RUI SANTOS |
A última semana foi fértil em acontecimentos cuja importância diz respeito a todo o planeta. No dia 6 a Assembleia Geral das Nações Unidas elegeu António Guterres como seu Secretário-Geral. É o nono desde a criação da instituição, em 24 de Outubro de 1945, e sucede ao coreano Ban Ki-moon. A sua eleição foi alvo de enorme interesse mediático um pouco por todo o lado, mas foi em Portugal que mais repercussão teve. Enquanto por cá se teciam loas à sua pessoa, o mundo interrogava-se sobre quem é Guterres. Numa passagem pelos principais jornais europeus e americanos dos dias seguintes à sua eleição, facilmente se constatou que a a mesma não fora alvo de grande espaço noticioso. Um pequeno perfil de António Guterres era traçado para o dar a conhecer aos leitores, assumindo-se assim que é um desconhecido em termos de notoriedade entre as massas. Não me interessa particularmente saber se é a «mais brilhante personalidade de uma geração», se é «uma picareta falante» ou se Portugal iria ficar «num pântano político» caso não se tivesse demitido da liderança do governo em 2001. O que realmente importa é que faça um bom trabalho à frente das Nações Unidas (ONU) e isso é já por si um enorme desafio. A burocracia institucional e o «apagamento» que o papel do Secretário-Geral sofre desde o início da década de 1990, com a eleição do egípcio Boutros Boutros-Ghali, são desafios de enorme importância. Se Guterres pretender fazer algo verdadeiramente relevante durante a sua passagem pelo cargo terá que alterar a máquina burocrática, lidar da melhor forma com todos os lóbis e não se diminuir perante o Conselho de Segurança da ONU (na prática são os países que o constituem que mandam na instituição). A sua capacidade negocial, perseverança e tenacidade serão fundamentais para um mandato que se deseja pleno de sucesso. Não embarco no folclore nacional que se seguiu à sua eleição. Não é por ser português que é melhor que os outros nem se é melhor à partida. Será no final do seu mandato que se poderá dizer se foi uma escolha acertada. Por enquanto só se lhe pode desejar as maiores felicidades para o exercício do seu mandato. Foi sempre o melhor classificado em todas as eleições que tiveram lugar para a escolha do novo Secretário-Geral e, como tal, é descabido pensar-se que existia alguém melhor preparado para o cargo. Pode não ser a pessoa ideal, mas entre os candidatos foi o melhor durante o longo processo de escolha.
No dia seguinte já o mundo tinha um novo assunto na ordem do dia: a entrega do Prémio Nobel da Paz. Foi a 7 de Outubro que o Comité Nobel norueguês anunciou a distinção atribuída ao presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, em virtude do seu empenho para terminar a guerra entre a Colômbia e os guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Ao longo de 52 anos de conflito foram registados 220 mil mortos e seis milhões de desalojados. São estes números que Santos não quer ver aumentados, mas, para já, tudo está num impasse. Em referendo a população votou contra o acordo de paz. As feridas abertas pela guerra estão ainda muito vivas e a demagogia que acompanhou a campanha pelo «Não» encontrou terreno fértil para se desenvolver em parte da população. Contudo, as negociações continuam e mais cedo ou mais tarde vai haver um entendimento entre as partes pois ambas assim o desejam. O processo de paz é, felizmente, irreversível na Colômbia. Certamente que outros nomes poderiam ter vencido o galardão, mas creio que foi bem entregue. Quem está prestes a terminar com mais de cinco décadas de conflito armado estará sempre de parabéns.
Finalmente, o mundo seguiu com enorme interesse o segundo debate entre Donald Trump e Hillary Clinton. Não tenho dúvidas em afirmar que o mundo seguiu com muito maior interesse este debate do que qualquer um dos assuntos abordados acima. É lamentável que os debates eleitorais americanos não aprofundem os temas abordados. Em concreto, nada se sabe do que pensam os candidatos sobre uma série de temas. Limitaram-se a dizer umas generalidades nunca chegando a explicar em detalhe o que pretendem fazer caso sejam eleitos. O resto do tempo é gasto em trocas de insultos e acusações infundadas. Algo inimaginável em democracia foi o que Trump fez ao dizer que, caso fosse presidente, Hillary iria para a cadeia. Já o tinha dito em comícios mas num debate foi a primeira vez. E o que isso revela? Que os americanos com Trump na presidência teriam também o poder judicial a residir na Casa Branca. Um presidente sobrepor-se aos tribunais só é visto em ditaduras. Será que os Estados Unidos da América o querem ser?
Foi uma pena que o debate que antecedeu a eleição do novo Secretário-Geral da ONU não tenha servido para uma ampla discussão mundial sobre a organização, o seu papel e modo de funcionamento; foi uma pena que a atribuição de Nobel da Paz não tenha servido para divulgar todos os esforços de indivíduos e organizações na paz mundial; é uma pena que os Estados Unidos da América tenham um candidato a presidente como Trump.
Sem comentários:
Enviar um comentário