terça-feira, 18 de outubro de 2016

CARTA DE FILHOS AOS PAIS QUE JÁ PARTIRAM

SÉRGIO LIZARDO
Olá. Quem vos escreve são os vossos filhos e filhas, que por cá ficaram. Alguns de nós estão bem, outros assim-assim, outros nem por isso, outros mal. E vocês, estão bem? Alguns de nós têm a certeza que sim, outros sentem que sim, outros acreditam que sim, outros querem acreditar que sim. Nós, por cá, sentimos por vocês o que uns chamam de saudade e o que outros chamam de dor – e sentimos, todos, que é uma e outra coisa o que sentimos, quase sempre ao mesmo tempo, umas vezes mais uma e outras vezes mais outra – depende de tanta coisa! Perguntamos: há, aí onde estão, saudade e dor? Também sentem saudade e dor? Também sentem isso por nós? Também têm um lugar vazio em vocês, frio no peito, vazios nas mãos, e braços, olhos, ouvidos e até narizes que perderam uma razão de existir por terem perdido a função de abraçar, tomar, apertar, ver, ouvir ou, até, cheirar o perfume do corpo de quem se ama de corpo inteiro e alma plena? Também suspiram por nós? Também sonham connosco? Também choram pela nossa separação? E também riem com as lembranças boas do tanto por que passamos juntos? Também oram por nós, a qualquer Deus ou a Deus nenhum? Também nos dão flores, mesmo que não colhidas e arranjadas em ramos? Também deixam suspensas no ar as palavras que tinham que nos ser ditas a nós e só a nós? Também tudo às vezes os faz lembrar de nós, por tão incrível que pareça? Nós, por cá, estamos assim, ficamos assim, somos assim. Nós, por cá, tantas vezes pegamos no que vocês nos ensinaram para ultrapassar problemas e incertezas! E vocês, também estão assim, ficam assim, são assim? Aí também é assim? Lembram-se de como olhávamos quando nos falavam? Os nossos olhares ainda são os mesmos. Os nossos olhares são ainda, muitas vezes, os das crianças que fomos. Sabem? Achamos que, por vezes, ainda que não pensemos que é colo o que nos falta, é mesmo colo o que nos falta – não só um beijo, não só um beijo e um abraço, não só um beijo, um abraço e uma voz que diz ‘meu filho’ ou ‘minha filha’. Olhem: uns de nós casaram, outros não; uns de nós têm filhos, outros não; uns de nós são o que um dia vos disseram que queriam ser quando fossem grandes, outros não; uns de nós já mudaram de casa, outros não; uns de nós ainda estão neste país, outros não; uns de nós ainda acreditam neste país, outros não; uns de nós ainda estão vivos, outros é como se não estivessem; uns de nós ainda lutam, persistem e acreditam, outros já não; uns e outros de nós procuram ser felizes, só que não da mesma maneira; uns de nós escrevem-vos cartas de amor como esta, outros amam-vos do mesmo modo – e todos sentimos o vosso amor. Vocês estão bem? Precisávamos, todos, agora mesmo, de ouvir ‘sins’ que respondessem a esta pergunta, iguais aos ‘sins’ que vos ouvimos dizer depois de vos chamarmos por ‘pai’ ou ‘mãe’ e de vos termos perguntado: ‘gostas de mim?’. SIM – queríamos saber se estão bem. SIM – ficaríamos felizes se vocês mesmos, ou alguém por vocês, nos respondessem. SIM – aceitaríamos melhor a vossa partida. SIM – contudo, SIM – choraríamos. 

Até um dia! 

Com o mesmo amor,
Os vossos filhos

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