluções) , fazemos escolhas ou somos escolhidos e é tão grande a lista de tudo o que encerra o percurso de cada um que não ouso completá-la...ou pensar que a completei.
Há inúmeras análises e estudos psicológicos acerca das idades da vida; as mais conhecidas, ou as mais divulgadas, estabelecem, como ponto de paragem evolutivo, a adolescência. Falo de Freud e Piaget, por exemplo, que acreditam no crescimento psicológico feito por estádios, considerando que, quando o individuo atinge os 12 anos, já percorreu as fases cruciais do desenvolvimento. A partir daí, as estruturas cognitivas- diz Piaget - ou o crescimento sexual - afirma Freud - consolidaram-se, pelo que a juventude, o estado adulto, a maturidade e a velhice se vão acrescentando às aquisições e experiências obtidas nos primeiros doze anos.
Piaget estudou, detalhada e profundamente, a infância e a adolescência, observando, inclusivamente, os próprios filhos - e a sua teoria dos estádios cognitivos merece a maior credibilidade. Freud, pela sua experiência de médico, lidou com a patologia, fixando-se, especialmente, nas neuroses; e regressou constantemente à infância e à adolescência - a dos pacientes e a sua própria - para a elas referir, em última análise, a origem dos problemas e a possibilidade de cura.
Sou defensora dos métodos destes dois eminentes profissionais do comportamento. Porém, permito-me discordar do limite que qualquer um deles impõe ao desenvolvimento.
Se é certo que, a muitos níveis, a lógica do adolescente se equipara à do adulto e que o seu desenvolvimento sexual atinge, nessa fase, uma espécie de apogeu, também é verdade que novas fases e novas crises se vão sucedendo depois disso, contribuindo para consideráveis alterações.
Erik Erikson* ensinou-me que há, pelo menos, oito idades na vida de um ser humano e que nenhuma delas é determinante ou preferível às outras. No termo de cada uma emerge a crise e é ela que levanta a questão desencadeadora da etapa seguinte. Oito idades, todas elas relevantes, todas elas indicadoras de crescimento pessoal. Se Piaget enfatizou os aspectos cognitivos, e logo a inteligência, e Freud o desenvolvimento sexual, e portanto a libido, Erikson põe a tónica nos laços sociais, relevando o que desafia o indivíduo, ao longo das suas oito idades e de acordo com o meio social, e lhe permite desenvolver-se harmoniosamente ou, pelo contrário, estagnar ou regredir.
Os cinco primeiro estádios abrangem o tempo que leva um indivíduo a atingir a juventude com as aquisições físicas, intelectuais, cognitivas e sociais, mais ou menos estereotipadas, de acordo com o tempo e o espaço de inserção. Erikson não diz quase nada de novo relativamente a Freud ou Piaget, considerando relevantes para a harmonia do jovem as condições em que decorreu a primeira idade (0-18 meses) e o afecto dos pais, essencialmente da mãe, como garantes da segurança, a segunda (18 meses- 3 anos) e a progressiva integração social, com ênfase na assimilação das normas sociais e a progressiva aquisição de autonomia, que irá firmar-se na terceira idade (3-6 anos) e na quarta (6-12 anos) em que a criança vai percebendo quem é e o que quer, confrontando os seus sonhos com a realidade.
A identidade social adquire-se no decurso da quinta idade e corresponde à adolescência (12-19 anos) caracterizada, segundo Erikson, por um redefinir das motivações, por avanços e recuos, por crises e procura de soluções no contexto das quais pode haver conflito entre a vontade de ser autónomo e a necessidade de ser aconselhado e protegido.
Se observarmos o mundo em que vivemos e esta quinta idade da vida, percebemos que aos nossos adolescentes não é dada a moratória psicossocial a que Erikson dá uma importância fulcral, pois, a ser norma social no nosso universo, permitiria que o jovem experimentasse vários caminhos até estar apto a decidir o rumo da sua vida futura. Entre nós, o adolescente está vinculado a várias escolhas prematuras, entre os 15 e os 18 anos, e dificilmente, a família e a sociedade em geral, considerariam de sucesso a vida de um jovem que demorasse anos a decidir o seu curso ou a sua profissão. No entanto, a moratória é isso mesmo: um tempo de experimentação de si, de percursos não definitivos ou vinculativos para o resto da vida.
Entre os 21 e os 35/40 anos decorre a sexta idade, aquela em que o jovem adulto, já munido das competências adquiridas antes, pode alargar a sua responsabilidade até outras pessoas com quem estabelecerá laços, desenvolvendo experiências de intimidade e de partilha, constituindo família e/ou estabelecendo relações duráveis de amizade e companheirismo.
A sétima idade ( dos 35/40 aos 60 anos) corresponde à plenitude do ser humano que, se acaso tiver conseguido enfrentar e resolver as ameaças e desafios das idades anteriores, estará, neste momento, implantado no seu envolvimento social e poderá olhar à sua volta e orientar as gerações futuras, envolvendo-se activamente nos caminhos que escolheu, construindo obras, projectando o seu legado para o mundo.
A oitava idade ocorre a partir dos 60 anos e pauta-se pela necessidade de avaliar o já feito e fazer o respectivo balanço. Se, até esse momento, o indivíduo tiver realizado tarefas importantes para si e para a sua envolvência social , capazes de lhe fazerem crer que o vivido valeu a pena, terá chegado a altura, segundo Erikson, de experimentar os benefícios da maturidade e aceitá -la, tranquilamente, rumo à plenitude.
Quanto ao estado de plenitude que atrás refiro, não saberia dizer (nem tão pouco Erikson) a que idade corresponde.
Depois dos 60 anos, é uso considerar-se que o melhor da vida já passou, e decorreu aos 20, aos 30, ou por aí, e que, doravante, o tempo vai perdendo qualidade. Ao interiorizar semelhantes pensamentos, o indivíduo começa a sentir-se imprestável, deixa de dedicar-se a si mesmo, desiste de novos projectos, entrega-se à auto comiseração, descuida a aparência e assim interioriza todo o séquito de anomalias pessoais, decorrentes de um preconceito assimilado e reproduzido pela sociedade. Se é certo que, presumivelmente, o tempo que resta aos que têm 60 anos é menor do que o de outros, na casa dos 20 ou dos 30, essa possível consciencialização não retira (não deve retirar) qualidade ao quotidiano de quem, estando vivo, pode e deve prosseguir, projectando o presente e o futuro.
Não sei se as teorias de Erik Erikson estão certas. Ignoro se as idades da vida são 4, 8, 10 ou 20. Mas percebo que a sociedade dos homens tem criado tabus, não só quando define que aos 18 anos deve um jovem escolher a sua carreira, que irá persegui-lo para o resto da vida, mas também quando estabelece uma idade para a reforma, considerando que, a partir desse momento, o homem e a mulher, ainda que na posse da sua vitalidade integral, estão arrumados no que concerne à vida de todos.
Por mim, declaro que atingir a maturidade pessoal, segundo os códigos estabelecidos pela sociedade de que sou parte, não irá afectar-me. Considero que chegar a um tempo em que me será dado libertar -me de horários estabelecidos por outrem e poder fazer da vida o que me aprouver constituirá ocasião de felicidade. E ainda que, olhando para o já feito, posso despedir-me sem nostalgia de uma tarefa a que dediquei o melhor de mim e colher finalmente os frutos advindos da minha experiência. Não consentirei, por isso, que me olhem como alguém que se retirou, que se aposentou, ou seja lá qual for o epíteto escolhido para os que cortam as amarras com os vínculos obrigatórios do trabalho sujeito a horário.
Sou professora, sempre serei, porque assimilei até ao ADN as marcas dessa função. Mas sempre existi para além disso, noutras tarefas, e realizei-as em simultâneo - a todas. Não me encerrem numa certa prateleira da existência só porque a médio prazo ser-me-á outorgada a dispensa de ir para a escola leccionar, um dia após outro: não existe, para mim, semelhante compartimento. E que ninguém se admire por ver que continuo a escrever na minha biografia, no item respeitante à profissão: Professora de Filosofia.
*Erik Erikson (Frankfurt, 15 de junho de 1902 — Harwich, 12 de maio de 1994) foi um psicanalista responsável pelo desenvolvimento da Teoria do Desenvolvimento Psicosocial na Psicologia e um dos teóricos da Psicologia do desenvolvimento.
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