segunda-feira, 31 de outubro de 2016

AS BRUXAS E OS CAÇADORES DAS MESMAS

FERNANDO COUTO RIBEIRO
Nos tempos de hoje, uma das coisas que mais me impressiona é a caça às bruxas até porque bruxas já sabemos que não há. Todos os dias ouvimos falar de novas caçadas e, de alguma forma, até parece ser o principal entretenimento do nosso tempo: há quem se entretenha na caçada, há quem se entretenha a comentar a caçada, e há quem se entretenha a seguir a caçada ao longe.

Em tempos antigos, a ignorância forçada justificou muita coisa, o conhecimento era pouco e de difícil acesso, pelo que o medo (da ignorância vem sempre o medo) regia o coração das pessoas e permitia que, em nome de uma fé que conduziria à salvação, se perseguissem pessoas e que as queimassem em praça pública para libertação dos demónios e para preservação dessa fé. Sei que estou a ser simplista mas era, basicamente, isto.

Hoje, a ignorância não é forçada mas cultivada, temos uma ignorância culta. É promovida uma ilusão de conhecimento, temos resumos de resumos que, mais tarde ou mais cedo, acabam em frases mais ou menos publicitárias que parecem emanar uma verdade universal que é aceite e usada como estandarte em discussões vazias de ideias mas cheias de ego. Estamos a construir um mundo profundamente superficial e caçador de bruxas que o são apenas por pensarem.

Ninguém quer saber nada de nada. É estranho, entender esta contradição em que vivemos: temos um tempo privilegiado e não temos o privilégio do tempo. A informação vem em catadupa. Por isso, precisamos dos abençoados cabeçalhos resumidos e mentirosos, mas como informação não é conhecimento e não temos espaço, tempo, disposição e todas as desculpas que já todos decorámos, somos, essencialmente, ignorantes. Da ignorância vem o medo (continua a ser da mesma maneira) e com o medo voltamos a caçar bruxas, cada um tem a sua bruxa particular e de estimação, cada um tem a sua forma privada de defender a sua ignorância. Parece que nada mudou, mas não é verdade, a escala exponenciou tudo. A ignorância é maior, o que implica maiores desculpas, o que implica mais crueldade. Cada um sabe de si e já duvidamos de Deus para saber de todos.

Gosto das bruxas, romanticamente feiticeiras, que fazem poções em caldeirões de ferro e têm risos sinistros e maléficos. Essas, voam em vassouras, aprecem em contraluz na lua, cabem no coração e na imaginação das crianças e, no fim da história, acabam com um beijinho na testa – porque o sono tranquilo nos dá paz.

Não gosto dos caçadores de bruxas!

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