MANUEL DAMAS |
Era um menino-diferente…
Diferente dos outros meninos, todos iguais entre si.
Era um menino que sabia olhar, como todos os outros mas que, muito para lá disso, sabia ver, o que o tornava diferente.
Dotado de extraordinária sensibilidade, chorava com o que os outros não choravam, ria com o que os outros não riam.
E gostava do que os outros não gostavam, o que o tornava diferente de todos os outros meninos, iguais entre si.
E ser diferente tem, sempre, um preço!
Tinha nascido numa aldeia, pequenina, muito para lá de longe.
Na aldeia onde tinha nascido, rapidamente se tinha habituado a todos conhecer, sem que ninguém, na realidade, o conhecesse.
Para não ser apontado, gozado, molestado, fez sua a máscara da vulgaridade, de que todos somos feitos e nos torna anónimos na espuma dos dias. E assim foi crescendo, por fora igual a tantos outros, por dentro diferente dos outros todos.
O tempo foi continuando a passar e o menino-diferente continuando a crescer, sonhando com o momento em que partiria para a Grande Cidade e onde, estava certo, seria feliz, livre de todas as máscaras.
Chegou então, para felicidade sua, o momento todas as noites sonhado…o momento de partir.
Chegado à Grande Cidade, ao cenário que sempre povoara o seu imaginário de menino-diferente, achou-se, enfim, livre e deitou fora a máscara de menino-igual já convencido e feliz por, finalmente, poder ser ele próprio…
Pobre tonto!
Amargo erro!
Não sabia ele que a Grande Cidade, vendedora perversa de falsas ilusões, era mais castigadora do que a sua aldeia, agora tão distante…
Na Grande Cidade conheceu rostos, mentes, corpos, uma massa anónima de autómatos, que o desiludiram, magoaram, fizeram chorar, como ninguém.
Colecionou desilusões e, na solidão da noite, muitas vezes gritou, rasgado de raiva, contra a insensibilidade do animal dito Homem.
E assim continuou a crescer, incompreendido, usado, magoado, só…
Até que um dia, farto de sofrer, tratando a dor por tu e tendo como única companhia a solidão, resolveu gritar…
Basta!
Era tempo de desistir, decidiu o menino-Homem-diferente.
Arrancou todas as máscaras, as antigas e as recentes e, lançando-as ao chão, já desnudo de falsas aparências, correu sem destino.
Cansado, parou e encontrou-se em frente ao mar, iluminado pela Lua, sozinho na noite escura, mais só do que nunca, farto da dor, sinónimo de si.
Era o momento de desistir, de vez!
Deixou-se, por fim, cair e chorou como nunca tinha chorado, lágrimas doridas, sofridas, sangradas, silenciosas, sentindo um enorme frio interior e uma infindável fome de paz, que o queimava.
Estava farto de dar sem receber, de ser usado para rápidos momentos de prazer, logo negados. Corpos sem nome, sem rosto, que o usavam para seu próprio prazer e rapidamente o deixavam para trás, qual lixo.
De tão desfeito que estava, não sentiu que alguém chegava, em silêncio.
De repente, sentiu uma mão, que pousava no seu ombro.
Virou-se, então, lentamente.
Primeiro olhou…
Depois viu…
E, por fim, sorriu.
Os olhares cruzaram-se, entrelaçaram-se e, pela primeira vez na vida, não teve medo.
O outro, devagar, soergueu-o, deitou-o no colo com carinho e abraçou-o, protetor.
Lentamente as lágrimas secaram, a dor deixou de queimar e sentiu-se invadido por uma doce sensação, meiga e tranquila.
Ao fim de tantos anos, sorriu embalado…estava, finalmente, em Paz!
Em conjunto, Paz e Dor, levantaram voo, esvoaçaram dançando e desapareceram pelo cone do luar.
Com o nascer do dia, apenas ficou no chão, como marca, uma lágrima que, rapidamente, os pés apressados da Modernidade, calcaram, na sua corrida inglória contra o tempo.
Agora, algures, o menino-Homem-diferente, está feliz por, finalmente, ter conseguido Paz.
(Post-Scriptum – esta foi a forma, em conto, de escrever sobre o Bullying)
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