RITA TEIXEIRA |
Numa época, em que somos bombardeados, nas redes sociais, com notícias de corrupção política, de cortes na saúde e no ensino, para se vir a saber que as verbas são desviadas para enriquecimento dos políticos, de violência doméstica, de rixas entre adolescentes e jovens, que, por vezes, terminam em mortes, de mau serviço de entidades públicas, de injustiças sociais e do enriquecimento dos mais ricos e do empobrecimento dos que já vivem na miséria.. Por tudo que já abordei, tenho que relatar os dias do meu internamento, para pôr uma PEG. Fui fazer uma cirurgia de colocar uma PEG, para impedir o emagrecimento brutal e assim impedir o avanço da doença. É incompreensível, para mim, constatar que alguns jovens, com um vasto leque de cursos façam a escolha errada para a vossa vocação. Da vocação vem sempre o instinto, que o nosso trabalho vale a pena sentir que a vitória é nossa. Façamos do nosso trabalho, um prazer para a vida inteira.
No dia 25 de Fevereiro, fui internada no hospital Santo António para fazer uma cirurgia no dia seguinte. Quando cheguei à enfermaria de internamentos neurológicos, manifestei o receio da noite porque, sempre que acordo, tenho de mudar de posição porque são as dores que não me deixam dormir. A Lurdes mostrou quais eram as posições que eu dormia melhor. A enfermeira e o auxiliar disseram ao Pinheiro para não se preocupar. Entretanto eles foram embora e eu fiquei apreensiva. Nessa noite eu chamei, mas ninguém veio e eu ouvia elas às gargalhadas. Conforme chamava, as dores aumentavam e elas não vinham. Comecei a gritar já desesperada com o sofrimento, vieram duas à enfermaria e começaram a ralhar comigo, diziam que eu não tinha consideração pelas outras pessoas. Quando me mudaram de posição, eu acalmei, porque as dores diminuíram e adormeci. Não sei quanto tempo dormi mas, quando acordei, tinha dores outra vez. Chamei, mas ninguém aparecia. Novamente comecei a gritar, as dores aumentavam e ninguém vinha ajudar. Sei que estive muito tempo a chorar e a gritar. Quando vieram, ralharam comigo e só me chamavam chorona e mimela. Isto aconteceu toda a noite. De manhã eu estava tão cansada e nervosa que já receava a cirurgia. Quando esperava, o anestesista veio ter comigo e apresentou-se falando espanhol. Explicou como iria decorrer a anestesia. Quando sentiu que eu percebera, foi embora. Mas parou e olhou para o meu rosto. Não sei o que viu para olhar fixamente os meus olhos, mas eu senti que o olhar me dava força.
De novo na enfermaria voltou tudo ao mesmo. Quando o Pinheiro e a Lurdes chegaram, sosseguei porque tive a ajuda deles. Nessa noite eu chamei e demoraram muito tempo a vir e ralharam comigo. No dia seguinte, o Pinheiro só veio ao fim da tarde. Eu contei-lhe o que tinha acontecido, mas ele disse que não podia fazer nada. Eu disse para ele falar com o paciente que estava à minha frente, porque ele tocava na campainha para virem ajudar. Então o Pinheiro foi falar com ele e ficou a saber o que me acontecia. Voltou a falar com a enfermeira, mas entrou-lhe por um ouvido e saiu por outro, porque a noite voltou a ser como as anteriores. A enteada do paciente via o meu sofrimento e veio falar comigo. Disse que não dormira a pensar em mim e que fora pesquisar na internet e, perante os testemunhos que lera, inscrevera-se como voluntária na Associação Apela. No fim de semana com a Lurdes e o Pinheiro eu pude descansar e fiquei mais relaxada, só que foi sol de pouca dura. À noite, quando vi a enfermeira mais arrogante, vi logo que ia ter uma noite dura. Quando ela passou por mim, chamei-a mas ela respondeu para eu ter paciência e seguiu o seu caminho. Entretanto uma paciente chamou e ela mandou-a calar-se. Foi mudar a televisão para a Casa dos Segredos e ficou a ver. A mesma paciente voltou a chamar e ela disse que naquela sala só havia impaciência. Depois começou a pôr os aparelhos nas pessoas e, à medida que ia pondo, parava para ver televisão. A certa altura apercebeu-se que eu estava a observar e eu disfarçadamente continuei a observar. Ela demorou a chegar ao pé de mim uma vez que a minha cama era a última. Mais uma vez eu tive uma noite terrível.
Na manhã seguinte, um enfermeiro que nunca tinha visto, ao passar por mim, ouviu-me a tossir e perguntou se eu queria ser aspirada. Surpresa eu disse logo que sim. Enquanto me aspirava, sussurrava: como é possível esta paciente estar nesta situação? Quando terminou, apercebeu-se que eu não estava confortável e perguntou se eu queria virar para o lado contrário. Mais incrédula fiquei. Todos aqueles dias eu tinha que gritar para me mudarem de posição e todos me diziam que eu tinha que esperar até chegar a minha vez. De repente aparece um enfermeiro que não tinha visto antes, não procedia como os outros. Portanto não havia regras. Uns agiam de acordo com o estado de saúde do doente, outros agiam como uma rotina. Não tenho medo do sofrimento porque o sofrimento psicológico é maior e esse é constante. Não receio o final, porque já me mentalizei para ele. Mas fiquei traumatizada que tenho pavor de voltar a ser internada e ficar ao cuidado do mesmo pessoal. A esperança nunca morre e espero que haja uma reciclagem das pessoas que estão ao serviço da saúde.
Sem comentários:
Enviar um comentário