quinta-feira, 27 de outubro de 2016

QUANDO CORRER SE TORNA OBSESSIVO

ELISABETE RIBEIRO
A corrida tem muitos aspetos positivos associados. Contudo pode tornar-se obsessiva. O desassossego por resultados pode, em alguns casos, transformar-se numa verdadeira fixaçãoe tomar uma dimensão tal que ponha em causa o rendimento profissional e a vida pessoal e familiar.

Atingir o equilíbrio entre a nossa paixão e as restantes componentes do nosso dia-a-dia pode revelar-se algo verdadeiramente complicado de atingir, e é preciso ter um grande jogo de cintura, algum poder de encaixe e muita flexibilidade para repartir o nosso tempo entre as diferentes atividades que a maioria de nós têm: desportiva, profissional e familiar.

Treinar com qualidade e não quantidade pode ser a chave para permitir atingir os resultados desejados em todas os aspetos da nossa vida, e não só os desportivos.

O aumento, ainda que ténue, do rendimento desportivo através da melhoria dos tempos alcançados ou das distâncias percorridas associado à produção de endorfinas pode conduzir, mesmo às pessoas mais equilibradas, a uma alocação do tempo cada vez maior no desporto e na prática da corrida em detrimento da família e do trabalho.

Esta intensa procura pela melhoria e progresso, aumento do bem-estar físico e consequente autoestima pode tornar-se uma obsessão e desviar a atenção de aspetos relevantes da vida bem como uma certa arrogância para quem obtém resultados mais singelos.

É cada vez menos raro vermos ou conhecermos alguém que abdica dos fins-de-semana todos para treinar ou leva o seu treino e dieta a extremos pouco saudáveis, pondo em causa a sua saúde e sanidade mental.

Alimentação cuidada ao extremo, um plano de treino seguido ao milímetro, períodos de descanso calculados ao minuto, utilização de relógio, cardio frequencímetro, tudo isto seguido sem flexibilidade, como se fosse o único caminho possível para alcançar os resultados, talvez o mais rápido mas não por isso o melhor e mais duradouro.

A juntar a este rigoroso planeamento existem cada vez mais praticantes obcecados que abdicam de todas as distrações possíveis, festas de amigos, jantares em família, convívio, o célebre dia da asneira para comer um doce. O treino e a aproximação das provas passam a ser a principal desculpa para evitar o contacto social e permitir o afastamento e isolamento. 

Não é fácil reconhecer que atingimos esta obsessão, que efetivamente estamos viciados no desporto, na corrida e nos resultados.

Queremos treinar com a mesma intensidade que os desportistas profissionais, esquecendo-nos que ao contrário destes, não vivemos do desporto e temos outras atividades profissionais.

Fará sentido um corredor amador querer treinar da mesma forma do que um atleta de elite? Creio que não. Começa desde logo por não termos as mesmas condições: treinadores, equipa médica, fisioterapeutas, patrocinadores, etc. 

Para alcançar uma boa condição física, mental, moral e social é preciso conciliar e gerir todos estes equilíbrios e ter flexibilidade para adaptar os nossos objetivos à nossa realidade e saber que não podemos todos aspirar a ser o Carlos Sá ou Kilian Jornet.

Fonte: Correr na Cidade (Tiago Portugal)

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