CATARINA PINTO |
E porque a porta castanha escura, pesada e alta. Talvez mais alta do que os sonhos que um dia ali habitavam. Tão austera como as vidas que findaram. Mas voltando a enorme porta, olho para ela todos os dias, sempre imóvel a passagem de toda a vida fervilhante do centro da cidade. Atrever-me-ia eu a pensar que a madeira é que é mais velha do que o tempo e um profundo mar de cicatrizes. A porta está sempre coberta de tanto pó… as fechaduras essas já encravaram nas décadas perdidas ou talvez mesmo nos pesados séculos que passaram sem desculpa. Por detrás delas e ainda que duvidem já existiu tanta vida, tantos segredos…
Mesmo na entrada depois de cruzar o chão do largo e obliquo hall existia uma cadeira em que todos os dias ela se sentava. A mulher dos sonhos de alguém. Francisca era o seu nome. Escondia-se ali sentada na cadeira e olhava atrás da janela o horizonte longínquo e esperava que a porta se abrisse… sinal de novidades…
Seus olhos negros, vivos e enigmáticos encantavam o coração que quem a tão bem conhecia.
De cabelo dourado e longo, escondido debaixo de um dos seus mais variados chapéus grandes e onde carregava com toda a sua graciosidade belas flores mas nunca tão belas como Francisca.
Tão elegante que ela era dentro do seu vestido cinzento e branco, simples e belo talvez como a sua breve vida. Francisca era uma amante de pintura… suas mãos delicadas e preciosas, de uma artista única. Diante de uma tela o branco ganhava sem dúvida múltiplas vidas. Era como uma fada que com a sua varinha de condão transformava duras e frias pinceladas em sentimentos puros.
Costumava pintar de tudo. Desde a bucólica imagem de sua janela mágica, às pessoas que vinham até sua casa para um pouco de conversa e até os seus criados de casa davam o seu ar de graça em seus trabalhos. Transformava a vida numa imagem perfeita.
Mas na sua vida existia momentos de profunda solidão. A sua vida não era como as suas lindas telas… Já há algum tempo que sabia que o seu destino não era tão objectivo como sempre tinha projetado para si mesma nos momentos de introspecção.
( continua)
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