PALMIRA CRISTINA MENDES |
O que pesa mais na Balança da Justiça?!
A Legislação internacional, a constituição, a legislação processual consagra o princípio da segurança e da liberdade, a supremacia deste, a excepcionalidade e subsidiariedade da medida de prisão preventiva:
1- Legislação internacional:
A DUDH consagra em várias passagens a liberdade individual:
art.º 1.º, “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos...”,; art.º 3.º “todo o indivíduo tem direito á vida, à liberdade e á segurança pessoal”; art.º 9.º “ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado”; art.º 13.º“toda a pessoa tem direito a livremente circular...”;
A CEDH no seu art.º 5.º consagra também que “toda a pessoa tem direito à liberdade e à segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes:...”.
É o primado da liberdade sobre a segurança.
2- A Constituição
A República Portuguesa é um estado de direito democrático , baseado na dignidade da pessoa humana , no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais ( arts. 1.º e 2.º da CRP) cuja justiça é aplicada pelos tribunais em nome do povo( art.º 202.º n.º1 CRP).
O princípio democrático baseia-se em ideais permanentes: O da suprema dignidade da pessoa humana, da igualdade de todos os cidadãos.
O conceito de dignidade de pessoa humana é um uma referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais e só tem sentido se construído segundo os princípios da liberdade, justiça e solidariedade, consagrados na revolução francesa.
Entre estes destaca-se os direitos, liberdades e garantias pessoais, ( cap II da CRP), que são garantidos, entre outros pela consagração constitucional dos princípios da legalidade penal e processual penal, da tipicidade, da não retroactividade, da aplicação do regime mais favorável, do princípio do acusatório, da presunção de inocência até transito em julgado, da jurisdicíonalização total do processo crime, da proibição de provas obtidas com ofensa à dignidade da pessoa humana, de entre outros tantos demonstram a necessidade do ius puniendi se encontrar legitimado sob os auspícios do direito e da constituição.
No plano dos direitos fundamentais, o direito à liberdade, foi consagrado no art.º 27.º, cuja privação, tão excepcional deve ser, está constitucionalmente prevista no n.º 2 e 3 e 28.º.
Mas, o legislador constituinte não se limitou a enumerar ou a enunciar proclamatoriamente os casos em que pode haver privação de liberdade, mormente a prisão preventiva, estabelecendo que esta é excepcional, não sendo decretada ou mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei ( n.º 2 art.º 28.º CRP).
É a consagração constitucional do princípio da subsidiariedade da prisão preventiva ( de acordo também com a Recomendação do Conselho da Europa n.º R(80)11).
A segurança também é um direito fundamental do cidadão consagrado constitucionalmente e que o Estado garante com a sua tarefa fundamental por força do art.º 9.º da CRP.
Mas a segurança apresenta-se-nos como um corolário da liberdade nunca como sua limitação ou patamar de exercício.
A liberdade só se exerce quando há segurança, mas esta não pode ser considerada de forma extrema, porque poderá ser fundamento de violência.
A segurança e a liberdade, têm de se interligar e ajustar para que uma se não sobreponha á outra, para que não haja um estado de polícia e por outro lado se não promova a anarquia, de modo a construir uma sociedade mais justa e solidária como prevê o art.º 1.º da CRP.
Mas como grande garantia, consagrou-se também o primado da liberdade que se sobrepõe ao primado da segurança, com excepção dos estados de sítio ou de emergência. Não só pelos limites formais e materiais consagrados pelo art. 27.º da CRP, como também pela sujeição ao direito — princípios, regras jurídicas, jurisprudência e doutrina — dos operadores judiciários, maxime OPC e AJ.
3- O Direito Processual Penal
O processo penal, como doutrinária e apanagiamente se afirma, é direito constitucional aplicado. Se as Constituições eram alheias à sociedade, era a organização política do Estado, em que não se lhe impunha tarefas a favor dos cidadãos, em que o cidadão não era encarado como um sujeito de direitos e deveres, o direito processual penal não podia ser a carta por excelência da defesa dos direitos, liberdades e garantias contra os abusos e intromissões indevidas do ius puniendi.
Ora além dos requisitos da aplicação da prisão preventiva consagrados no art.º 204.º e n.º 1 al. a) do art.º 202.º CPP, o que interessa agora é reter que as disposições do Cap.III do CPP são dominadas fundamentalmente pelo princípio da precariedade das medidas de coacção.
A razão é porque sendo impostas a um indivíduo presumivelmente inocente, não devem suportar a barreira do “comunitariamente suportável” (Figueiredo Dias, numa comunicação no CEJ, nas jornadas de processo penal, a propósito da caracterização do estatuto do arguido) e está consagrado nos arts. 215.º, 218.º, 214.º, 212.º.
Outro dos conceitos que interessa reter, é o carácter excepcional subsidiário e gravoso da medida de prisão preventiva. Como exemplo citam-se as normas relativas ao reexame dos pressupostos (231.º n.º1), as que referem a possibilidade de elaboração de relatório social que permita ao magistrado o conhecimento, mais profundo dos elementos a ter presentes na decisão sobre a prisão preventiva, nomeadamente os relativos á personalidade, sua conduta anterior e sua situação pessoal, familiar e social ( art.º 1.º n.º 1 al. g), 213.º n.º 3 e 370.º n.º 3)
Só e se verificar algum dos pressupostos indicados nas alíneas do art. 204. º -Pericula Iibertatis- é legalmente admissível a aplicação de uma das medidas de coacção, com excepção do termo de identidade e residência.
Esses pressupostos são: a) Fuga ou perigo de fuga; b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa.
2.1) Fuga ou perigo de fuga.
A alínea a) do art. 204.º indica a fuga ou perigo de fuga como justificando a aplicação ao arguido de uma medida de coacção.
Por este motivo não é de se lhe aplicar esta medida de coacção por esse fundamento.
Quanto à verificação do perigo de fuga, importa ter bem presente que a lei não presume o perigo de fuga, exige que esse perigo seja concreto, o que significa que não basta a mera probabilidade de fuga deduzida de abstractas e genéricas presunções, v.g., da gravidade do crime, mas que se deve fundamentar sobre elementos de facto que indiciem concretamente aquele perigo, nomeadamente porque revelam a preparação da fuga.
2.2) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo.
Não basta também a mera probabilidade de o arguido desenvolver actividade que perturbe ou prejudique a investigação.
É necessário também, que em concreto se demonstre esse perigo pela ocorrência de factos que indiciem a actuação do arguido com esse objectivo e que não seja possível com outros meios obstar a essa perturbação.
“Os abundantes meios de que dispõem hoje as autoridades judiciárias e os órgãos de policia criminal para investigar os crimes e sobretudo a sua utilização diligente e inteligente são em geral bastantes para obstar a que o arguido possa por si perturbar o decurso do inquérito ou da instrução do processo” (ainda Germano Marques da Silva)..
2.3) Perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa.
“Este fundamento deve ser cuidadosamente interpretado, em termos que o seu âmbito se restrinja ao de verdadeiro instituto processual, com função cautelar atinente ao próprio processo, e não de medida de segurança alheia ao processo em que é aplicada.
O perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa há-de resultar das circunstâncias do crime imputado ao arguido ou da sua personalidade”(ainda Germano Marques da Silva).
Para haver perigosidade é preciso que, segundo as regras da experiência, o agente do crime revele a potencialidade de cometer de futuro crimes da mesma espécie.
Deve ser um elevado grau de probabilidade, não a mera possibilidade, como defende Figueiredo Dias, Direito penal Português, Parte Geral II, Edit. Notícias, 1993).
O Juiz, ainda segundo Figueiredo Dias, referindo-se às medidas de segurança, “aplicará a medida... se tiver alcançado a convicção da probabilidade de repetição; não a ordenará se estiver convencido de que a repetição é possível, mas não provável; como igualmente a não ordenará, de acordo com o princípio in dubio pro reo, se tiverem persistido no seu espírito dúvidas inultrapassáveis quanto à probabilidade de repetição”
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