quarta-feira, 26 de outubro de 2016

AS MIGRAÇÕES

RUI SANTOS

Os fluxos migratórios transfronteiriços contribuem determinantemente para a existência de alterações de cariz social ao promoverem a ocorrência de mudanças – demográficas, culturais, económicas e sociais – tanto nos países de origem, como nos de acolhimento. Estes movimentos, na ótica de Anthony Giddens, «combinam-se para produzir padrões globais de migração que ligam entre si os países de origem e os países de destino» (Giddens 2010: 260). Mas não se pense que estes movimentos ocorrem de forma casual um pouco por todo o lado, bem pelo contrário. Como refere Alejandro Portes «As migrações não ocorrem de forma aleatória ou sequer por todo o globo, processando-se antes através fluxos altamente concentrados, de dimensão e de direcção previsíveis, ano após ano. Em segundo lugar, a imigração contemporânea tem vindo a tornar-se, cada vez, mais num movimento Sul-Norte, em que os cidadãos de terras menos venturosas assumem o encargo de melhorar a sua situação procurando aceder ao Norte da abundância» (Portes 2006: 15).

A emigração para as colónias, a partir do século XVI, foi um dos fatores fundamentais para a construção, manutenção e ampliação, dos impérios coloniais europeus. Posteriormente, no século XIX, a imigração para a América do Norte, assim como aquela ocorrida dentro da Europa, foi decisiva para o processo de industrialização. No século XX, depois de terminar a Segunda Guerra Mundial, as migrações internacionais surgiram como um dos principais motores de transformação e desenvolvimento social um pouco por todo o mundo. Na Europa, as migrações verificadas entre os países do sul e os do norte contribuíram decisivamente para o crescimento económico destes últimos, verificado após a Segunda Guerra Mundial. Tal facto é salientado por Giddens, «Durante as primeiras duas décadas após a Segunda Guerra Mundial, ocorreram na Europa migrações em grande escala. Os países mediterrâneos forneceram mão-de-obra barata aos países europeus do norte e do oeste. A chegada de imigrantes vindos de áreas como a Turquia, o Norte de África, a Grécia, o sul de Espanha e a Itália foi, durante um período de tempo, encorajada pelos países anfitriões que se encontravam com falta de trabalhadores. Ao mesmo tempo, os países que tinham sido potências coloniais receberam um afluxo de imigrantes das suas antigas colónias: foi o caso particularmente da França (argelinos), da Holanda (indonésios), bem como do Reino Unido» (Giddens 2010: 275).

O final do século XX – nomeadamente a partir da década de 1980 – conhece, de acordo com Stephen Castles, uma nova alteração de paradigma, em que «as migrações assumiram um carácter global, os fluxos migratórios históricos inverteram-se, os antigos países de emigração transformaram-se em novas áreas de imigração, e os fluxos migratórios tornaram-se mais volumosos, mais rápidos e mais complexos do que no passado» (Castles 2005:7).

No século XXI, e graças ao aumento da mobilidade populacional, as migrações estão a tornar-se cada vez mais comuns. Os migrantes procuram uma maior segurança e/ou melhores condições de vida.

Os imigrantes, vindos de todo o mundo, têm desempenhado um papel importante nas alterações que muitos países – principalmente nas maiores cidades – têm experimentado. Hoje, a imigração é um fenómeno à escala mundial que afeta milhões de indivíduos e a maioria dos países. Se é verdade que pode ser a origem de vários problemas, também não deixa de ser verdade que pode representar uma oportunidade para as pessoas, e para as sociedades se enriquecerem a todos os níveis. A imigração implica a experiência de aculturação por parte de pessoas e grupos, assim como o surgimento de sociedades culturalmente plurais. Nestas sociedades, as pessoas e os grupos necessitam de acionar diversas estratégias que lhes possam possibilitar uma adaptação bem-sucedida para as suas vivências interculturais.

O progresso económico global acelerou os processos de mudança. No entanto, aumentaram também as desigualdades, particularmente entre o Norte e o Sul. Determinadas zonas de África, da Ásia, da América Latina, e mesmo da Europa de Leste, constituem-se como fornecedoras de matérias-primas e mão-de-obra para a economia global, podendo-se dizer que a prosperidade global ainda não lhes bateu à porta. De acordo com o raciocínio de Castles, as condições de vida existentes em muitos dos países pertencentes às zonas acima referidas, não permitem aos seus cidadãos poderem almejar um futuro mais seguro, «São regiões submetidas a um processo de rápida transformação social, que assume formas negativas. As economias fracas e o empobrecimento estão associados a Estados fracos e à violação dos direitos humanos. Os conflitos assumem contornos violentos, tomando frequentemente a forma de perseguição religiosa ou étnica. Muitas pessoas vêm assim na migração um modo de escapar tanto à pobreza como à violência – uma crença reforçada pelos meios de comunicação social globais, que alcançam mesmo as aldeias mais remotas, glorificando os estilos de vida americanos e europeus» (Castles 2005: 8).

As migrações são o resultado do desenvolvimento económico e social, e contribuem para o desgaste das fronteiras tradicionais entre línguas, culturas, grupos étnicos e Estados-nação, além de desafiarem as tradições culturais, a identidade nacional e as instituições políticas, contribuindo dessa forma para o declínio do Estado-nação.

A imagem que os media recorrentemente difundem dos movimentos migratórios – com origem nos países menos desenvolvidos e tendo como destino as grandes cidades do mundo mais desenvolvido – está geralmente relacionada com uma fuga à fome e às necessidades mais elementares da vida humana, ou seja, a busca de melhores condições de vida e o abandono das mais variadas privações. Aliás, durante vários anos, assumiu-se que as causas para a ocorrência de migração estavam relacionadas com dinâmicas – guerra, fome, opressão política ou pressão demográfica – verificadas dentro dos países de origem e que obrigavam as pessoas a emigrarem, ou com a atratividade dos países de acolhimento – mercados de trabalho prósperos, melhores condições de vida e segurança. Recentemente, estas causas foram alvo de críticas por oferecerem explicações, muitas vezes redutoras, de um processo complexo como são as migrações. De acordo com Giddens, uma nova perspetiva em relação às migrações está agora a impor-se, «Os teóricos da migração estão cada vez mais a observar os padrões globais de migração como “sistemas” produzidos por interacções entre processos de nível micro e macro. Embora esta ideia possa parecer complicada é, na verdade, bastante simples. Por factores de nível macro entendem-se situações de âmbito lato como a situação política na área, as leis e regulamentos que controlam a imigração e a emigração, ou as mudanças na economia internacional, factores esses que exercem uma importante influência sobre diversos aspectos. Os factores de nível micro, por outro lado, são os que dizem respeito aos recursos, conhecimentos e formas de pensar das próprias populações migrantes» (Giddens 2010: 261-262).

Pode-se dizer que as migrações contemporâneas não são só motivadas pelas dificuldades sentidas pelos indivíduos nos seus países de origem. Castles e Mark J. Miller aludem a isso mesmo quando afirmam que «migration is not just a reaction to difficult conditions at home: it is also motivated by the search for better opportunities and lifestyles elsewhere. It is not just the poor who move: movements between rich countries are increasing too» (Castles e Miller 2009: 5).

Esta discussão em torno das causas que originam os vários movimentos migratórios ganha um novo alento ao se tomar em consideração o facto de terem existido, ou existirem, significativas relações económicas e/ou históricas, e que no entender de Portes, contribuem para justificar a existências daqueles, e não de outros, fluxos migratórios. Citando Portes, «Se as origens das migrações contemporâneas estivessem exclusivamente enraizadas no desespero, os fluxos deveriam ter origem nos países e nas regiões mais pobres e dirigir-se para as áreas mais ricas das nações desenvolvidas. As coisas, porém, não se passam deste modo. Um olhar de relance sobre as origens geográficas da imigração contemporânea revela que os países africanos e asiáticos mais pobres – como a Serra Leoa, o Burkina-Faso, Myanmar ou a Indonésia – não se encontram bem representados entre as principais fontes de migrantes internacionais para os Estados Unidos; da mesma forma, países pobres da América Latina, como a Bolívia, as Honduras ou o Paraguai, enviam um número insignificante de migrantes para a França, Alemanha e Reino Unido. As principais fontes da imigração contemporânea para os Estados Unidos são o México, as Filipinas, Cuba, Taiwan e o Vietname. Os principais contributos para os fluxos migratórios destinados a França provêm da Argélia, de Marrocos, da Tunísia e, em menos dimensão, de países da África francófona. A Índia, o Paquistão, e as Antilhas britânicas encontram-se bem representadas nas populações imigrantes fixadas em Londres e Manchester; ao passo que a Turquia tem orgulho em situar-se entre as principais fontes da população estrangeira na Alemanha. Em cada um dos casos, estes deslocamentos refletem uma história de relações económicas e políticas anteriores entre as nações emissoras e recetoras. Estas relações são por vezes marcadas pela proximidade física, mas têm mais frequentemente origem em intervenções coloniais e semicoloniais e em ocupações do país mais fraco (emissor) pelos mais poderosos (recetores)» (Portes 2006: 28-29).

Independentemente das causas que motivem as migrações, uma coisa é certa, as migrações são encaradas de duas maneiras distintas. Enquanto uns aplaudem a nova estrutura social, considerando-a um elemento essencial para a existência de uma sociedade verdadeiramente cosmopolita, outros temem-na e escondem-se atrás de tradições e mitos, renunciando ao diálogo com os imigrantes. É uma questão complexa mas existem, a meu ver, duas razões básicas para que o temor não prevaleça entre os Europeus: se a Europa se reclama cristã na sua essência, essa Europa não pode escusar-se a receber o «Outro» pois estará a não cumprir os valores cristãos que tanto apregoa; ao olhar para a História, a Europa verificará, conforme se viu anteriormente, que a seguir a movimentos migratórios tem lugar o desenvolvimento. O receio não pode fazer parte de uma Europa que se quer cosmopolita, progressista e fraterna.

Leitura de apoio:
Castles, Stephen (2005): Globalização, Transnacionalismo e Novos Fluxos Migratórios. Lisboa: Fim de Século.
Castles, Stephen, e Miller, Mark J. (2009): The Age of MigrationBasingstoke: Palgrave Macmillan.
Giddens, Anthony (2010): Sociologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Portes, Alejandro (2006): Estudos Sobre as Migrações Contemporâneas. Lisboa: Fim de Século.

1 comentário:

  1. Olinda Cavadinha Lopes da Costa27 de outubro de 2016 às 02:14

    Vendo por esse prisma, da tal «Europa Cristã» os ditos movimentos migratórios poderão ser benéficos, isto se vierem de facto a contribuir para o desenvolvimento do espaço em questão... mas a dúvida reside aí...no meu caso pessoal, infelizmente, também tive que deixar a minha terra natal (Moçambique) e gostei de ter encontrado um lugar onde também pude vir a ser feliz...mas a adaptação é sempre difícil. Se puderem ajudar quem chega de novo, pensando nas dificuldades que estes encontrarão, a todos os níveis, já põem em prática todos esses valores cristãos tão badalados.
    A marca de um verdadeiro Cristão é o amor pelos outros e obediência à palavra de Deus (1 João 2:4; 1 João 2:10).

    ResponderEliminar